A Cassação dos Mandatos
Sr. Presidente, Srs. Deputados.
Ontem, ao encerrarmos a sessão, ainda pude usar da palavra durante cinco minutos. Naquele exíguo espaço de tempo, tive ensejo de recordar palavras de uma das figuras políticas de nossa história, Gaspar Silveira Martins, que, ao se dirigir à Câmara de sua época, considerava-a uma assembléia de servis. E, neste instante, Sr. Presidente, não há outras palavras, senão aquelas pronunciadas por Silveira Martins, para dirigir-me a uma Assembléia que se dobra servilmente aos imperativos e à vontade do grupo que se encontra encastelado no Catete, levando o País para a catástrofe e para o caos.
É com essa compreensão, Sr. Presidente, que ocupo a tribuna, certo de que já não falo para um Parlamento soberano, capaz de defender a democracia, capaz de defender sua dignidade. Por isso, usando da palavra, dirijo-me, não a essa maioria que liquida com a democracia, mas ao povo brasileiro, porque, nesta hora em que o regime democrático está em completa derrocada, somente o povo — e somente ele organizado — é capaz de assegurar a democracia.
Nessa discussão do projeto de cassação de mandatos, quero render em nome de meu Partido, homenagem àqueles homens do povo, homens anônimos, que deram seus votos aos representantes, para que, no Parlamento, defendessem o regime democrático e que, hoje, nas ruas, clamam contra esse crime monstruoso que é o Projeto 900-A, o qual irá golpear a democracia em nossa Pátria, mas só temporariamente porque a democracia é invencível; quero reverenciar àqueles homens que vertem hoje seu sangue para que a democracia não pereça; curvo-me ante o operário Anísio Dário, morto pela Polícia de Aracaju, que perdeu a vida clamando contra o crime que se pretende perpetrar com a cassação dos mandatos de representantes legitimamente eleitos.
Não assomamos à tribuna para nos defender, nem para justificar a nossa posição patriótica e que o povo e a nação brasileira já conhecem, dentro do Parlamento, mas ao contrário, se aqui estamos, é para acusar esse grupo fascista, essa maioria subserviente, que trai a democracia e vende o país ao imperialismo americano.
Se sairmos desta Casa, será com a consciência tranqüila, com a cabeça erguida, porque temos a certeza de haver cumprido o nosso dever, fiéis ao nosso eleitorado e ao povo brasileiro, defendendo, palmo a palmo, suas reivindicações e a Constituição da República.
A nossa exclusão desta Casa, será um golpe de violência, anticonstitucional, por parte dos maiores inimigos da democracia. Quando a democracia ressurgir — não essa democracia de fachada, que serve a meia dúzia de politiqueiros e generais fascistas, que estão entregando o Brasil ao imperialismo norte-americano; quando surgir a verdadeira democracia, a democracia do povo, quando for respeitada sua vontade, podem estar certos os Srs. Representantes, que neste instante cessam nossos mandatos, de que voltaremos, não apenas com uma bancada de dezesseis Deputados, mas com número bem maior, capaz de derrotar todos os reacionários que infelicitam o povo brasileiro e impedem o progresso nacional.
A Origem da Cassação dos Mandatos
Sr. Presidente, inoperante, sem nenhum resultado, seria desenvolver, nesta altura dos debates, argumentos jurídicos para atacar o projeto de cassação dos mandatos.
As maiores figuras da cultura jurídica nacional já se manifestaram, mostrando a inconstitucionalidade do projeto — homens como o Ministro Eduardo Spinola, o Sr. João Mangabeira, o Desembargador Vieira Ferreira, o Professor Homero Pires, o Desembargador Bianco Filho, o Professor Luiz Carpenter, o Dr. Sobral Pinto, o Professor Jorge Americano e inúmeros constitucionalistas de reconhecido valor.
Não há, na consciência de qualquer homem honesto, a convicção de que este projeto seja constitucional, Aqui mesmo, neste Parlamento, poucos são os representantes do povo, mesmo aqueles que opinam pela cassação de mandatos, que estejam convencidos da constitucionalidade do projeto. Votam por motivos políticos, por interesses pessoais e de classe.
Por isso, é uma verdadeira farsa querer fazer, agora, debate jurídico em torno dessa monstruosa proposição, que tem sua origem nos círculos reacionários do país e nos fascistas encastelados no Catete, diretamente comandados pelos trustes e monopólios norte-americanos. É grande o cinismo desses homens que, defendendo seus privilégios, procuram mascarar suas posições anti-democráticas, com argumentos sobre a constitucionalidade do projeto infame. Participei dos debates na Comissão de Constituição e Justiça e assisti à defesa dessa proposição, por homens como, por exemplo, o Sr. Eduardo Duvivier, que, naquele instante, com o ardor de quem defende seus negócios imobiliários, como lhe é peculiar, pugnava pela constitucionalidade do projeto Ivo d’Aquino; mas, naquele dia, 19 de dezembro, o Fórum desta Capital anotava que, entre 17 requerimentos de despejo, seis eram do Sr. Eduardo Duvivier.
