O camarada Gorender honra-me com um artigo de critica ao trabalho que apresentei a esta discussão. Lastimo no entanto, que a argumentação nele expandida não fosse capaz de convencer-me. Penso mesmo que “Critica ou Falsificação” pela virulência da linguagem e inconsistência dos argumentos, não faz juz ao reconhecido talento do seu autor.

Sinto-me obrigado a refutar o articulista que ao denodamente defende a orientação política exposta na Declaração. Ao contrario daquele personagem de Moliére, que fazia prosa sem o saber, o ardoroso polemista não polemiza. Faz uma corajosa denuncia: o camarada Grabois é um falsificador do documento aprovado no pleno de março de 1958. Todo item que dediquei a Declaração não passa de grosseira deturpação. Não critiquei segundo o camarada Gorender, aquele documento, mas algum outro “não publicado ainda”. A ironia é, no entanto, um escudo bastante vulnerável para a defesa do oportunismo.

Combato a orientação exposta na Declaração e não outra. Volto a insistir que esta orientação é no fundamental errônea. O camarada Gorender foge a discutir as inúmeras questões que enfrentei e convida os leitores confrontar o texto da Declaração com o item 6 do meu artigo. Faço meu este convite. Que julguem os militantes.

Mas, como o autor de “Critica ou Falsificação?” aborda o problema do desenvolvimento do capitalismo – principal ponto de partida na elaboração da atual linha política – sou forçado a debater esta questão. As afirmações que a Declaração faz em sua analise objetivista, sobre o desenvolvimento: “o elemento progressista por excelência da economia brasileira”, são verdadeiras. O erro não reside nelas, mas na ausência de uma critica seria ao desenvolvimento capitalista, na pouca importância que atribui às contradições que tal desenvolvimento engendra, na subestimação do crescimento da exploração e da miséria das massas, na falta de exame das difíceis condições de vida dos trabalhadores em não revelar que a industrialização é, em boa parte, realizada em associação com o imperialismo, o que facilita sua penetração crescente no pais. Não se destaca com a devida ênfase de que o atual desenvolvimento capitalista é, basicamente, realizado á custa da classe operaria da brutal espoliação dos trabalhadores de seu empobrecimento relativo e absoluto.

O partido do proletariado não pode ter uma posição unilateral de assinalar somente o aspecto progressista do capitalismo. A Declaração não tem uma atitude critica correta para com o desenvolvimento capitalista nacional. Constata unicamente o fato de que este desenvolvimento “não conseguiu eliminar os fatores negativos, que determinaram as características do Brasil como pais subdesenvolvido” e que se conservam “em vastas áreas as relações atrasadas e permanece a dependência diante do imperialismo”. A isto agarrou-se o camarada Gorender, como tabua de salvação, para esgrimir contra os que criticam a atual orientação política. Reza um ditado popular que “mesmo parado, o relógio tem razão duas vezes por dia”. Também a Declaração, mesmo errada, neste caso acertou. Mas silencia que o atual desenvolvimento capitalista é um desenvolvimento deformado, que ocasiona a maior exploração das massas e que conduz ao fortalecimento da dominação imperialista. A conclusão a que chega é outra: “O desenvolvimento capitalista nacional exige cada vez mais, como seu instrumento, uma independência política completa, que se traduza numa política exterior independente e na proteção conseqüente do capital nacional contra o capital monopolista estrangeiro”. Ai já se evidencia que toda orientação traçada se subordina ao desenvolvimento capitalista. A independência política completa não é, assim, uma necessidade do progresso do pai e do bem-estar do povo brasileiro, não é uma bandeira de luta da classe operaria e das massas populares, mas, – segundo se depreende da Declaração – a bandeira que a burguesia, sozinha, desfralda, uma vez que a total emancipação política do Brasil é exigida “cada vez mais” pelo “desenvolvimento capitalista nacional”.

Na defesa da Declaração o camarada Gorender recomenda a leitura do final do capitulo II daquele documento para demonstrar seu caráter critico e não laudatório do “capitalismo nacional”. Vale á pena transcrever o trecho recomendado. Ei-lo: “a política do Governo do Sr, Juscelino Kubitschek não atende, assim, aos interesses nacionais e às aspirações das massas populares em questões essenciais, contendo, entretanto, aspectos positivos de caráter nacionalista e democrático”. Bela critica. O governo do Sr. Juscelino Kubitschek realiza, essencialmente, uma política antipopular e de capitulação ao imperialismo norte-americano. Seu comportamento nas relações internacionais é de total submissão ao Departamento de Estado. Na ONU vota com os imperialistas franceses contra a Argélia, coloca-se a favor do Dalai Lama e ataca ferozmente à China Popular. Participa dos manejos intervencionistas do imperialismo ianque contra Cuba e apóia a ditadura de Stroesner contra os revolucionários paraguaios.

