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    Susana 3 (Elegia)

    Susana 3 (Elegia)   Atravessa a noite e o coração a flecha de seu nome: Serias Isabel ou Catarina eras Susana E os olhos te distinguem no catálogo dos sonhos, pois, eras uma vez a rosa, o pêssego, o favo de luz das pupilas de mel e no vinho da boca a voz de mel a […]

    POR: Redação

    8 min de leitura

    Susana 3 (Elegia)  

    Atravessa a noite e o coração
    a flecha de seu nome:
    Serias Isabel ou Catarina
    eras Susana

    E os olhos te distinguem
    no catálogo dos sonhos,
    pois,
    eras uma vez a rosa, o pêssego, o favo de luz
    das pupilas de mel
    e no vinho da boca a voz de mel
    a melodia
    a embriaguês das noites e dos dias,
    pois,
    eras bela ao crepúsculo
    bela ao crepúsculo
    da aurora – e ao crepúsculo da tarde
    ias ficando cada vez mais bela
    e à penugem da noite
    regias
    inventavas
    verão e primavera
    e outras estações que tiravas dos seios
    entre linhos e sedas
    e às vezes
    entre vinhos lareiras e edredons.

    E a cada linha feita – desfeita – no teu rosto
    eras e não eras
    e eras
    a promessa e a memória da beleza
    ao crepúsculo da aurora e ao crepúsculo da tarde
    E sobre a pele números e aromas
    iam manchando e desmanchando
    a rosa de teu rosto
    e eras – e não eras
    e eras
    sugerida uma vez e outra vez e assim
    iam-se contando as pétalas
    na lentidão do gesto:
    uma rosa – outra rosa – a mesma rosa
    desabrocha devagar
    da memória da rosa
    tantas vezes achada
    tantas vezes perdida:
    ao teu poeta resta
    a rosa da memória – resta
    aquele aroma de plantas e jardins
    um riso em flor de gerânios chilenos,
    pois,
    os gerânios começavam a chegar
    e chegavam contigo
    das janelas de Viña del Mar
    ou
    dos jardins da Flórida onde
    o cisne dos navios carregados de flores
    voavam sobre as ondas rumo à noite das Bahamas:
    e ali eu te chamava Catarina.
    E à madrugada
    sábia já de beijos
    a boca te dizia
    Susana
    e eras Susana e eras Catarina
    e tinhas
    a cada estação do ano um nome novo
    E no mapa da mina de teu nome
    numeroso e único
    viajei o mapa-mundi e o mapa dos tempos
    a caminho de ti
    e desde
    e até.
    E pelas ruas de Paris
    e à corrente do rio
    ao pé dos Alpes
    Rosa, Rosa, eu te chamava
    e o cânon de teu rosto respondia: — Rita
    e da página dos velhos livros
    da página dos sonhos
    o rosto erguias
    e eu te clamava
    Joana, Joana de Aragão – e nunca
    o olhar pôde medir beleza igual
    à beleza de teu rosto
    Nas colinas de Sintra e ali
    onde era o Tejo, onde o Alentejo
    onde foram Inês e Leonor
    e as Tágides do poeta
    ao céu de estrelas portuguesas
    eras a amante do rei
    e a caminho da Itália eu te dizia
    Laura e Beatriz
    e te encontrava nas touceiras
    de sonetos e tercetos e cantigas e odes
    e por algum de teus nomes te chamava
    Leuconoé e Cíntia
    e encontrei os poetas e as musas
    e eram todos
    a caminho de Susana
    Atravessei os tempos e os países
    e os tempos e os países
    e as mulheres dos tempos, dos países
    tentavam desenhar a flor de teu semblante.
    Venho dos livros, das bibliotecas
    das casas noturnas de Buenos Aires — venho
    da gruta de Santo Antão
    da aparição de um Anjo
    da tentação dos anacoretas
    de todas as Tebaidas — venho
    das igrejas do bairro
    dos mosteiros de mármore
    da catedral da praça onde
    era tua imagem.
    E era uma vez a noite de Raquel
    os olhos de Raquel
    e amadurecia em minha mão
    seu seio de judia
    no hotel de Tel Aviv:
    e vi sua beleza
    de dois mil anos de adolescência
    e na porta de Damasco
    subíamos ondulando a escada de oliveira
    e eras uma serpente em pé com teus olhos ofídícos
    tua beleza palestina e ali talvez
    ego poeta
    comecei a suspeitar teu nome
    serias
    Susana?
    Maldito seja eu se me esquecer de teu nome
    fiquem cegos meus olhos
    se eu me esquecer de teu rosto
    surdos meus ouvidos
    se eu me esquecer da melodia
    de tua voz
    seque a minha mão
    se eu me esquecer da maciez de tua pele
    e apodreça o sexo nas virilhas
    se eu me esquecer da glória de tua dança
    entre a cintura e as ancas:
    agora sei, Urânia,
    todas as curvas de seu caminho
    Das cidades, das tribos, dos países
    das terras e dos mares
    seus pés se erguiam nos continentes
    virgens e musas, putas e noivas
    guardo seu rastro
    a marca de seus pés
    no chão do coração
    por esses rastros por essas marcas
    peregrino de ti te fui buscando:
    ali as ancas — ali
    as crinas — ali
    os tornozelos —
    e as lonjuras às vezes
    sugeriam teus olhos
    e teu jeito de andar
    e tua voz se ouvia
    através das paredes e era
    a voz da estrela onde
    o rouxinol um dia fez seu ninho:
    as raparigas celtas temperavam na garganta
    esse murmúrio numinoso
    quando
    inauguravam na boca o desenho da primeira dança: à sua
    melodia as ninfas naquele tempo
    viam partir-se o coração da rosa quando
    o coração do silêncio partia o seu cristal
    e aparecia a tua voz:
    Vinhas chegando
    e já não sei
    se eras tu — se teu poeta —
    alguém vinha chegando,
    pois,
    naquele tempo
    tempos de Godo, tempos de Efrain,
    ao tremor de tua beleza
    estremecíamos:
    um dia a mão sacrílega
    tomou na concha o peso de teu seio
    e de repente
    nas mãos em chamas
    ardia um coração
    —— de quem? ——