Assim compreendemos o objetivo central do voto do Sr. Eduardo Duvivier e de outros colegas cassadores que, embora aqui desta tribuna venham falar em motivos jurídicos e em manter os debates “com elevação”, isto é, que não abordem seus negócios escusos, o que fazem é defender os seus interesses de classe e de grupo e ajudar a liquidar a democracia, porque num regime democrático não é possível explorar o povo e manter monopólios, como o do leite, em detrimento de saúde e da bolsa da população do Distrito Federal. Dei esse exemplo, apenas para mostrar que atrás do reacionarismo desse grupo que assaltou o poder, estão principalmente os aproveitadores, os inimigos do povo, os tubarões do câmbio negro e dos lucros extraordinários.
Compreendemos, assim, que a cassação de mandatos, que ora se discute, não é mero debate parlamentar, levado a efeito aqui nesta Casa: é uma etapa de todo um plano traçado, tendo em vista liquidar a democracia no Brasil. E, por isso, a votação que se irá proceder nesta Casa é outro período de um processo, cuja primeira fase foi o cancelamento do registro eleitoral do Partido Comunista do Brasil.
Naquele instante, um juiz, um homem íntegro, um homem que não se corrompeu e não se deixou dobrar à vontade dos senhores que dominam o poder, um homem que é verdadeiramente um juiz e não um réprobo como os demais juizes do TSE — com exceção do Sr. Ribeiro da Costa — que votaram para servir aos poderosos; o Sr. Sá Filho, naquela época, tinha a oportunidade de pronunciar, como que pressagiando para onde caminhávamos, em seu voto magistral:
“O desaparecimento do Partido Comunista dos quadros legais coincide com o eclipse da democracia”.
E a verdade, Sr. Presidente, é que, naquele instante em que, por um resultado precário de 3×2, era colocado na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil, se estava dando um passo decisivo para os destinos da democracia brasileira; marchava o país para a ditadura, para um regime de terror e de caos.
Cancelado o registro eleitoral do Partido Comunista, começou nova etapa em nossa vida política: já não estava sendo aplicada a Constituição da República, elaborada ao calor do apoio popular; já nada mais restava de nossa Constituição, transformada pelos senhores do Poder em simples farrapo de papel!
Cada cidadão, cada democrata deve, hoje, compreender que há oito meses, precisamente, pois estamos a 7 de janeiro e aconteceu a 7 de maio, se iniciou a luta descarada e direta contra a democracia. Logo após, inspirado pelos imperialistas americanos, o grupo do Catete que tem à frente esse ditador, que podemos qualificar de fascista, homem idêntico a Morinigo, Trujillo e Franco, não descansou um só instante, até poder encerrar a tarefa de liquidar a democracia no Brasil.
O ditador procura, entretanto, apresentar, com máscara de legalidade, todos os golpes que desfere contra a democracia. E encontra, infelizmente, homens que se prestam a esse papel de coveiros do regime democrático, indo buscar, no Conselho Nacional do Partido Social Democrático quem colocasse sua assinatura numa petição pedindo fossem preenchidas as supostas vagas, resultantes, segundo diziam, do cancelamento do registro do Partido Comunista.
Devido, porém, à pressão popular, à repulsa do povo a esses ataques indecorosos à democracia, um tribunal, que capitulava, que já não mais era um tribunal, mas um órgão a serviço da ditadura, foi levado a descarregar nas costas do Parlamento a responsabilidade de tamanho atentado, e, desgraçadamente, este Parlamento aceita essa responsabilidade.
Sr. Presidente, é indispensável não esquecer que não se pode brincar com a vontade do povo. Não se pode impunemente usurpar, assim de forma tão vergonhosa, pondo em xeque a vontade popular, as cadeiras que ocupam legítimos representantes de mais de meio milhão de brasileiros, que se manifestaram nas eleições de 2 de dezembro de 1945 e de 19 de janeiro de 1947. O povo não ficará indiferente, não silenciará diante desse outro crime cometido pelo Tribunal Eleitoral, cassando, por meios escusos, os mandatos de 190 Vereadores e de um Prefeito, legitimamente eleitos pelos trabalhadores paulistas. A verdade é que, contra a violência dos dominadores, desses homens que tripudiam sobre a vontade popular, se levantará também a violência do povo, para restaurar a democracia, para defender a liberdade, porque esse povo já não pode esperar mais coisa alguma de um Parlamento que capitula, que se entrega e de juizes que se vendem e não sabem honrar as tradições da Justiça Brasileira.
