Recursos para P&D com desenvolvimento sustentado
A operação de qualquer petroleira no Brasil segue o disposto nos “contratos de concessão”, assinados com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que regula toda a atividade exploratória e produtora e define quanto os poderes públicos receberão da produção. Ademais, há uma cláusula que obriga todo campo, caracterizado como de elevada produção, a investir 1% do seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento (P&D). São 17 os campos petrolíferos brasileiros alcançados por esse critério. As universidades e instituições recebem a metade dos recursos daí advindos; a outra metade vai para projetos situados nas instalações da própria petroleira, tudo regido pela cláusula.
De 1998 a 2011, esses recursos totalizaram R$ 6,2 bilhões. Só em 2011, alcançou a cifra de R$ 1,032 bilhão. Estimativas indicam que entre 2012 e 2022 chegarão a R$ 20 bilhões e que, em 2017, ultrapassará R$ 2 bilhões por ano!
Esse dispositivo, chamado de “cláusula de P&D”, não tem similar no mundo em contratos no setor de petróleo. Surgiu no Brasil, no final do século passado, pelo receio de que as privatizações em voga esvaziassem os investimentos em P&D no setor petrolífero público. Como houve diversas privatizações no setor elétrico, aí se estabeleceu em lei dispositivo análogo.
A aplicação dos recursos da “cláusula de P&D” nos últimos anos teve alto significado, especialmente porque cobriu o grande déficit que as instituições de ensino superior do país tinham, especialmente em estrutura laboratorial. Entre 2006 e 2011, a ANP autorizou 593 projetos só de estrutura laboratorial, que receberam R$ 1,56 bilhão de recursos, 73% de todo o montante recolhido pela “cláusula de P&D”. Esses investimentos transformaram algumas universidades e instituições de pesquisa de nosso país em centros de excelência com nível mundial.
Contudo, a forma de se escolher os projetos que recebem essas verbas encerra uma distorção. Hoje, a instituição que queira receber recursos dessa fonte deve, em primeiro lugar, se credenciar na ANP; depois, elaborar um projeto e apresentá-lo à concessionária (devedora daquele 1%), que o escolhe e o remete à agência. Como, até agora, 99% desses fundos foram originários da Petrobras, é esta empresa que tem definido os projetos a serem beneficiados, remetendo-os ao endosso da ANP, que pode até rejeitá-los.
A distorção desse processo decorre de que o ponto de vista empresarial, mesmo de uma empresa estatal, como a Petrobras, não necessariamente coincide com o ponto de vista nacional. A despeito, por exemplo, de nossa Constituição definir que deve ser feito empenho para diminuir as diferenças econômicas regionais, no período de 1998 a 2010, dos recursos da cláusula de P&D, 73%, correspondentes a R$ 1,9 bilhão, foram aplicados no Sudeste, enquanto o Nordeste recebeu 13%; o Sul, 10%; o Norte 3% e o Centro-Oeste 1%. O interesse nacional não foi suficientemente respeitado.
Essa situação tende a se agravar. Porque, até agora, era a Petrobras que quase sozinha pagava as obrigações da cláusula de P&D. Portanto, era uma estatal que escolhia os projetos a serem aquinhoados com os recursos da “cláusula”. Mas as previsões da ANP dão conta de que, em 2017, cerca de 25% dos recursos da “cláusula de P&D” advirão de outras 17 empresas, 12 das quais com origem no exterior. Manter a designação dessas empresas para a escolha dos projetos a serem contemplados com os referidos recursos, mesmo aqueles fora de suas instalações, seria um despropósito. Sem dúvida essa é uma função intransferível do poder público. O ajuste regulatório a esse respeito já está sendo feito pela agência, mas não está concluído.
A descoberta do pré-sal trouxe consequências para essa pauta. Dois tipos novos de contrato foram introduzidos no Brasil: o de “cessão onerosa”, só com a Petrobras, e o de “partilha da produção”, que ainda não foi aplicado, pelo qual o produto extraído será propriedade da União e partilhado com a empresa contratada segundo as condições previamente acertadas. A “cláusula de P&D” na cessão onerosa ficou em 0,5% do faturamento bruto, a ser transferido exclusivamente a universidades e institutos de pesquisa. Como o “contrato de partilha” foi introduzido para o pré-sal e áreas estratégicas por ser mais vantajoso para a União, é de se esperar que nele a “cláusula de P&D” seja estipulada em “1%”, mesmo índice em vigor nos “contratos de concessão”.
Estimativas dão conta de que no pré-sal, excluindo-se o que já está licitado ou contratado, existiriam não menos que 20 bilhões de barris de petróleo. A um preço médio (por baixo) de US$ 100 por barril, isto representaria recursos para P&D da ordem de R$ 36 bilhões, que, somados aos R$ 20 bilhões dos contratos já existentes, totalizariam R$ 56 bilhões para os anos vindouros. Essa verba significaria grande incremento tecnológico, inclusive porque as mudanças em curso na ANP, com relação à cláusula e a seu regulamento, preveem a possibilidade dos recursos oriundos da “cláusula de P&D” beneficiarem também áreas de ciências humanas e de ciências da vida, campos como Direito, Administração, Economia, Meio Ambiente, Farmacologia, Medicina e outros, em projetos relacionados com a indústria do petróleo. O Brasil poderia consolidar-se entre os líderes no desenvolvimento sustentado.
* Haroldo Lima é ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)