O livro vem bem recomendado. O professor Marco Aurélio Santana afirma que “o trabalho de Luisa Pereira se associa a outros que vão nos fornecendo um quadro muito mais rico, cheio de nuances, no qual aparecem os limites às ações dos trabalhadores, aparecem também, e muito, a capacidade de agência dos trabalhadores, bem como as possibilidades delas advindas (…)”. “O livro traz ainda um ganho adicional que é fornecer uma análise não só do quadro sócio-econômico dos anos 1980 e 1990, mas também das formas de resposta sindical utilizada pelos trabalhadores. Neste sentido, o livro de Luisa Pereira traz contribuições importantes ao campo de pesquisa, e, sobretudo, ao debate social sobre o tema analisado”, diz ele.

Para outro professor  da UFRJ, Ivan Alemão, Justa Causa pro Patrão é um trabalho que não pode deixar de ser lido (…), pois trata-se de um estudo que revela uma revolta bem espelhada na palavra de ordem dos metalúrgicos do estaleiro Ishikawagima, que inspirou o título deste livro. A indignação com os desmandos do capital relatada é gradualmente analisada de forma científica. Os fatos da narrativa vão sugerindo temas e hipóteses que são respondidas passo a passo, a partir de métodos modernos de interpretação da luta de classes. E conclui: “A expressão ‘justa causa’ é utilizada para demitir o trabalhador faltoso, mas, neste caso, quem estará sentado no banco dos réus é o patrão”.

A autora é cientista social e mestre em sociologia e antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pesquisadora do Arquivo da Memória Operária (AMORJ).

Disponibilizamos abaixo o prefácio escrito pelas professoras Elina Gonçalves da Fonte Pessanha e Regina Lúcia de Moraes Morel
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PREFÁCIO

Elina Gonçalves da Fonte Pessanha *

Regina Lúcia de Moraes Morel **

É com enorme prazer que apresentamos este livro, escrito por uma jovem e competente pesquisadora que tem se dedicado a acompanhar a trajetória de trabalhadores da indústria naval do Rio de Janeiro, com especial atenção à relação que o sindicato da categoria tem estabelecido com instituições da Justiça do Trabalho.

Luisa foi nossa aluna e bolsista de Iniciação Científica durante praticamente todo o seu curso de Graduação em Ciências Sociais, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Completado o Mestrado, com a apresentação da dissertação que agora vira livro, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia –também do IFCS/UFRJ- ela é hoje aluna do curso de Doutorado, desenvolvendo tese em que dá continuidade às questões de pesquisa que vem perseguindo.

Essas questões têm apontado para alguns aspectos bastante interessantes. Os estudos de antropólogos e sociólogos do trabalho poucas vezes haviam se debruçado de forma mais direta sobre as relações que as associações de trabalhadores mantém –muitas vezes de forma compulsória- com as instituições do judiciário trabalhista. Afora algumas análises importantes, precursoras, sobre a percepção dos trabalhadores sobre seus “direitos” trabalhistas, de que são exemplares os trabalhos de Lygia Sigaud e Maria Célia de Paoli por exemplo, não foi comum, particularmente no campo de estudos sobre sindicatos, refletir sobre como estes tem explorado, de modo ativo, as possibilidades mais ou menos abertas por nossa legislação do trabalho.
Em sua dissertação, Luisa parte de alguns pressupostos básicos, buscando o apoio teórico principalmente do historiador social britânico, Edward P. Thompson. Um deles se refere à capacidade da classe trabalhadora em ativar sua experiência para “fazer-se” enquanto classe durante o processo histórico. O outro, retoma a perspectiva do autor sobre a lei, vista não apenas como resultado de uma imposição das elites, mas como resultado de um processo de disputas entre as classes ou setores delas. Com tal suporte, ela se propôs a recuperar a trajetória de um grupo de trabalhadores, reunidos no estaleiro Sermetal, no Rio de Janeiro, e a descrever a sua luta junto à Justiça e ao Ministério Público do Trabalho para fazer valer direitos que lhe haviam sido retirados durante o processo de decadência da empresa, num contexto de crise generalizada do setor de indústria naval brasileiro.