Desejo alertar à toda Nação contra o grupo fascista que aí está no poder, obediente aos banqueiros que dirigem a ofensiva imperialista no mundo inteiro.
Quem Está à Frente do Grupo
A frente de tal grupo está um fascista conhecido, homem que foi condecorado por Hitler e recebeu a espada dos samurais das mãos dos militaristas do Japão, homem que só no último instante, sob a pressão das massas, foi capaz de concordar com o envio das nossas forças expedicionárias para combater o nazismo no solo da Itália.
Para comprovar essa afirmativa, quero lembrar a voz de uma das figuras democráticas de nossa Pátria, —- Manuel Rabelo, general do Exército, discípulo de Benjamin Constant, democrata convicto, que à frente da Sociedade Amigos da América foi capaz de lutar contra a ditadura, o Estado Novo e o fascismo.
É útil recordar o que dizia o General Rabelo por ocasião dá guerra contra o nazismo, para que fique bem claro que o Sr. Dutra não é o Presidente de todos os brasileiros, mas o Ministro do Estado Novo, um fascista empedernido.
Dizia o General Rabelo, em uma representação ao Chefe do Governo:
“Mas o senhor General Dutra não é dono nem ditador do Brasil, nem pode obrigar os brasileiros a pensarem pela sua cabeça. As suas simpatias pelos totalitários correm mundo como certas, mas a nação não quer acompanhá-lo nessa direção e vê com pesar a inércia da nossa preparação militar, que se arrasta pesadamente sob a sua orientação e responsabilidade, mesmo depois que V. Excia. resolveu, por uma genial inspiração, colocar o país ao lado das Nações Unidas na luta pela liberdade dos povos.
Em suas manifestações públicas, em seus discursos, com exceção de um ou dois em que Sua Excia. foi mais explícito, o senhor General Dutra deixa sempre obscura a idéia do inimigo com que temos de lutar. Nunca se ouviu da sua boca a palavra nazismo ou fascismo. Nas recomendações aos comandantes de Região e aos comandantes de corpos, Sua Excia. fala sempre no perigo comunista, sem ter uma palavra de advertência contra o nazismo ou fascismo, com os quais estamos em guerra”.
O Sr. Eurico Gaspar Dutra, transformado em Presidente da República, em virtude da instabilidade política em que vivia nossa Pátria e pela articulação das forças reacionárias do pais, esse homem, de tendências fascistas, elevado a Presidência da República, uma vez nesse posto, não tem feito outra coisa senão aplicar diretrizes políticas que favorecem o imperialismo e o fascismo.
Todos sabemos, é certo, que a Organização das Nações Unidas deliberou que não seriam enviados representantes diplomáticos à Espanha de Franco, e que se deviam restringir as relações comerciais com aquele ditador sanguinário. Observamos, entretanto, a política do Sr. Eurico Gaspar Dutra, toda ela, orientar-se no sentido de favorecer um dos maiores inimigos dos povos, um dos maiores algozes da Humanidade.
O ditador Franco assassina periodicamente os patriotas da Espanha, que lutam pela democracia e pela República. E o que verificamos, pelas notícias dos jornais, é que o Sr. Dutra, contra as resoluções da ONU, pretende enviar embaixador de carreira para nos representar junto àquele ditador. Mais ainda: quando o povo brasileiro luta com situação difícil, passando fome, sofrendo a maior miséria, verifica-se que o comércio do Brasil com a Espanha se intensifica.
O governo que aí está, sob a chefia do Sr. Eurico Dutra, realiza sua política internacional em consonância com os desejos dos ditadores fascistas, como o sanguinário Franco, e com as ordens ditadas pelos magnatas dos trustes e monopólios internacionais. Assim é que um jornal desta capital informa — e não pode haver contestação — o seguinte:
“Em 23 meses de governo o Sr. Dutra mandou para a o General Franco Cr$ 1 .200.000.000,00, em forma de algodão, café, feijão, açúcar e outros produtos que andam por aqui a preços astronômicos”.
Vê V. Excia., Sr. Presidente, que em 23 meses de governo, foi enviado para Franco Cr$ 1.200.000.000,00, em produtos essenciais para o povo brasileiro, e, segundo afirma o mesmo jornal:
“Em 1946 houve inaudita intensificação no comércio com a Espanha. Embarcamos para Franco mercadorias no valor de 510.066.000 de cruzeiros e importamos 38.135.000 de cruzeiros.”
Constata-se, deste modo, a existência de um saldo congelado, na Espanha, de Cr$ 451.000.000,00 que só vem beneficiar ao fascista Franco, em detrimento dos interesses do povo brasileiro. Com esse dinheiro, poderíamos ter comprado cinco destilarias de petróleo e oito navios petroleiros, fatores fundamentais para o desenvolvimento da indústria petrolífera em nossa Pátria!
