A Cidade

 

 

Estudantil amor com mês de outubro,

com cerejas ardendo em pobres ruas

e o bonde trinando nas esquinas,

moças como a água, corpos

na greda do chile, barro e neve,

e luz e noite negra, reunidos,

madressilvas caídas na cama

com Rosa ou Lina ou Carmem já nuas,

despojadas talvez de seu mistério

ou misteriosas ao rodar

na abraço ou espiral ou torre

ou cataclismo de jasmim e bocas:

foi ontem ou foi amanhã, de onde fugiu

a fugaz primavera? Oh ritmo

da elétrica cintura,

oh chicotada clara do esperma

saindo de seu túnel para a espécie

e a vencida  tarde com um nardo

a meio sonho e entre os papéis

minhas linhas, ali escritas,

com o puro fermento, com a onda,

com a pomba e com a cabeleira.

Amores de uma vez, rápidos

e sedentos, chaves a chaves,

e aquele orgulho de seres repartidos!

Penso que se fundou minha poesia

não só em solidão mas num corpo

e noutro corpo, em plena pele de lua

e com todos os beijos da terra.

 

Pablo Neruda – Memorial de Ilha Negra