A ilusão da retomada americana
Se bem que o risco de uma crise desordeira na Zona Euro esteja já bem reconhecido, tem prevalecido uma perspectiva mais favorável em relação aos Estados Unidos. Nos últimos três anos, o consenso tem dito que a economia norte-americana está à beira de uma retomada auto-sustentável que restituirá um crescimento acima do potencial.
Isso acabou por se revelar errado, uma vez que o penoso processo de desendividamento dos balanços – reflexo de um excessivo endividamento do setor privado e consequente transferência para o setor público – implica que a retomada ficará, na melhor das hipóteses, abaixo do nível tendencial, nos próximos anos.
Mesmo este ano, o consenso estava errado, já que estimava que a retomada se expressaria com um crescimento anual do PIB acima do nível tendencial – ou seja, mais de 3%. No entanto, tudo indica que a taxa de crescimento do primeiro semestre será de cerca de 1,5%, no melhor dos cenários, o que significa que nem sequer atingirá o débil ritmo de 1,7% atingido em 2011.
E agora, depois de terem errado nas estimativas para a primeira metade de 2012, muitos repetem o conto de fadas de que a conjugação de preços do petróleo mais baixos, aumento das vendas de automóveis, subida dos preços das casas e retoma da atividade industrial nos EUA irá potencializar o crescimento na segunda metade do ano e impulsionar um crescimento superior ao tendencial em 2013.
A realidade é precisamente oposta: por variadas razões, o crescimento irá desacelerar ainda mais na segunda metade de 2012 e será ainda menor em 2012 – próximo de uma velocidade de perda.
Em primeiro lugar, o crescimento no segundo trimestre abrandou face aos 1,8% registados entre Janeiro e Março (que já foi medíocre), ao mesmo tempo que a criação de empregos – que atingiu uma média de 70 000 por mês – caiu fortemente.
Em segundo lugar, os receios de que os EUA estejam a aproxima-se de um ‘abismo orçamentário’ – imagem usada para descrever os ajustamentos que estão programados e que passam por aumentos automáticos de impostos e cortes de despesas no final deste ano – farão com que o consumo e o crescimento se mantenham em níveis baixos ao longo do segundo semestre de 2012.
O mesmo acontecerá por via da incerteza em torno de quem será o presidente dos EUA em 2013; em torno dos níveis dos impostos e dos gastos; em torno da ameaça de mais um impasse governamental devido ao ‘debt ceiling’ (limite de endividamento); e em torno do risco de um novo corte do ‘rating’ soberano no caso de o impasse político continuar a bloquear um plano para a consolidação orçamentária de médio prazo. Nessas circunstâncias, a maioria das empresas e dos consumidores será muito prudente em matéria de gastos – o que debilitará ainda mais a economia.
Em terceiro lugar, se se puser fim às reduções de impostos e aos subsídios que estão em vigor, sem serem prorrogados, e se se implementarem cortes draconianos nos gastos, o travão derivado do abismo orçamental poderá implicar uma quebra de 4,5% no crescimento do PIB em 2013. É claro que a quebra será muito menor se os aumentos de impostos e os cortes na despesa forem mais moderados. Mas mesmo que o abismo orçamental acabe por se traduzir numa mera redução do crescimento – somente 0,5% do PIB – e o crescimento anual no final de 2012 seja de 1,5%, como parece muito provável, essa política será suficiente para fazer a economia desacelerar para uma velocidade de perda: uma taxa de crescimento de somente 1%.
Em quarto lugar, o crescimento do consumo das famílias, nos últimos trimestres, não reflete o crescimento nos salários reais (que estão, na realidade, a diminuir). Em vez disso, o crescimento do rendimento disponível (e, consequentemente, o crescimento do consumo) tem sido sustentado desde o ano passado pela entrada de 1,4biliões de dólares decorrente de cortes de impostos e da extensão de subsídios, o que implica mais 1,4 biliões de dólares em dívida pública. Ao contrário da Zona Euro e do Reino Unido, onde a recessão em forma de W (‘double dip’) está já em curso, devido à forte austeridade orçamentária concentrada na fase inicial de implementação das medidas de ajustamento, os EUA evitaram parte do desendividamento das famílias através de mais reendividamento do setor público – ou seja, roubando algum crescimento ao futuro.
Em 2013, à medida que os subsídios forem terminando, ainda que de forma gradual, e com o fim progressivo dos benefícios fiscais, o crescimento do rendimento disponível e do consumo irá desacelerar. Os Estados Unidos irão então confrontar-se não só com os efeitos diretos de um travão orçamentário, mas também com o seu efeito indireto sobre o consumo do setor privado.
Em quinto lugar, quatro forças externas impedirão um crescimento adicional da economia norte-americana: uma deterioração da crise da Zona Euro; uma aterragem cada vez mais dura por parte da China; um abrandamento generalizado das economias dos mercados emergentes, devido a fatores cíclicos (fraco crescimento dos países avançados) e a causas estruturais (um modelo de capitalismo de Estado que reduz o crescimento potencial); e o risco de uma subida dos preços do petróleo em 2013, atendendo a que nem as negociações nem as sanções serviram para convencer o Irão a abandonar o seu programa de energia nuclear.
As medidas políticas terão um efeito muito limitado no sentido de evitarem a paralisia total da economia norte-americana: mesmo que a incidência negativa da política orçamentária sobre o crescimento seja limitada, o dólar norte-americano deverá valorizar, à medida que a crise da Zona Euro for enfraquecendo cada vez mais a moeda única e que a aversão global ao risco for regressando. A Reserva Federal dos EUA vai levar a cabo mais medidas de estímulo este ano, mas essa flexibilização quantitativa será ineficaz: as taxas de juro de longo prazo estão já em níveis muito baixos e reduzi-las ainda mais não irá impulsionar o consumo. Com efeito, o canal do crédito está congelado e o dinheiro circula muito lentamente, com os bancos a acumularem cada vez mais a moeda em circulação sob a forma de reservas excedentárias. Além disso, é pouco provável que o dólar enfraqueça, uma vez que outros países também levarão a cabo medidas de flexibilização quantitativa.
Da mesma forma, o mais provável é que os entraves derivados da redução do crescimento tenham mais influência do que o efeito levitacional que as novas medidas de estímulo exercem sobre os preços das ações, especialmente tendo em conta que as atuais cotações das ações não estão tão baixas como em 2009 ou 2010. De fato, o movimento de melhoria dos lucros e receitas está agora a perder fôlego, dado que o efeito – sobre as vendas – da fraca procura acaba por afetar as margens e a rentabilidade.
Uma significativa correção do preço das ações pode, com efeito, ser o fator que em 2013 levará a economia dos EUA para uma forte contração. E se os Estados Unidos (ainda a maior economia do mundo) começarem de novo a fungar, o resto do mundo – com o seu sistema imunitário já debilitado pelo mal-estar na Europa e pelo abrandamento nos países emergentes – vai apanhar uma pneumonia.
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*Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é “chairman” da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics (www.roubini.com) e é co-autor do livro intitulado Crisis Economics.
Fonte: Jornal de Negócios