Essa, Sr. Presidente, a política do General Dutra, que visa favorecer o ditador Franco e amordaçar o povo brasileiro, liquidar as liberdades em nossa Pátria.
Enquanto os criminosos de guerra são beneficiados pelo Governo do Sr. Dutra, ditadura que infelicita o país, democratas como os estivadores de Santos que fizeram os maiores sacrifícios, para o esforço de guerra, quando o Brasil combatia os nazi-fascistas, são condenados à prisão para satisfazer a fúria sanguinária deste governo!
Governo de Traição Nacional
Mas, Sr. Presidente, o Governo que aí temos, que impôs à maioria parlamentar a cassação de mandatos, é um Governo de traição nacional, de entrega do país ao imperialismo americano. Vejamos os fatos.
A Light tem um representante no Governo, porque o Sr. Pereira Lira, chefe da Casa Civil da Presidência da República é, também, Chefe do Contencioso da Light.
Lemos, Sr. Presidente, no “Diário de Notícias”, desta Capital, de 19 de dezembro último, que a Light pretende um empréstimo de oitenta milhões de dólares e que o Governo brasileiro vai ser o fiador desse empréstimo no Banco Internacional, empréstimo a uma empresa que explora a população carioca e a do Estado de São Paulo, entravando o progresso nacional. (1)
E não é só. A indústria, ainda incipiente em nosso país, está sendo liquidada por esse Governo, a fim de satisfazer aos seus amos internacionais, aos senhores que dominam, nos Estados Unidos, os trustes e monopólios. O “Diário Trabalhista” de 18 de dezembro findo, jornal muito ligado à família do Sr. Gaspar Dutra, informa o seguinte:
“O Ministério da Aeronáutica, ao que se propala, está cogitando de arrendar a fábrica de aviões do Galeão, a uma firma americana que, segundo a versão corrente, seria a”Beech Aircraft.”
Segundo ainda a mesma notícia, sabemos mais que o Governo pretende entregar nossa fábrica de aviões do Galeão à Beech Aircraft, na seguinte base: concedendo à empresa americana 60% das ações e destinando ao Governo brasileiro e acionistas particulares 40%.
Isto é a entrega do nosso parque industrial ao imperialismo americano, para favorecer a entrada dos produtos ianques no Brasil. Subserviente às ordens do Departamento de Estado norte-americano, o nosso Governo faz essa política, contra os interesses de nosso povo. Enquanto isso, outras nações da América Latina resistem às investidas do imperialismo, como ainda agora assistimos à ação vigorosa do povo panamenho. E, enquanto presenciamos a tal resistência de outros povos da América Latina, nosso Governo se entrega completamente aos norte-americanos.
O Sr. Eurico Gaspar Dutra, em discurso por ocasião do encerramento das manobras da 1.ª Região Militar, afirma que o nosso Exército, hoje, está completamente organizado, inteiramente equipado nos moldes do norte-americano.
O Exército Brasileiro, por culpa do grupo fascista, transforma-se, atualmente, em apêndice das forças armadas norte-americanas. Estou certo de que os nossos bravos oficiais do Exército e os intemeratos soldados não permitirão sejam transformadas nossas Forças Armadas, de tão glorioso passado democrático, em destacamento auxiliar dos imperialistas, das forças de agressão, dos inimigos da paz.
Diz o Sr. Dutra no referido discurso:
“Não devemos esquecer que, anteriormente ao conflito mundial, regia-se o nosso Exército, segundo os padrões vigentes na Europa. Fato novo reclamou uma transformação radical, realizada em pouco tempo, graças à competência dos chefes militares, adaptando-se as nossas Forças Armadas à organização do modelo americano, que servirá à segurança coletiva do continente.”
Vemos que o plano de padronização dos armamentos já não precisa do “referendum” do Parlamento Nacional, não necessita mais da chantagem da simulação de uma conferência inter-americana. Observamos que a padronização dos armamentos está sendo realizada. Neste sentido, portanto, todo patriota tem o dever de protestar e lutar contra esse ato.
Não é por acaso que “fortalezas-voadoras” se encontram em Gravataí e Canoas, no Estado do Rio Grande do Sul, ou no aeroporto de Val-de-Cães, no Estado do Pará, de onde partem para realizar levantamentos topográficos, visando, sem dúvida, preparar mapas que servirão aos soldados do dólar para dominar o nosso povo, quando este se levantar para resistir às investidas do imperialismo norte-americano que , deseja colonizar a nossa Pátria.
