Implica cortar serviços públicos; reduzir maciçamente os impostos pagos pelos endinheirados e grandes empresas; manter os que são exigidos dos setores médios e baixos. Alega-se que, assim, será possível reduzir o déficit orçamentário (principalmente através dos cortes de despesas) e estimular o investimento (porque os ricos supostamente investiriam com o dinheiro disponível, o que contraria a evidência empírica dos últimos vinte anos…).

Quem se importa? Há economistas que constroem gráficos para justificar qualquer coisa. O importante é ter o poder de fazer. Os republicanos controlam a Câmara, graças à ingenuidade de Obama. E se Romney e Ryan chegarem à Casa Branca, a castigada sociedade estadunidense deverá chorar e ranger os dentes – com o apoio da maioria de homens brancos, que são tão racistas quanto são antigoverno por ideologia. O mais espantoso é o projeto de liquidar gradualmente a Medicare, programa de saúde pública dos Estados Unidos para os idosos.

É possível imaginar uma política mais abertamente antissocial, que retira a cobertura médica dos idosos aposentados? Era impensável – mas em tempos de crise financeira, tudo é possível. Inclusive a perspectiva de que uma crise causada pela liderança financeira resulte no salvamento das instituições financeiras e na recompensa milionária seus executivos (com salários e cortes de impostos), para penalizar os mais vulneráveis com a remoção de elementos essenciais de proteção social.

Não se trata, como sabemos, apenas de uma questão da política norte-americana. A estratégia de Angela Merkel e dos demais governantes europeus – com o premiê espanhol Mariano Rajoy pedindo que salvem o país (e a si mesmo) – não é diferente. Trata-se de aproveitar o medo dos cidadãos para chegar ao poder; fazê-los acreditar que precisam escolher entre austeridade e caos; e acabar – com o apoio do empresariado sem visão de longo prazo – com algo que era marca da sociedade europeia: o Estado de Bem-estar social.

É agora ou nunca. É preciso parar de gastar com seguro-desemprego, porque beneficia jovens vagabundos, sem respeito pela autoridade. Com os pacientes, porque consomem remédios demais (e como as empresas farmacêuticas poderiam prosperar?). Com os professores, que não desistem de ser educadores – em vez de meros gestores de depósitos de crianças. E inclusive com funcionários públicos considerados heróis da sociedade: bombeiros, policiais e demais agentes de segurança, mal-pagos, maltratados e obrigados às vezes a prender pessoas com quem se solidarizam.

Argumenta-se que em tempos de crise não se pode manter esses luxos. Esquece-se que só é possível sair da crise com produtividade e competitividade, o que requer educação, pesquisa, serviços públicos eficientes. As contas de dona-de-casa do premiê Rajoy não servem a uma economia moderna.

O problema não é gastar mais do que se recebe, mas gastar mal, ao invés de investir em recursos humanos e empreendedorismo que pode melhorar a economia real e criar mais riqueza. Uma estupidez percorre a Europa: a ideia de que o Estado de Bem-estar social é caro e insustentável, porque o envelhecimento populacional significa menos trabalhadores ativos e maior número de inativos (que estão mais caros, porque não têm a decência de morrer quando devem…). No fundo, trata-se do triunfo de uma mentalidade segundo a qual a vida é produzir e consumir. Sustento que se trata de um absurdo, tanto em termos humanos quanto estritamente técnicos.

O Estado de Bem-estar é a base da produtividade e da solidariedade social. No livro que publiquei alguns anos atrás, com Pekka Himanen, sobre o modelo finlandês, mostramos como a produtividade e competitividade da Finlândia – uma das mais altas na Europa, e superior à alemã – baseava-se na qualidade de capital humano, da educação, das universidades, da pesquisa. E também da saúde pública (sem corpore sano não há mens sana).

Nestas condições, surge um círculo virtuoso: o Estado de Bem-estar social gera capital humano de qualidade, que gera produtividade, que permite financiar sobre bases não inflacionárias o Estado de Bem-estar. Se as partes se desconectam, o sistema afunda. Porque o argumento do suposto desencontro entre trabalhadores ativos e inativos, que inviabilizaria uma Previdência digna não leva em contam fatores essenciais.

Por exemplo: o importante não é o número de pessoas que sustentam o sistema, mas a produtividade gerada por eles para custear o apoio aos aposentados. Se, além disso, os benefícios sociais forem oferecidos por um Estado de Bem-estar dinâmico, apoiado nas tecnologias de informação, os custos são reduzidos. De modo que os benefícios são perfeitamente sustentáveis, desde que ampliem a produtividade da economia, e diminuam a ineficiência no Estado não por meio do desemprego – mas de uma modernização organizativa e tecnológica do setor público.

Mas há algo ainda mais importante. O Estado de Bem-estar social não foi um presente de governos ou empresas. Resultou, entre 1930 e 1970, de potentes lutas sociais, que conseguiram renegociar as condições de repartição da riqueza. Estabeleceu, como resultado, uma paz social que permitiu concentrar esforços em produzir, consumir, viver e conviver.

Agora, questionam-se as bases desta convivência. Péssimo cálculo. Porque a destruição deliberada do Estado de Bem-estar social conduzirá ao surgimento de um Estado de mal-estar de perfis sinistros. E isso não acaba assim. Novos movimentos estão se gestando, unindo indignados e sindicatos. Daí poderão surgir um novo Estado e um novo Bem-estar.

* Manuel Castells é sociólogo.

Fonte: Outras Palavras
Tradução: Daniela Frabasile