Internamente abriu as portas á penetração imperialista em tal escala como nenhum outro governo que o pais já teve. Pela primeira vez na historia do Brasil, desde a independência, o governo do Sr. Juscelino Kubitschek alienou parte do território nacional, entregando a ilha de Fernando de Noronha ao controle das forças armadas dos Estados Unidos. Este mesmo governo, que tanto alardeia seu nacionalismo desenvolvimentista, descarrega impiedosamente o peso do desenvolvimento capitalista nos ombros dos trabalhadores. É o responsável direto pela brutal elevação do custo de vida, cujo índice alcançou nível sem precedentes na vida do pais.

A um governo desta natureza a Declaração faz uma critica que se limita a assinalar que ele não atende “aos interesses nacionais e ás aspirações das massas populares em questões essências (note-se bem a falta do artigo – M.G.), donde se conclui que em outras questões essenciais o governo do Sr. Juscelino Kubitschek vai ao encontro de tais interesses e aspirações. Como se isso não bastasse, procura contrabalançar sua tímida critica, destacando pretensos aspectos positivos de caráter nacionalista e democrático na política governamental.

No final da defesa da Declaração, o camarada Gorender passa a acenar com a plataforma que é apresentada naquele documento. Nessa plataforma também se revela a subordinação da linha política ao desenvolvimento capitalista. Como são tratadas na plataforma as reivindicações dos trabalhadores em particular da classe operaria? Basta lê-la para se comprovar o quanto é falaz a afirmação do articulista de que ela concentra “nas questões essenciais de um desenvolvimento antiimperialista e democrático conseqüente”. Nenhuma perspectiva pode dar ao povo e ao proletariado um programa que não apresenta qualquer medida da nacionalização das empresas e dos capitais pertencentes ao imperialismo norte-americano e que reduz as reivindicações econômicas das massas à vaga formulação de “salários e vencimentos que assegurem melhores condições de vida aos trabalhadores e ao funcionalismo”. No que concerne aos camponeses, retira a palavra-de-ordem de reforma agrária, preconizando, apenas, simples medidas de reforma agrária. Muito mais avançadas são as Diretrizes e Bases do PTB, aprovadas pela convenção nacional deste partido em 1959.

Mas se o camarada Gorender insiste em sua objurgatória de quem continuo a falsificar e a deturpar a Declaração, posso recorrer a outras fontes que comprovam que aquele documento embeleza o capitalismo e exagera sua importância. Permito-me apelar para os exegetas da Declaração, seus mais fieis e verazes interpretadores.

Na “Voz Operaria” de 29 de março de 1958 foi publicado o artigo “a Função Positiva do Proletariado”, no qual seu autor eufórico, afirmava: “A “Declaração sobre a política do Partido Comunista do Brasil” lançada há uma semana, é a afirmação da atitude positiva dos comunistas brasileiros diante do desenvolvimento progressista, que se verifica no Brasil. Não vemos o caminho para o socialismo, que é nosso objetivo final, na negação deste desenvolvimento, na rutura com ele e na sua substituição, agora utópica, por outro tipo de desenvolvimento. Ao contrario: a sociedade brasileira ascendera a uma etapa mais alta como resultado deste mesmo desenvolvimento progressista, que hoje objetivamente existe, á medida em que ele ganhar aceleração, profundidade e conseqüência” (grifo é meu – M.G.).

O autor do artigo, pelo visto, não é nenhum sectário ou dogmático que procura deturpar o sentido da Declaração. É pessoa insuspeita. Trata-se do presado camarada Jacob Gorender. A interpretação que o artigo faz é clara. Refere-se ao presente desenvolvimento capitalista, no curso do qual aumenta a penetração imperialista e se conserva o monopólio da terra. Aos comunistas Incumbe dar-lhe “aceleração, profundidade e conseqüência”…