Outro ponto, também fundamental que se prende à cassação de mandatos: segundo estou informado, no Conselho Nacional de Petróleo há projetos que dizem respeito à exploração do petróleo em nosso país. O governo espera, simplesmente, a hora em que os comunistas sejam violentamente expulsos das Casas do Congresso Nacional, para, então, com toda a facilidade, fazer aprovar essas proposições, que tem em mira entregar esse produto, fundamental ao nosso desenvolvimento, à “Standard Oil”, aos trustes internacionais, transformando, assim, o nosso país numa colônia do imperialismo norte-americano. (2)
O Povo Contra a Cassação
Sabemos bem as razões do projeto de cassação de mandatos: não é uma vingança do Sr. Eurico Gaspar Dutra ou o resultado da agitação do trêfego Sr. Barreto Pinto, como afirmou o Sr. Café Filho. Conhecemos as origens do projeto 900-A, sabemos onde se acham os verdadeiros autores do projeto de cassação de mandatos, que poderão ser encontrados nos bastidores do Departamento de Estado. Muitos dos Deputados que, hoje, votam essa proposição, de futuro, se ainda lhes sobrar algum sentimento de patriotismo, irão compreender os motivos desse projeto, que pretende fazer emudecer as vozes daqueles que não se calam, desmascarando sempre os inimigos do povo.
É esse projeto de tal maneira anti-patriótico, antidemocrático e inconstitucional que todo o povo se levanta contra tão infame proposição. Desejava, apenas, lembrar que importantes Assembléias Legislativas Estaduais se têm manifestado contra o projeto Ivo d’Aquino. Isto significa que os representantes, que nesta Casa, votam pela cassação de mandatos estão traindo o mesmo eleitorado, cujos representantes estaduais e municipais se pronunciam contra o ignominioso projeto. Assim, as Assembléias dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Goiás, Pernambuco, Paraná, Bahia, Sergipe, Espírito Santo e Minas Gerais, dez Assembléias Legislativas dos mais importantes Estados da Federação são contra a cassação de mandatos.
São contrárias, igualmente, à cassação de mandatos inúmeras Câmaras Municipais, dentre as quais posso citar a do Distrito Federa!, que tem se colocado, de maneira decisiva, na luta em defesa da população carioca. Além dela, votaram moções contra a cassação de mandatos, a Câmara Municipal de São João de Meriti, a de Jaboatão, a de Nova Iguaçu, o prefeito e vereadores de Marília, os vereadores santistas, ainda não empossados, a Câmara Municipal de Paulista, de Campos e de Macaé e vereadores de Friburgo. Também se manifestaram, no mesmo sentido, as Câmaras Municipais de Recife, Araguari, Goiânia e Nova Lima.
São inúmeras, pois, as assembléias do povo, compostas de homens provindos do seio da massa popular, que patenteiam a sua repulsa ao projeto de cassação de mandatos.
Mais ainda: inúmeras organizações profissionais e populares votaram moções contra a cassação de mandatos. É preciso ficar constatado que assim resolveu o Congresso Jurídico Nacional, expressivo do que há de melhor na ciência jurídica do país.
Também poderia citar a juventude que se coloca contra os cassadores de mandatos, através das manifestações da União Nacional dos Estudantes.
Poderia, ainda, demonstrar que a intelectualidade brasileira se opõe à cassação de mandatos, através da declaração de princípios do II Congresso de Escritores e da diretoria da Secção Central da Associação Brasileira de Escritores.
São, assim, Inúmeras as organizações que se pronunciaram contra a cassação de mandatos, o que demonstra que nosso povo, de maneira alguma, aceita essa medida iníqua e odiosa que significa uma traição à própria democracia em nosso país.
Neste discurso, desejo ainda lembrar que este Parlamento está chegando a maior grau de desmoralização. Em 1937, o Congresso de então não foi capaz de defender sua dignidade, curvando-se às vontades dos senhores que dominavam no Catete. Foi ele que votou as leis de segurança, o estado de sitio e o de guerra, permitindo a prisão e processo de membros seus. Esse Parlamento, portanto, sucumbiu, apodrecido, sem o protesto popular, porque quando a polícia cercou este mesmo Palácio do Congresso, nenhuma voz do povo se levantou para proteger um Parlamento incapaz de defender suas próprias prerrogativas!
Os fatos se repetem de maneira muito mais trágica e mais séria, porque esta Casa se mostra muito abaixo daquela de 37. Aquele cedeu ao futuro ditador, votando leis de arrocho e exceção; o atual corta na própria carne, expulsando de seu seio homens legitimamente eleitos pelo voto popular, sem contestação alguma.
Uma vez consumado o crime, o Parlamento não merecerá o respeito da opinião pública. Será um Parlamento desfibrado, que o povo não levará a sério; e, quando os inimigos da Democracia procurarem implantar uma ditadura sem aparência legal, bastará simplesmente um vigilante noturno para fechá-lo, pois nenhuma voz será capaz de se interessar por um parlamento de capitulação e de traição nacional.
