As últimas cores do dia

 

 

De que te serve a lucidez

se estás sozinho quando vês?

Lá vamos nós para o buraco

e nem sequer temos pudor

de regressar ao macaco.

 

De que te vale gritar

teu desconforto a quem de ti

se ri e é morto já, zumbi?

Morde o horror nossa lida

sem que ninguém se dê conta;

e o que sai pela ferida

não é sangue, não é vida,

o que se esvai é a alma

amortalhada na calma

de uma estranha anestesia.

 

Perdeu-se toda poesia

e o que agora nos resta

enquanto a cortina se fecha

é espiar pela fresta

as últimas cores do dia.

 

 

Eduardo Alves da Costa – No caminho com Maiakóvski ( poesia reunida)