Em debate na Cúpula dos Povos, comunistas defendem desenvolvimento sustentável
O debate “Marxismo, meio ambiente e desenvolvimento sustentável da Amazônia” é parte da ampla programação da Cúpula dos Povos, evento da sociedade civil paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
Iniciada no sábado (16), a Cúpula dos Povos deve receber cerca de 15 mil participantes, brasileiros e estrangeiros, até o dia 23 de junho. Mais de 600 eventos irão ocorrer nas tendas e quiosques instalados no Aterro do Flamengo, na zona sul do Rio de Janeiro.
Os comunistas do PCdoB não só marcam presença nas atividades, como integram a organização de várias delas. Uma das mais importantes ocorreu na tarde deste domingo (17), na Tenda Milton Santos, espaço compartilhado pelas fundações Maurício Grabois, Perseu Abramo, Friedrich Elbert e pelo Foro de São Paulo. Com promoção da Grabois e do INMA (Instituto Nacional de Defesa do Meio Ambiente), o debate “Marxismo, meio ambiente e desenvolvimento sustentável da Amazônia” reuniu especialistas e estudiosos da questão ambiental para expor a posição dos comunistas em relação aos temas que estão em debate na Rio+20. O evento também serviu para apresentar ao público da Cúpula a edição 118 da revista Princípios, que tem a Rio+20 como tema principal, e o livreto que traz a plataforma de lutas do PCdoB em defesa do meio ambiente.
Participaram do debate deste domingo o ex-deputado federal, secretário nacional de Meio Ambiente do PCdoB e presidente do INMA, Aldo Arantes; a vice-presidente nacional do PCdoB e líder da bancada comunista na Câmara dos Deputados, Luciana Santos; o jornalista e editor do jornal A Classe Operária, José Carlos Ruy; e o secretário de Produção Rural do Amazonas e professor de climatologia da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), Eron Bezerra. O professor Luciano Rezende, diretor de Meio Ambiente da Fundação Maurício Grabois, coordenou o debate, ao lado do presidente da Fundação, Adalberto Monteiro.
Delegação chinesa prestigiou o evento junto com diversas lideranças de todo o Brasil
Luciana Santos: capitalismo é o grande poluidor
A deputada Luciana Santos, que já esteve à frente da secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco e foi prefeita de Olinda por dois mandatos, abriu o debate lembrando que a elaboração dos comunistas em relação aos problemas ambientais está presente desde o início da formulação do marxismo. “Embora se diga que este tema do meio ambiente tenha ganhado maior relevância a partir dos anos 1970, especialmente após a Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, em 1972, para nós marxistas esse é um tema que já tinha importância desde os primeiros escritos de Engels e Marx. Eles teorizaram sobre esse assunto e destacaram a relação da degradação do meio ambiente com o modo de produção capitalista”, diz a deputada. Ela cita uma frase do Manifesto Comunista, no qual Marx dizia que “que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”.
“Fui prefeita de Olinda que é uma cidade que tem dois rios e 24 canais. Era dramática a situação causada pela imensa quantidade de garrafas pets jogadas nestes canais. Tiramos toneladas e toneladas de embalagens plásticas dos canais para evitar problemas com enchentes. Todo ano bilhões de garrafas pets são produzidas no mundo, com graves consequências ambientais. Essa opção pelas embalagens não retornáveis é praticamente um símbolo do modo de produção capitalista, da busca do lucro em detrimento do meio ambiente”, relata Luciana.
Ela citou ainda o caso peculiar da Philips. “A multinacional Philips é um exemplo, entre muitos, da agressividade ambiental da grande empresa capitalista. Em 1938, quando ela começou produzir lâmpadas fluorescentes, estas tinham uma vida útil média de 10 mil horas. Para aumentar os lucros, a Philips investiu em pesquisas para programar a obsolescência das lâmpadas, e reduziu sua vida útil em 90%, para mil horas. O resultado é um dano ambiental considerável: somente no Brasil, mais de 30 milhões de lâmpadas desse tipo são jogadas no lixo todo ano”, disse Luciana.
Citando Cesar Benjamin, Luciana lamentou que estejamos “em um sistema-mundo em que tudo é mercadoria, em que se produz loucamente para se consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir mais loucamente”.