O Que Está Atrás da Cassação
Atrás de todo esse projeto de cassação, entretanto, esconde-se toda uma política contrária aos interesses do povo. Quando encerrávamos a última sessão legislativa, tive oportunidade de dizer que este Parlamento não votou nenhum projeto que beneficiasse o povo. Durante quase um ano de funcionamento, só se votaram as mensagens enviadas pelo Executivo, solicitando abertura de créditos para o governo, ou isenção de direitos para empresas imperialistas. É um Parlamento que serve unicamente aos poderosos. Esta é que é a realidade.
Quando se discutiu o projeto de descanso semanal remunerado o que vimos foi a sabotagem sistemática, culminando com o Sr. Souza Costa, pedindo a audiência da Comissão de Finanças e até hoje o aludido projeto não foi aprovado.
Quando se trata de aprovar um crédito de Cr$ 30.000.000,00 para satisfazer a determinados fazendeiros de café do Estado do Rio e do Espírito Santo o projeto corre e em uma sessão é aprovado.
Esse Parlamento votando a cassação de mandatos mostra que está coerente com a sua atitude reacionário, incomoda aos representantes das classes dominantes ouvir a voz da classe operária e do povo brasileiro que tem assento neste Parlamento. Torna-se intolerável aos reacionários, aos negocistas, aos exploradores, ouvir expressões rudes, às vezes mal formuladas dos operários que têm assento nesta Casa: do Deputado negro Claudino Silva, do ferroviário Agostinho de Oliveira, porque é a voz do povo que aqui está vigilante desmascarando as manobras do Sr. Dutra e do grupo fascista contra o país.
Aqui também está a origem do projeto de cassação de mandatos: se votam por subserviência, também o fazem por interesses pessoais para afastar a voz do povo, do proletariado, do recinto desta Assembléia. Mas podem estar certos de que este Parlamento, sem os representantes da classe operária, sem os representantes que vêm do povo, não merecerá mais o respeito e a devida consideração, não será mais um poder da República, mas um apêndice podre da ditadura do Sr. Eurico Gaspar Dutra.
Sr. Presidente, atrás desse projeto de cassação de mandatos, está toda uma ofensiva contra os trabalhadores e contra o povo em geral, está a luta pela rebaixa dos salários. São os patrões reacionários que pretendem diminuir os salários e já vemos como se fecham fábricas para que operários sejam demitidos e depois readmitidos novos com salários inferiores. É a política do congelamento e da rebaixa dos salários; é a política de defender a carestia da vida.
Algumas estatísticas publicadas na “Conjuntura Econômica do Brasil”, Boletim da Fundação Getúlio Vargas, revelam a alta assustadora dos preços, no país inteiro. Os alimentos, a habitação, o vestuário, medicamentos, todas as utilidades, serviços e mercadorias de consumo do povo chegaram hoje a um nível elevadíssimo sobre o nível de fevereiro de 46, quando Dutra assumiu o governo. A maior alta é verificada nos preços dos gêneros alimentícios, que nestes dois anos teve um aumento de 42 % no Distrito Federal. Noutras regiões do país, como por exemplo o extremo-norte, pela dificuldade de transporte, esse aumento foi muito maior, chegando a 95% . As estatísticas oficiais confessam que hoje em dia 60% dos salários são despendidos na alimentação.
Eis dados que confirmam, irrefutavelmente, minhas asseverações.
Assim, vemos como a carestia da vida aumenta e os salários continuam congelados. Em 15 produtos fundamentais, como o açúcar, o arroz, a banha, a batata, o café em pó, a carne verde, a farinha de mandioca, a farinha de trigo, o charque, o feijão, o leite, a manteiga, os ovos, o pão e o toucinho, no ano de 46 o custo da vida aumentou em 56%.
O que se esconde, pois, atrás do projeto da cassação de mandatos é uma ofensiva contra os trabalhadores. Podem perseguir os comunistas, podem liquidar com as liberdades, mas não acabarão com o fome, não resolverão os problemas do povo, poderão enriquecer os senhores das classes dominantes, mas a vontade do povo prevalecerá um dia, porque contra as forças da democracia não há obstáculo capaz de impedir a sua marcha vitoriosa.
