“Os nossos amigos alemães não podem pôr duas proibições em simultâneo, uma sobre os eurobonds (obrigações para mutualizar as dívidas públicas europeias) e outra no refinanciamento direto das dívidas pelo BCE”, declarou François Hollande, no dia seguinte à sua eleição, ao site Slate.fr. A firmeza do tom empregado pelo candidato socialista durante a campanha eleitoral e reiterado após a sua eleição deixava entrever a possibilidade de um braço de ferro entre o novo poder francês, aureolado pela sua recente legitimidade eleitoral e apoiado pelos governos conservadores da Europa do Sul, e um governo conservador alemão isolado. Um confronto de onde poderia sair, após alguns episódios de forte tensão, um compromisso real, em particular sobre o papel do BCE. Isto não teria resolvido os problemas de fundo da construção europeia, mas teria permitido sem dúvida sacudir a pressão dos mercados financeiros sobre os países que, caso contrário, vão inexoravelmente afundar-se no abismo da depressão.

Contudo bastaram algumas declarações tonitruantes de Angela Merkel e do seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, para que as duas propostas iconoclastas desaparecessem do “Pacto para o crescimento” que o próprio François Hollande propôs à cimeira europeia de 28 de junho. Não haverá conflito, e portanto nenhum compromisso real, mas uma capitulação total como provam as recentes declarações de Jean-Marc Ayrault adiando os “eurobonds” por dez anos.

Abandono portanto da “renegociação” do Pacto orçamental (o famoso “tratado Merkozy”) prometido pelo candidato socialista durante a campanha eleitoral: agora é o Pacto orçamental “completado” por um Pacto de crescimento para supostamente afastar a União Europeia de um caminho puramente punitivo e austeritário, graças aos apregoados 120 mil milhões de euros de novos investimentos para grandes projetos europeus. O nosso presidente “normal” encaminha-se portanto para uma cimeira europeia “normal”, concluída por fortes abraços e declarações triunfantes proclamando o “fim da crise” da zona euro. É de prever que o governo francês pretenda garantir a rápida ratificação do Pacto orçamental pelo parlamento recentemente eleito.

O único problema é que este “Pacto de crescimento” não terá qualquer impacto no crescimento. Em primeiro lugar, porque os números anunciados representam apenas menos de 1% do PIB da União Europeia. Mas sobretudo porque estes números não têm significado económico e cobrem no essencial não um plano de estímulo económico, mas uma operação de comunicação política. Assim, metade dos famosos 120 mil milhões de euros consistem numa “reorganização” de fundos estruturais chamados de “adormecidos”, mas que na realidade já estavam programados para serem gastos até 2014. Quanto aos novos empréstimos que o Banco Europeu de Investimento poderá, talvez, consentir ao setor privado para “grandes projetos” graças ao aumento do seu capital e aos títulos de projeto (project bonds), serão distribuídos em vários anos e o impacto será portanto muito limitado. De qualquer forma, o problema da zona euro não é, de forma nenhuma, a falta de recursos para as empresas investirem: pelo contrário, os grandes grupos transbordam de liquidez, que em grande parte distribuem pelos seus acionistas.

Se o “Pacto de crescimento” é uma farsa, pelo contrário o Pacto orçamental é bem real: implica medidas de redução dos défices cujo impacto direto no crescimento da zona euro está já demonstrado, e estimado em 7 pontos do PIB para o período 2010-2013 por três Institutos económicos independentes, IMK (Alemanha), OFCE (França) e WIFO (Áustria). Deixando entender que o “Pacto para o crescimento” compensará os efeitos recessivos do Pacto orçamental, François Hollande encena uma verdadeira fraude política para justificar a ratificação rápida deste último pela França. Recordemos que o Pacto orçamental impõe ad vitam aeternam (para a vida eterna) uma nova norma orçamental: o “défice estrutural” – noção esotérica e controversa – dos Estados não deverá ultrapassar 0,5% do PIB. O Pacto introduz sanções quase automáticas para os países transgressores e dá à Comissão e ao Tribunal de Justiça Europeu direito de veto sobre as decisões orçamentais nacionais.

É possível que um entusiasmo mediaticamente orquestrado, como se viu tantas vezes durante os dois últimos anos no final de cada cimeira europeia “da última oportunidade”, convença a opinião pública com a tese do “compromisso” arrancado por François Hollande a Angela Merkel. Efeito reforçado pelo anúncio da adoção de uma taxa sobre as transações financeiras, contornando a oposição do Reino Unido graças a um procedimento de “cooperação reforçada”. Taxa cuja implementação concreta, que entrará em choque com interesses poderosos, arrisca-se infelizmente a se atolar durante longos anos nos corredores da Comissão.

Mas toda a arte da comunicação não fará do “Pacto do crescimento” o início de uma solução para a depressão na qual se afunda perigosamente a zona euro devido às políticas de austeridade generalizada. Talvez mais grave ainda: esta fraude, e a inevitável deceção que se seguirá à medida que a crise continuar a agravar-se, dará um golpe suplementar na credibilidade do discurso político. Ao tratar os cidadãos como crianças que se embalam com cantigas, os nossos governantes preparam amanhãs sombrios para a democracia na Europa.

Ainda há tempo para impedir este cenário. Os cidadãos podem intervir para exigir de François Hollande que submeta a ratificação do Pacto orçamental e do “compromisso” de 28 de junho a um verdadeiro debate democrático, decidido por um referendo. Dezenas de personalidades da sociedade civil pedem-no numa petição (disponível nos site de Attac França e da Fundação Copérnico). Face à subida da extrema direita, é preciso com urgência não menos mas mais participação popular, mais democracia em França e na Europa. A União Europeia e o euro não encontrarão futuro nos emaranhados da comunicação política, mas submetendo-se à prova do debate e da soberania democrática.

 

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Artigo de Thomas Coutrot, co-presidente de ATTAC França, e Pierre Khalfa, co-presidente da Fundação Copérnico, publicado a 27 de junho de 2012 em “Le Monde”, . Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Fonte: Esquerda.net