No primeiro capítulo, Luisa faz um breve levantamento sobre a  indústria naval no Brasil desde seus primórdios, passando pelo desenvolvimento da construção naval nos anos 1950, a crise da indústria nos anos 1980 e a retomada recente. Para isso, a autora considera a literatura já produzida sobre o tema e acrescenta aspectos da história do pátio onde foi fundado o estaleiro Ishikawagima, que está no centro de sua pesquisa. Através de fontes orais e escritas, como entrevistas e depoimentos de antigos sindicalistas, publicações acadêmicas, jornais e consultas a organismos da Justiça do Trabalho, a autora refaz a trajetória de ascensão e declínio do Ishikawagima ressaltando a ação coletiva dos trabalhadores nesse processo e trazendo à tona episódios até então pouco conhecidos, como o caso de ocupação da empresa e ocultamento de peças do navio Jari na década de 1990. Tais aspectos, que estão na raiz da formação do atual estaleiro Sermetal, trazem elementos fundamentais para a compreensão da relação entre a empresa, o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e os trabalhadores da empresa.

A análise sobre a retomada recente da indústria é outra contribuição expressiva da  pesquisa de Luisa . Ao mesmo tempo que reconhece a importância da orientação política do governo federal para a construção de uma configuração desenvolvimentista para o setor, Luisa também ressalta a relevância da combinação de diferentes elementos do campo econômico, político bem como da ação coletiva, para o efetivo renascimento da indústria naval no país. A pesquisa também resgata iniciativas fundamentais do governo do estado do Rio de Janeiro, ainda no final da década de 1990, no sentido de assegurar maior incentivo à indústria, como a criação da Secretaria da Indústria Naval, Energia e Petróleo.

No segundo capítulo, a complexa relação entre trabalhadores, sindicato e Justiça constitui o objeto principal de análise. Para isso, a autora percorre a literatura acadêmica sobre o tema dos direitos sociais e cidadania no Brasil, demonstrando que a história de lutas e mobilizações dos trabalhadores foram basilares para as conquistas trabalhistas do país. Luisa destaca principalmente a trajetória dos operários navais e as conquistas da categoria no período dos anos 1950, caracterizado por autores como a “época dos operários navais”.

Quanto à crise dos anos 1990 e os desafios colocados para o sindicalismo, Luisa aponta a dimensão da Justiça do Trabalho como forma de resposta sindical dos trabalhadores ao desrespeito à legislação trabalhista e às arbitrariedades cometidas pelos patrões no ambiente de trabalho. Considerando a “Justiça como alternativa” e também como espaço da disputa entre capital e trabalho, Luisa nos apresenta dados sobre as demandas coletivas e a resistência à coletivização processual na Justiça do Trabalho, sobre o aumento das demandas trabalhistas individuais à Justiça e o papel atribuído ao Ministério Público do Trabalho como defensor dos direitos difusos e coletivos no período pós-Constituição de 1988. Além disso, Luisa apresenta dados de sua pesquisa de campo que mostram o incremento dos setores jurídicos dos sindicatos para atenderem os trabalhadores de forma individual e coletiva. A autora também reconstitui a relação entre o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro com a Justiça, e a experiência deste sindicato na Câmara Setorial de Bens de Capital, mostrando que a experiência histórica da categoria serve como importante referência para as ações desencadeadas pelos trabalhadores.

No último capítulo, a autora revê os conceitos discutidos ao longo do livro através do estudo de um caso concreto, que envolveu cerca de 1000 trabalhadores da empresa Sermetal, situada no pátio da antiga Ishikawagima do Brasil. “Justa-causa pro patrão” foi a palavra de ordem utilizada pelos trabalhadores do estaleiro e sindicalistas para definir a rescisão indireta do contrato de trabalho dos operários da Sermetal. Esta rescisão baseava-se na alegação de que a empresa não cumpria seu papel como empregadora, já que atrasava salários e negligenciava direitos trabalhistas. Através do método de pesquisa da observação participante, Luisa acompanhou audiências na Justiça do Trabalho, no Ministério Público do Trabalho, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, paralisações, atos, greve e diferentes reuniões sobre o caso. Com isso construiu, ao  final, um quadro que evidencia, com riqueza de detalhes, as contradições na relação entre sindicatos de trabalhadores e a Justiça.

O presente livro traz, portanto, uma contribuição importante, a partir das Ciências Sociais, não só para os que acompanham a história da indústria naval brasileira, mas também para futuros estudos sobre como os trabalhadores usam de maneira criativa os mecanismos institucionais disponíveis, criando alternativas para fazer passar suas demandas coletivas. É nesse sentido, principalmente, que o trabalho de Luisa inova e deve servir de estímulo para que não só ela, mas igualmente outros jovens pesquisadores, recuperem e analisem a rica história vivida e “feita” –como indica Edward Thompson- pela classe trabalhadora de nosso país.

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*Elina Gonçalves da Fonte Pessanha é professora doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia nesta universidade. É editora da revista Sociologia & Antropologia e coordena o Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro, também na UFRJ.

**Regina Lúcia de Moraes Morel é professora doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologianesta universidade.