Por outro lado, Sr. Presidente, lembrarei que, atrás do projeto de cassação dos mandatos, está também um Ministério de implacáveis inimigos do nosso povo, porque o Sr. Eurico Dutra tem a habilidade infeliz de se cercar de grandes homens de negócios, para não empregar o termo “negocista”. Poderia lembrar, como exemplo, o Ministro que tem na mão a pasta que mais interessa aos trabalhadores, o Ministério do Trabalho. S. Excia. participa da direção de várias empresas, conforme reportagem do jornalista Francisco Ribeiro, cujos trechos lerei e que dizem o seguinte sobre o Sr. Morvan de Figueiredo:
“Seus negócios, a acreditar nos balancetes mais ou menos discretos, vão esplendidamente. O Banco Bandeirante do Comércio S.A. aumentou o seu capital. A Companhia Bandeirante de Seguros Gerais S, A. espraia por todo o país a sua ação seguradora, e tudo leva a crer que a Companhia Nacional de Gás Esso, escorada na quintessência dos homens de fortuna e prestígio no país, constituirá dentro em breve o mais formidável negócio comercial já registrado no Brasil. Não esqueçamos também da Nadir Figueiredo Indústria e Comércio S.A., que merece um capítulo a parte, e da Sociedade Anônima Indústria de Amido, a SAIRA, outros pertences do poderoso mealheiro do detentor do mais sadio sorriso do Ministério do Sr. Dutra.”
Citarei também o Sr. Correia e Castro, sócio do Sr. Larragoitte, agente do bandido Franco, em nossa Pátria. Sobre S. Excia. diz o jornalista:
“Atualmente, além do Ministério, o Dr. Correia e Castro responde pelos destinos de algumas empresas poderosíssimas, como o Banco Hipotecário Lar Brasileiro S.A., a Cia. Nacional de Álcalis S.A., o Monitor Mercantil S.A., a Correia e Castro S.A. Importadora e Distribuidora de Petróleo e Derivados (que até bem pouco distribuía — ou talvez ainda distribua — os combustíveis do governo) e a Refinaria e Exploração de Petróleo União S.A.
Andam dizendo por aí que o Sr. Correia e Castro não está vivendo em boa paz dentro do “Lar Brasileiro”, pois, sua política de extrema retração teria colidido com determinados interesses do seu sócio Larragoitte. Mas claro que o ministro saberá dar um jeito”.
Até pouco tempo, entretanto, S. Excia. era muito ligada ao “Lar Brasileiro”.
Quanto ao Ministro que se diz da União Democrática Nacional, o Sr. Clemente Mariani, escreve o jornalista:
“Isto significa que durante mais algum tempo o Banco Brasileiro de Crédito S.A. e a Cia. Imobiliária da Representações Brasileira, C.I.R.B. S.A. vão ficar privados da assistência imediatas do infatigável ministro.”
Sua Excia. esteve ligado a todas essas empresas e mais à firma Magalhães & Cia., monopolista do açúcar no Estado da Bahia. Fala-se ainda no célebre câmbio negro de automóveis, que S. Excia. até hoje não explicou suficientemente.
Não preciso, entretanto, falar nesse Ministério de homens de negócios, para não dizer negocistas. O último escândalo do arroz em que esteve envolvido o Sr. Adroaldo da Costa, Ministro da Justiça, é bem o exemplo do que significa esse governo de fome, esse governo antidemocrático, esse governo de traição nacional.
Assim, Sr. Presidente, vemos, atrás do projeto de cassação de mandatos, a ofensiva não só contra a democracia, mas contra o povo, para escravizá-lo, para asfixiá-lo.
Os Inimigos do Povo Serão Derrotados
É preciso frisar que tudo isto se dá sob o silêncio e com a conivência da quase totalidade dos políticos brasileiros. Tal silêncio é realmente criminoso.
Desejo invocar, agora, declaração do ilustre Deputado Afonso Arinos, com a devida permissão, e Sua Excia. poderá ou não confirmá-la. Disse-me outro dia S. Excia., em conversa, que o projeto de cassação de mandatos marchava rapidamente, neste plenário, não pela atividade da maioria, mas pela inércia dos que lhe são contrários.
É verdade que fora a bancada comunista, a resistência levada a efeito, nesta Casa contra este projeto, salvo honrosas exceções, não foi a que poderia esperar o povo brasileiro de seus representantes. O fato é, sem dúvida, fruto da capitulação dos homens que se diziam partidários da bandeira da “eterna vigilância”.
Sr., Presidente, a democracia não é um jogo de palavras. A democracia são os fatos, a prática diária e concreta do respeito à nossa Constituição e a defesa dos interesses do povo, e não a subserviência, o calar ante as manobras e as violências dos poderosos, estou certo de que os acordos e arranjos, que tiveram como objetivo principal facilitar a marcha deste indecoroso projeto, não darão resultado, porque as contradições aumentarão. As posições são poucas e os cargos não chegam para todos. As divergências prosseguirão, porque, para contemplar a UDN se descontentara o PSD.
Não é por acaso que o “Correio da Manhã” de hoje — e já não tem a mesma atitude de combate assumida quando da petição do Conselho Nacional do PSD ao Superior Tribunal Eleitoral, pois agora silencia em face do problema da cassação de mandatos — termina o editorial da edição desta manhã dizendo:
“Que estranho e misterioso acordo. . .”
Todas essas capitulações ao grupo fascista são golpes assestados contra a democracia.