A deputada também falou do problema do lixo, que já não é mais um problema local, das cidades, é um problema global. Ela lembrou que recentemente uma empresa de Pernambuco importou toneladas de lixo hospitalar vindos dos Estados Unidos disfarçado de material reciclável. “Este verdadeiro crime só não se concretizou porque o governo de Pernambuco interferiu e mandou de volta o lixo para os Estados Unidos”, disse.
Outro exemplo de problema ambiental citado por Luciana é a destruição da caatinga. Em 2010, no primeiro monitoramento já realizado sobre o bioma, constatou-se que a caatinga perde por ano e de forma pulverizada uma área de sua vegetação nativa equivalente a duas vezes a cidade de São Paulo. A área desmatada equivale aos territórios dos estados do Maranhão e do Rio de Janeiro somados. O desmatamento da caatinga é equivalente ao da Amazônia, bioma cinco vezes maior.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, resta 53,62% da cobertura vegetal original. A principal causa apontada é o uso da mata para abastecer siderúrgicas de Minas Gerais e Espírito Santo e indústrias de gesso e cerâmica do semiárido.
Luciana informou que boa parte da caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, está sendo queimada no Nordeste em fornos que servem à indústria do jeans em Pernambuco. Para Luciana, este é um evidente problema da nossa matriz energética que, apesar de ser uma das mais diversificadas e limpas do mundo, ainda consome boa parte dos recursos naturais em biomas frágeis como a caatinga e a Mata Atlântica.
“Precisamos ter mecanismos arrojados para a preservação ambiental, e temos condições para isso, mas sem cair na armadilha de colocar o Brasil em uma situação defensiva como se nós fossemos os responsáveis pela salvação ambiental do mundo e não estivéssemos fazendo nossa parte. É preciso enxergar os diversos interesses comerciais que estão por trás deste discurso”, finalizou a deputada.
José Carlos Ruy: a lógica da mercadoria é destrutiva
O jornalista José Carlos Ruy, diretor do INMA e editor do jornal A Classe Operária, focou sua fala na análise marxista do tema ambiental. Ele destacou que há uma certa resistência de setores ambientalistas ao pensamento de Marx por julgarem as ideias da corrente marxista demasiadamente “produtivista” e reprodutora de velhas noções de domínio do homem sobre a natureza. “Esses qualificativos não são corretos e quero tratar disso”, adiantou Ruy. Segundo ele, Marx tem uma profunda análise do capitalismo, mas também dos danos que a forma capitalista de produzir causa ao homem e ao meio ambiente.
“O pensamento de Marx aponta para a libertação do conjunto da humanidade e sugere que uma das condições para isso é a superação da sociedade de escassez que tem caracterizado a existência humana”, diz Ruy. Para Marx, a libertação de todos os seres humanos para que possam desenvolver livremente suas múltiplas potencialidades depende, mais do que da libertação do pensamento, da existência de uma produção material (de alimentos, abrigos e demais meios de existência, assim como de serviços de saúde, educação, cultura, etc) capaz de atender ao conjunto da humanidade.
Porém, destaca o jornalista, a forma como a distribuição do produto está organizada no sistema capitalista, beneficiando uma parte minoritária da sociedade em detrimento da maioria, condiciona a relação do ser humano com o meio ambiente sem priorizar sua preservação. “Esta é uma questão fundamental. Outra coisa fundamental no pensamento de Marx é a ideia de que o homem não está em oposição à natureza, ele é parte integrante da natureza”, diz Ruy.
O jornalista destaca que nas sociedades mais antigas, a relação do homem com a natureza é mais direta. “O capitalismo trouxe uma mudança nesta relação ao transformar tudo em mercadoria”, diz. “Primeiro, transforma a força de trabalho em mercadoria. A partir daí, transforma também em mercadoria os recursos naturais (…) Ao transformar a força de trabalho em mercadoria, o capitalismo também o separa da relação direta com a natureza, aliena essa relação, cria a base para a ilusão de um confronto entre homem e natureza. É esta alienação que permite a transformação das forças naturais e do meio natural em objetos de apropriação privada semelhante ao que ocorre com o produto gerado pelo trabalhador na produção capitalista, que é apropriado privadamente pelo empresário capitalista a troco do salário com que remunera a força de trabalho”, afirma Ruy.
