Marx e as contradições da modernidade capitalista

Não podemos negar que existiram em diversas passagens das obras de Marx e de Engels vestígios da chamada ideologia do progresso, a qual teve fortíssima influência na segunda metade do século 19. Mas, no geral, a visão desses dois autores era bem mais complexa e multilateral do que insinuam seus detratores.

Referindo-se ao desenvolvimento da civilização, Engels certa vez afirmou:

“Desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu desenvolvimento se opera numa constante contradição. Cada progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição da classe oprimida, isto é, da imensa maioria. Cada benefício para uns é necessariamente um prejuízo para outros; cada grau de emancipação conseguido por uma classe é um novo elemento de opressão para a outra.”

No mesmo rumo seguiria seu amigo Marx:

“Hoje em dia, tudo parece levar no seu seio a sua própria contradição. Veremos que as máquinas, dotadas da propriedade maravilhosa de reduzir e tornar mais frutíferos o trabalho humano, provocam a fome e o esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza recém-descobertas se convertem, por artes de um estranho malefício, em fontes de privações.”

Em O Capital, Marx novamente captou bem a natureza contraditória do desenvolvimento do capitalismo:

“Todos os meios de desenvolvimento da produção se transformam em meios de domínio sobre os produtores e de exploração deles; eles mutilam o trabalhador, tornando-o um fragmento de homem, degradam-no ao nível de um apêndice da máquina, destroem todos os resquícios de encanto do seu trabalho, que passa a ser uma labuta odiosa; eles o alienam das potencialidades intelectuais do processo de trabalho na mesma proporção em que a ciência é incorporada neste como força independente; eles distorcem as condições nas quais ele trabalhou, sujeitando-o, durante o processo de trabalho, a um despotismo tanto mais odioso quanto mais humilhante; eles transformam seu tempo de vida em tempo de trabalho, esmagando sua esposa e filhos sob as engrenagens do capital.”

Em outra passagem escreveu:

“(…) A acumulação do capital corresponde a uma acumulação igual de miséria. A acumulação de riqueza de um dos polos determina no polo oposto, no polo da classe que produz o seu próprio produto como capital, uma acumulação de miséria, de tormentos de trabalho, de escravidão, de ignorância, de embrutecimento e de degradação moral.”

Como afirmou Helmut Fleischer:

“Marx referiu-se a épocas “progressivas” da formação social. No entanto, não fez muito alarido acerca do “progresso”, chegando mesmo a falar dele de maneira sarcástica: até agora, o progresso assemelhou-se extraordinariamente “àquele horroroso ídolo pagão (…) que só queria beber o néctar pelo crânio das suas vítimas”. No marxismo, não se podem afirmar de modo integral as fórmulas da filosofia idealista da história do progresso em direção à liberdade, à autonomia espiritual e à humanidade universal, pois falta aqui, na sua base, aquele poder de garantia.”

O mesmo autor continua:

“O progresso das forças produtivas seria um progresso social sem reservas, se todos os homens participassem igualmente no que ele traz, no seu todo, de realização para “o homem”, desde que o ponto de partida fosse constituído por uma socialização antagônica e se o progresso da força produtiva aumentasse a cooperação solidária.”

Concluindo: os clássicos do marxismo estão plenamente de acordo em rejeitar uma representação simplista do progresso. Ele não teria uma evolução linear, contínua, avançando sobre todas as frentes e com vantagem em toda linha. Ele implicou ― e continuará implicando ― avanços e muitas vezes recuos relativos para a humanidade.

Bibliografia

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