No caso da cassação de mandatos não estão em jogo os comunistas, mas a própria sobrevivência do regime democrático, porque, a experiência mostrou que com o golpe de 10 de novembro de 1937, não sofreram apenas os comunistas, mas também aqueles que, embora de ideologia contrária à nossa tiveram, naquele instante, capacidade de erguer a sua voz, protestando contra os desmandos da ditadura.
Por fim, quero lembrar as conseqüências antidemocráticas que advirão para o povo brasileiro desse projeto de cassação de mandatos.
Ainda agora, o Dr. Ângelo Mendes de Morais, que é Prefeito do Distrito Federal por delegação do ditador Dutra, homem que, se concorresse a uma eleição, não seria eleito nem vereador, já se julga no direito de fazer recriminações ao Parlamento, dizendo que a lei de cassação dos mandatos é de “purificação”, e que atrás dela virão outras — lei de imprensa, lei contra os funcionários públicos, lei contra os militares, lei de segurança, em suma, leis para sufocar violentamente a democracia em nosso país. E, como se isto não bastasse, há poucos dias, numa cerimônia no Palácio da Guerra, um General do Exército, o Sr. Zenóbio da Costa, ditava ordens ao Congresso, no sentido de votar o projeto de cassação de mandatos. Pelo que vejo, tais ordens foram fielmente cumpridas, porque, ainda hoje, a maioria reacionária docilmente votará tão infame e indecorosa proposição.
Sr. Presidente, o que se está passando neste Parlamento é uma traição à democracia. Expulsa-se desta Casa a bancada mais representativa do povo brasileiro.
0 nobre Deputado, Sr. Munhoz da Rocha, em discurso aqui proferido, afirmava que todos nós, deputados comunistas, falamos uma só linguagem. É verdade. Falamos a linguagem do povo, do interesse nacional. Mas todos pós, da bancada comunista, saímos dos mais diferentes setores, da sociedade. Lá não estão os negocistas, os industriais reacionários e advogados de empresas imperialistas. Lá estão homens como Gregório Bezerra, com sua vida dedicada ao povo pernambucano; Abílio Fernandes, operário metalúrgico; Jorge Amado, uma das glórias da literatura nacional; Alcedo Coutinho, médico de renomado valor; João Amazonas, Pedro Pomar, Diógenes de Arruda e Carlos Marighella, dirigentes comunistas e provados lutadores da causa democrática; Henrique Oest e Gervásio Azevedo, heróis da FEB; Claudino Silva, Francisco Gomes, Agostinho de Oliveira e José M. Crispim, filhos da classe operária.
A verdade, Sr. Presidente, é esta: somos a expressão legítima do povo brasileiro. Podem nos chamar de agentes de qualquer nação, mas a nossa atitude tem sido das mais patrióticas, sem precedentes em nossa história política, em defesa das instituições democráticas e dos interesses do Brasil.
As outras bancadas não podem dizer o mesmo, porque constituídas, na sua quase totalidade, de representantes dos latifundiários, dos industriais, dos reacionários e de advogados de bancos estrangeiros.
Assim, expulsa-se do Parlamento esta bancada, que se tornará muito maior; terá maior glória e maior prestígio, do que aqui sentada. Estou certo de que sairemos vitoriosos da luta. Hitler, com suas forças e divisões motorizadas, sofreu a derrota final e definitiva.
A vitória será do povo e não será do Sr. Eurico Gaspar Dutra, com um Parlamento de ficção, simples chancelaria do Catete, dando apenas o seu visto aos atos do Governo, não será o Sr. Dutra nem esta maioria, — repito — que acabarão com o movimento comunista no Brasil, porque nós somos a vanguarda das forças do progresso e da democracia.
Somos a juventude do mundo, os homens que lutam pelo progresso do Brasil. Somos soldados do grande Prestes. Sabemos que a luta será árdua, mas saberemos erguer a bandeira de defesa da democracia e do nosso povo e o triunfo será certo e decisivo. O governo do Sr. Dutra cairá sob a pressão dos massas e será execrado por todos os brasileiros.
Os latifundiários e agentes do imperialismo, os principais inimigos do nosso povo, serão derrotados e uma era de verdadeira democracia popular surgirá para emancipar o país e assegurar a independência d« nossa Pátria.
Notas:
(1) Posteriormente ao pronunciamento desse discurso, foi concedido o empréstimo com o aval do governo. (retornar ao texto)
(2) Presentemente encontra-se no Parlamento o projeto a respeito do petróleo enviado pelo Sr. Dutra. (retornar ao texto)
[1N] Líder da bancada comunista, na Câmara Federal. Discurso pronunciado na Câmara dos Deputados na sessão de 7 de janeiro de 1948, em que foi aprovado o projeto da cassação dos mandatos da bancada comunista. (retornar ao texto)