Segundo ele, a geração e a apropriação da mais valia no processo de trabalho, na forma como Marx a descreveu em O Capital, manifesta-se também na relação privada do empresário capitalista com o meio ambiente. “Ela é a base da mercantilização da natureza e de sua transformação em fonte inesgotável de lucro para o capital”, diz.
Para José Carlos Ruy, o modo de produção capitalista é o que mais agride o meio ambiente. “Não é possível haver uma política ambiental consequente dentro do modo de produção capitalista. Nós dizemos que não há saída para o meio ambiente no capitalismo. Isso não é discurso vazio. A reconciliação do homem com a natureza só é possível numa sociedade em que o modo de produção é organizado de uma forma em que o lucro não seja seu objetivo”, concluiu.
Aldo Arantes: não podemos aceitar a “economia verde” do mercado
O secretário nacional de Meio Ambiente do PCdoB e presidente do INMA, Aldo Arantes, também valorizou a elaboração marxista sobre os temas ambientais e lamentou que os partidos de esquerda no Brasil tenham, por muito tempo, tratado de forma tímida o debate sobre meio ambiente. “A questão ambiental, como foi dito, está presente nos clássicos marxistas. Mas o que ocorre é que os partidos de esquerda, inclusive nosso partido, tinham certa reserva em relação aos temas ambientais. Isso se deve pelo fato de que o imperialismo tem utilizado a questão ambiental para atingir seus objetivos, vendo os recursos naturais como reserva estratégica para suas pretensões mercantis”, disse Arantes.
Ele ressaltou que este distanciamento fez com que setores da sociedade e da esquerda, particularmente os jovens e algumas categorias profissionais fossem seduzidos pelo discurso santuarista das ONGs internacionais que, na prática, atendem aos interesses dos países desenvolvidos.
Para Arantes, não se pode negar que as medidas de redução de consumo de energia, de água e redução na emissão de poluentes são medidas positivas e os países em desenvolvimento deve adotá-las. Porém, é preciso haver comprometimento dos países ricos também. A tendência na Rio+20, argumenta Arantes, é os países centrais tentarem jogar nas costas dos países pobres e em desenvolvimento a “conta” da preservação ambiental, propondo “responsabilidades iguais” quando os grandes responsáveis pela atual situação de degradação são os países ricos. “Queremos responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, defendeu.
“O ponto central da crise na negociação do documento da Rio+20 é o conceito europeu sobre economia verde que tem como consequência a questão do financiamento, da transferência de tecnologia e a proposta europeia de criar uma agência ambiental nos moldes da Organização Mundial do Comércio”, relata Arantes. Tal organização não está submetida à Assembleia Geral da ONU e suas decisões devem ser acatadas pelos países a ela filiados. “Isso seria instrumento dos países europeus a serviço da lógica de mercado que eles querem impor à chamada “economia verde”, com exportação de capitais e venda de tecnologia e equipamentos ligados a este novo ramo da economia”, alertou.
Para Arantes, a economia verde dos europeus é a expressão do neoliberalismo ambiental, da ecologia de mercado, da mercantilização da natureza. “É bom recordar que o Consenso de Washington também estabeleceu a necessidade de realizar ajustes estruturais das economias dos países dependentes. E tais ajustes significaram a redução do papel do Estado, a livre circulação de mercadorias, a liberalização da circulação de capitais e as privatizações”, disse.
Ele relatou um episódio ocorrido nesta semana durante uma mesa dos chamados Diálogos Sociais, eventos que objetivam coletar sugestões da sociedade civil para o documento final da Rio+20. Durante o debate de uma das dez mesas que compõe os Diálogos Sociais, foi proposto textualmente por um conjunto de economistas estrangeiros que “a economia de mercado é o caminho para solucionar os problemas ambientais”, denunciou Arantes.
O dirigente comunista também ressaltou que a concepção de desenvolvimento sustentável na sua origem está relacionada com o tripé: sustentabilidade econômica, social e ambiental. “Estamos em um momento de transição que se traduz no projeto nacional de desenvolvimento ou reformas estruturais como a reforma agrária, a urbana, enfim, um conjunto que incorpore o meio ambiente como fator estruturante para o desenvolvimento”, disse.