Ainda segundo o autor do artigo, é necessário apoiar tal desenvolvimento, ter uma atitude construtiva “precisamente para levá-lo, no interesse geral do povo brasileiro, aquelas conseqüências que ele pode e deve atingir, eliminando os aspectos e processos negativos que o obstaculizam e determinam o atraso do pais”. Que diferença há entre esta opinião e a teoria da evolução gradual do capitalismo para o socialismo? Tudo se resume em apoiar o desenvolvimento capitalista, eliminar seus aspectos e processos negativos (que nem o artigo, nem a Declaração dizem quais são) e a revolução marchará as mil maravilhas. Empolgado pelo desenvolvimento capitalista, o articulista conclui: “Sejam quais forem as suas deficiências e contradições este desenvolvimento não é imaginário, não é o subjetivamente desejável, mas o objetivamente real e que, por sua tendência predominante, encaminhara a nação para a independência e o progresso” (o grifo é meu – M.G.). Esta é forte. Só um apologista do desenvolvimento jusceliniano teria a coragem de afirmar que o atual progresso de desenvolvimento capitalista “encaminhará a nação para a Independência e o progresso”. Esta é uma posição seguidista em relação à burguesia e de prosternação ao capitalismo. Diante disso pergunto: quem emprega “o método de deturpar ou falsificar”?

Após a defesa da Declaração, o autor de “Critica ou Falsificação?” passa para um segundo ponto. O camarada Grabois – diz – é parcial na apreciação da linha política, uma vez que não leva em conta “dois outros documentos de significado primordial: o informe de janeiro de 1959 e as Teses ora em discussão”. Mais uma vez o ardoroso corifeu da Declaração se equivoca. Qual o primeiro equivoco de Gorender?

Ao contrario do que pensa o camarada, a linha atual do partido é a que esta traçada na Declaração e não outra qualquer. A resolução tomada pelo CC em janeiro de 1959, à base do informe aprovado na mesma reunião, afirma que não houve nenhuma alteração na linha. Diz este documento em seu capitulo IV: “A linha política traçada na Declaração vem sendo, assim, confirmada pelos acontecimentos”. A resolução também declara que somente na aplicação da linha surgiram manifestações errôneas. Como, então estaria eu obrigado a incorporar o informe de janeiro de 1959 à linha política se esta foi comprovada pelos acontecimentos?

Quanto às Teses, elas não constituem orientação para os comunistas. Não estão em debate? No CC, foram aprovadas como base para a discussão. A nova orientação a ser aprovada é que deve ser discutida partindo das Teses. Como quer, então, o camarada Gorender, que eu analise a linha e a atividade do Partido apoiado nas Teses? A não ser que me animasse o mesmo espírito “democrático” do articulista que conclui seu arrazoado com o seguinte fecho de ouro: “Desde logo, porem, não temos duvida em declarar que as teses podem constituir doravante o documento básico para a atuação dos comunistas brasileiros”. Todos hão de concordar que tal conclusão não assenta o dogmatismo e o mandonismo… No entanto não deixarei de opinar sobre o informe de Janeiro e as Teses.

Qual o segundo equivoco de Gorender?

Ao contrario do que pensa o camarada, é imprescindível fazer autocrítica dos erros da Declaração. A linha política nela exposta vem sofrendo modificações, tendo-se corrigido, em parte, algumas posições direitistas mais gritantes. Tanto o informe de janeiro de 1959 como as Teses fazem correções na orientação, todas elas voltadas contra os erros de direita. Mas, isso é realizada sem qualquer autocrítica, sem o reconhecimento dos erros perante o Partido.

Agora, diante de fogo cerrado da critica de militantes e dirigentes, o camarada Gorender bate em retirada e proclama: “Seria absurdo que fizéssemos da Declaração, apesar das modificações já feitas, é apresentada pelos seus principais elaboradores não só como tabu. Para eles é mais que um totem um dogma da bíblia ou do “Taimud”. O camarada Gorender revela, no seu artigo esse espírito de intransigência. “Da pratica da nova orientação, – diz – da continuação dos estudos e pesquisas e do desenvolvimento dos processos objetivos, e particular das lutas das massas deviam ser extraídos novos elementos essenciais, que, incorporados a linha política, tornam-na mais profunda e multilateral, mais concreta e precisa”. Não se trata, pois de modificações e correções, mas da “incorporação”de “elementos essenciais” à orientação política. Esta passa a ser uma verdade universal que se enriquece antecada descoberta da ciência ou face a novas vitorias e experiências do movimento operário… Quando acosados nas discussões, os corifeus da Declaração respondem, de maneira simplista, que as Teses são a sua autocrítica. No entanto, as Teses não fazem qualquer critica à Declaração. Ao contrario.

Anunciam aos quatro ventos que ela é certa nos “seus aspectos essenciais”. Mas, em compensação, como a coruja de Minerva, que voava ao anoitecer e escrevia sobre fatos que já se tinham consumado, criticam, com um luxo impressionante de detalhes, posições falsas do Partido de 1945 a 1947, o manifesto de janeiro, o manifesto de agosto e os erros do Programa – posições há muito condenadas e que ninguém mais defende. Mas, sobre os lados negativos da Declaração, os quais dominam quase todo documento, alguns deles já corrigidos, fazem um silencio sepulcral. Os erros são apresentados somente na aplicação. As culpas são atribuídas aos comunistas que não são capazes de assimilar linha tão complexa. Em verdade, as Teses fogem da autocrítica como o diabo da cruz.