    o meu era expelido pela boca
    na golfada de sangue:
    Musa cruel —
    todo anjo, Maria, é terrível
    e toda Musa é cruel
    Quem de nós chegou tarde ao dia deste amor?
    Tarde, Agostinho, tarde chegamos
    e tão cedo as despedidas
    e se os tempos voltassem
    quem sabe voltariam os corações ao peito
    e a primeira lágrima — a lágrima da alegria
    lavaria os olhos e o primeiro beijo
    voltaria ao vinho e ao mel
    dos lábios para sempre
    Tu, só tu
    saberias trazer de volta aquele tempo
    tempos de Afrodite e de Maria Alonso
    quando te erguias das flautas
    e cresciam das harpas o emblema
    a gema e o estratagema do teu corpo
    e à flauta e às harpas
    perguntei teu nome quando
    começavas a subir a colina dos tempos
    e subias e descias a colina dos tempos
    desde aqueles tempos
    tempos de Raul e Abdias
    tempos de Bice,
    tempos de Francisco e Augustin:
    depois, uma flor velava
    outra flor vermelha e só
    e o silêncio pendente de teus olhos
    abria os lábios:
    e eu te contemplei
    em todos os losangos de tua pele
    tua forma tua formosura
    erecta e nua e única no meio do mundo
    naquele instante
    minhas mãos moldaram
    cintura e rosto:
    e fui teu creador
    e tua creatura
    Posso partir um dia –
    partirei
    com o rouxinol e o galo da madrugada
    no peito estrangulados
    Então já não lerei o fogo e as águas
    mas
    do coração das ondas e das labaredas ilisíveis
    as pétalas irão formando
    a rosa de água e fogo de teu rosto:
    e sempre te verei
    no silêncio das pedras
    onde dançava essa cigana
    nas arcadas de Rimini,
    pois,
    há dois mil anos eu te quero
    e há dois mil anos estes olhos esta voz
    trabalham o teu rosto e o nome teu
    sôbolos rios de Babilônia
    entre os bosques de Susa e os mármores de
    Rimini
    entre as fontes de Susa
    Susana
    pois — vinhas de longe
    às vezes
    o cântaro na cabeça
    caminhavas à beira do rio
    e às vezes
    as águas lambiam teu corpo nu
    e entre o arvoredo
    eras espreitada
    e ias e voltavas
    ao ritmo das águas e das margens
    e pisavas as folhas e as pupilas
    e pisavas a flor e o coraçao
    de teu poeta
    e às vezes
    galgavas os desvios as montanhas
    percorrias os vales a cavalo
    morena e nua no lombo das éguas alazãs
    quando a lua banhava tua pele
    e dourava tuas crinas e lavava
    teus olhos de ouro:
    assim te conheci e te amei
    tuas crinas entre as crinas das éguas
    e os ventos da madrugada
    E às vezes — uma vez
    esperei teu sorriso:
    tua túnica azul
    compunha a melodia de teus passos
    e em teu silêncio começava a música
    entre os olhos e os arcos
    da portas de Jerusalém:


    pois eras tu — de Susa vinhas
    pelo país de Damasco
    e eu afagava
    o punhal na cintura — e o ciúme nos olhos
    rugia moribundo
    entre a luxúria das folhas do arvoredo
    de onde as pupilas te espreitavam
    E a mão de Deus riscou tua cabeça
    e eras Sua imagem
    e eras tu
    a Beleza
    compassiva e cruel:
    e duraste um relâmpago
    o relâmpago dos olhos
    ao coração
    a eternidade
    E das portas da aurora
    nas portas da morte
    teu poeta
    te encontrou para sempre
    te perdeu para sempre
    teu poeta
    com teu nome tatuado na língua
    clama aos dias e às noites
    Susana

    Sus

    Ana!

     

    Gerardo Mello Mourão – Sasana 3 ( Elegia e inventário)

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