Eron Bezerra: defender a soberania brasileira sobre a Amazônia
O último debatedor da tarde foi o secretário de Produção Rural do Amazonas, Eron Bezerra, que se encarregou de debater com mais detalhes a questão da Amazônia.
O secretário iniciou sua fala fazendo o que ele próprio chamou de “uma provocação”. Eron ponderou que se o debate ambiental tivesse realmente preocupação ecológica, não se aceitariam regras diferentes para a floresta amazônica (onde se pode desmatar até 20% da área particular) e para a mata atlântica (onde é permitido usar até 80% do terreno). A mata atlântica tem tanta biodiversidade quanto a floresta amazônica. Então não se poderia tratar de maneira diferente problemas iguais, que teoricamente seria preservar o meio ambiente”, ponderou Eron. Ele citou também a tentativa do Greenpeace de apontar as queimadas na Amazônia como principal responsável pela emissão de gás carbônico quando é sabido que a floresta amazônica, mesmo com as queimadas, sequestra muito mais gás carbônico do que emite.
“Esses dois exemplos são para mostrar que este é de natureza ideológica. Ou nós compreendemos isso ou ficaremos girando como cachorro atrás do rabo, sem nunca conseguir nada”, enfatizou Eron.
Eron criticou duramente as diretrizes emanadas a partir dos países ricos que preconizam a teoria do “crescimento zero”, como fez o renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), sediado nos Estados Unidos. “É muito cômodo para americanos e europeus defender que pare tudo, por que eles já chegaram num patamar de desenvolvimento social e econômico elevado e consequentemente isso permitiria a eles manter o seu padrão de vida enquanto os demais povos ficariam impedidos de ter qualquer desenvolvimento. Por trás desta tese, está a intenção dos países ricos de reservar os recursos naturais restantes no planeta para uso exclusivo deles”, afirmou Eron.
Ele também criticou a posição das correntes que ele chama de produtivistas e santuaristas. Para os primeiros, os recursos naturais seriam infinitos e, por isso, não haveria necessidade de contenção dos recursos naturais. Já os santuaristas ou neomalthusianos alardeiam que os recursos naturais, além de finitos, já se esgotaram. Sustentam que o planeta chegou ao limite e se aproxima perigosamente do colapso ambiental. Recuperam a cantilena malthusiana quanto a escassez de alimentos e sugerem que “se congele tudo, não se use mais nada”. Assim, na prática, os pobres continuariam pobres e os ricos continuariam ricos.
Tem partido destes santuaristas, diz Eron, a defesa mais enfática de “gestão compartilhada da Amazônia”, ou seja, a sua internacionalização. Eron citou vários episódios históricos que mostram como o imperialismo, sobretudo o norte-americano, usou este discurso santuarista para tentar retirar a soberania brasileira sobre a Amazônia.
“O fato de termos presente que a questão ambiental é, lamentavelmente, usada como instrumento geopolítico e não de real preocupação com a defesa dos recursos naturais, não nos autoriza a estimular o desmatamento irracional ou defender outras aberrações similares sob o argumento de que os imperialistas já destruíram todos os seus recursos e agora querem preservar os nossos. Ao contrário. Devemos tirar proveito dessa questão, inclusive preservando grandes áreas como recurso estratégico que somente nós podemos dispor. O que não é discutível é o princípio da soberania nacional sobre a Amazônia”, defende.
Em contraposição a estas duas correntes extremas, Eron defendeu os sustentabilistas. “Baseados em larga fundamentação teórica, tem claro que os recursos naturais são finitos, que não há ação antrópica ou natural que não provoque impacto ambiental e que é perfeitamente possível, a um só tempo, usar, conservar e preservar os recursos naturais, desde que manejados em bases sustentáveis”, afirma.
Por fim, Eron citou o projeto do Bacalhau da Amazônia — produzido do pirarucu manejado — como um exemplo prático de sustentabilidade. “O Bacalhau da Amazônia é um grande exemplo porque consegue verticalizar os efeitos econômicos, gerando emprego e renda aos pescadores sem necessidade de agredir o meio ambiente”, concluiu sob aplausos dos presentes que se encantaram com o produto que está à mostra no stand do Amazonas, na Tenda da Amazônia, no Parque dos Atletas em frente ao Rio Centro.
Foto: Cláudio Gonzalez