Qual o terceiro equivoco de Gorender?

Ao contrario do que pensa o camarada , a questão dos dois cursos de desenvolvimento ao capitalismo como esta apresentada no informe de janeiro de 1959 pouco altera a posição apologética da direção do Partido face ao chamada capitalismo nacional.

O camarada Gorender, agora, sub-repticiamente, abandona suas teorias de exaltação ao desenvolvimentismo, exposta no artigo de 29/3/58, e, qual novo S. Gabriel Arcanjo, de espada em riste, investe contra os propagandistas do “desenvolvimento capitalista ao estilo do governo Kubitschek”. Incontestavelmente, é um avanço importante que faz em relação à Declaração. Para dar esse passo se socorre das Teses que de fato criticam o governo do Sr. Juscelino Kubitschek. Mas, apesar disso, persiste nas Teses a apologia ao “capitalismo nacional”. Isso se pode verificar na tese 12, onde os progressos alcançados em setores da industria quase inteiramente em mãos do imperialismo, como os da energia elétrica e de autoveiculos, são mencionados para demonstrar que “o desenvolvimento capitalista nacional apoiado na acumulação interna constitui o elemento progressista e dinâmico da economia brasileira”.

As Teses se referem a necessidade de um novo curso de desenvolvimento capitalista, fora dos marcos de dependência para com o imperialismo e da manutenção do monopólio da terra. Mas, ainda neste caso, seria um desenvolvimento capitalista com todas as suas chagas e contradições – a pauperização absoluta e relativa da classe operária, o desemprego, as crises, etc. é certo que os objetivos da atual etapa da revolução correspondem às tarefas democrático-burguesas, que, uma vez resolvidas, retirarão os entravas ao desenvolvimento do capitalismo. Os comunistas, nesta etapa da revolução brasileira, não lutam pela derrubada do capitalismo. No entanto, isso não significa que o pais, uma vez realizada a revolução democrática e antiimperialista, trilhará pelo caminho do desenvolvimento capitalista. Apesar de que no Brasil as massas trabalhadoras sofrem mais com o insuficiente desenvolvimento industrial, com o domínio imperialista e com a manutenção do monopólio da terra e das sobrevivências feudais do que com a exploração capitalista, é um gravíssimo erro apresentar, em plena época do socialismo vitorioso, o capitalismo com solução para os problemas do povo.

X X X

Em seu artigo, o camarada Jacó abordou uma serie de questões à margem da discussão política. Sobre uma delas não posso deixar de opinar. Em certas passagens de seu artigo, o camarada Gorender enveredou por um caminho bastante prejudicial à luta de opiniões, o caminho das acusações pessoais.

Não é justo que o debate tome este rumo.

O importante nesta polemica entre comunistas é combater e eliminar as idéias errôneas e elaborar uma linha geral e uma tática justas. Trata-se de derrotar as concepções antimarxistas e não os camaradas que são seus portadores. Porque, então, relembrar, agora, o debate publico de 1956 e 1957? Será que o camarada Jacó pretende afirmar que não tomei parte naquele debate para não me definir politicamente?

Se isso tem importância para o Partido, porque, então, não falar as claras? Não desejaria enveredar nesse terreno. Mas, provocado, o faço com o objetivo de dar uma satisfação ao Partido.

De fato não participei daquela discussão o que, hoje, considero um erro. Deixei de travar combate publico contra as idéias reformistas e revisionistas, muitas das quais acabaram e impondo no Partido. Este era o meu deve der dirigente. Porquê assim procedi? No curso das discussões realizadas em 1956 era-me materialmente impossível delas participar dos motivos que o camarada Gorender conhece. Quando tinha condições de entrar nos debates, estes tinham assumido um curso tão malsão, dando guarida a idéias anticomunistas, antipartidarias e anti-soviéticas que, embora em sua parte final tivesse melhorado, julguei (de maneira errada, reconheço, agora) de meu dever não me incorporar a discussão, tendo mesmo proposto ao Presidium daquela época a suspensão imediata dos debates. Mas se não escrevi, não escondi, em nenhum momento, minha opinião. Todo Partido a conhecia. Que digam os membros da antiga direção da U.J.C. e das redações dos órgãos nacionais do Partido. Sempre combati as posições que julgava errôneas.