Lições de Guernica, 75 anos depois
O impacto de milhares de bombas lançadas sobre Guernica, o fogo das metralhadores aéreas que disparavam sobre civis tentando fugir do inferno, ainda hoje é sentido – pelos idosos sobreviventes, que ansiosamente partilham as suas memórias vividas, bem como pela juventude de Guernica, que luta por um futuro para a sua própria cidade longe da sua história dolorosa.
A Legião Condor da Luftwaffe Alemã (Força Aérea Alemã durante a Alemanha Nazi) fez o bombardeio a pedido do Gen. Francisco Franco, que liderou uma revolta militar contra o governo espanhol democraticamente eleito. Franco pediu ajuda a Adolf Hitler e Benito Mussolini, que estavam ansiosos para pôr em prática técnicas modernas de guerra sobre os indefesos cidadãos de Espanha. O ataque contra Guernica foi a primeira destruição completa de uma cidade civil na história europeia efetuada por bombardeio aéreo. Enquanto casas e lojas eram destruídas, algumas unidades de fabrico de armas, juntamente com uma ponte importante e a linha férrea foram deixadas intactas.
Ativo e lúcido aos 89 anos de idade, Luís Iriondo Aurtenetxea, sentou-se comigo nos escritórios da organização Gernika Gogoratuz, que em língua Basca significa “Recordar Guernica”. O basco é uma língua antiga e um elemento fundamental na independência feroz do povo Basco, que vive há milhares de anos na região fronteiriça entre Espanha e França.
Luís tinha catorze anos e trabalhava como assistente num banco local quando Guernica foi bombardeada. Era dia de feira, por isso a cidade estava cheia, a praça do mercado repleta de pessoas e animais. O bombardeio começou às 16h30 da tarde do dia 26 de Abril de 1937. Luís recorda: “Nunca mais acabava. O ataque durou três horas e meia. Quando terminou, saí do abrigo e vi toda a cidade a arder. Estava tudo em chamas.”
Luís e outras pessoas fugiram até à aldeia vizinha de Lumo, no cume da colina, onde, com o cair da noite, viram a sua cidade arder e as suas casas ruírem pelas chamas. Deram-lhes um lugar onde dormir num celeiro. Luís continua: “Não me recordo se era meia-noite ou outra hora qualquer, porque na altura não tinha relógio. Ouvi alguém chamar-me… No fundo, podia ver-se Guernica em chamas, e graças à luz do fogo, eu vi que era a minha mãe. Já tinha encontrado os meus outros três irmãos. Eu era o último.”Luís e a sua família foram refugiados de guerra durante muitos anos, acabando por regressar a Guernica, onde ele ainda vive e trabalha como pintor – tal como Picasso em Paris.
Luís levou-me até ao seu estúdio, com as suas paredes cobertas de pinturas. A mais proeminente era a que ele pintou sobre aquele momento em Lumo quando sua mãe o encontrou. Perguntei-lhe como se sentiu naquela altura. Os seus olhos marejaram-se de lágrimas, Pediu-me desculpa e disse que não podia falar disso. Apenas a alguns quarteirões de distância situa-se uma das fábricas de armas que foi preservada da destruição. Um edifício onde são fabricadas armas químicas e pistolas, chamado Edificio Astra. Embora Astra se tenha mudado, a empresa de fabrico de armas mantém a sua ligação com a cidade, uma vez que várias das suas armas automáticas são denominadas de “Guernica” desenhadas “por guerreiros, para guerreiros”.
Há alguns anos, um grupo de jovens ocupou o edifício vazio, exigindo que fosse transformado num centro cultural. Oier Plaza é um jovem ativista de Guernica que me contou, “A princípio a polícia expulsou-nos, mas nós voltamos a ocupar o edifício. Finalmente, a câmara comprou-o, e iniciamos este processo de recuperação do edifício para criar o projeto Astra.”
O objetivo do projeto Astra é reconverter esta fábrica de armas num centro cultural com aulas de arte, vídeo e outros meios audiovisuais. “Temos de olhar o passado para compreender o presente e criar um futuro melhor. E eu acho que Astra faz parte desse processo. É o passado, é o presente, e é o futuro desta cidade.”
De “Guernica” de Picasso ao auto-retrato de Luís Iriondo Aurtenetxea com a sua mãe, passando pela iniciativa de Oier Plaza e os seus jovens amigos, o poder da arte em transformar armas em arados, e resistir à guerra, é constantemente renovado.
Fonte: Democracy Now