O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Sr. Presidente, Srs. Constituintes: Quando, ontem, o plenário tomou conhecimento do Ato das Disposições Transitórias, ouvimos a palavra brilhante do nobre líder da União Democrática Nacional, Sr. Otávio Mangabeira, manifestando opinião contrária à maneira pela qual se pretendia aprová-lo. A nossa bancada está plenamente de acordo com a opinião de S. Exa. e, por isso mesmo nossas emendas ao referido Capítulo, em sua maioria, são supressivas.

Lutamos unicamente por pontos fundamentais, que garantam a transição do período anormal em que ainda vivemos, como herança da ditadura, para uma nova situação Constitucional.

Entre as emendas que apresentamos às Disposições Transitórias temos aquela que se refere à concessão de anistia ampla e irrestrita a todos os presos políticos.

Nesse sentido nossa emenda vem ao encontro das aspirações do povo brasileiro, que deseja, na nova fase da vida política do país, entrar num clima de concórdia e de harmonia, em que todos os partidos possam democraticamente contribuir para o progresso da pátria.

A emenda ao contrário do artigo das Disposições Transitórias, é ampla, não tem restrição e seu teor é seguinte:

     “É concedida anistia ampla a todos quantos tenham cometido crimes políticos até a presente data”.

Sabemos que o atual dispositivo resultou de emenda do nobre deputado da UDN Sr. Euclides Figueiredo. No entanto, apesar do patriotismo desse Representante do povo, de toda sua luta em prol da pacificação da família brasileira, o artigo não satisfaz os anseios de paz da nossa gente. É ainda restritivo; não proporciona o esquecimento total de todas as divergências que se agravaram durante os períodos negros da ditadura.

               O Sr. Euclides Figueiredo – Na justificativa que acabei de fazer da tribuna, disse que não considerava a medida da anistia como de todo correspondente, à justa significação político-jurídica da própria palavra “anistia”. Também não deixei de afirmar que, embora a anistia por mim alvitrada não pudesse corresponder aos anseios gerais do povo brasileiro, pelo menos pensava haver traçado uma linha média entre esses anseios e a possibilidade que agora nos oferece a Assembleia Constituinte. O nobre colega que está na tribuna atente que essas possibilidades são poucas e não convém perdê-las.

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Não nego o esforço e o patriotismo do ilustre deputado Euclides Figueiredo. No entanto, cabe aos Representantes do povo lutar, na medida de suas forças, a fim de conseguir a verdadeira anistia, que corresponda às tradições do nosso povo.

O Sr. Euclides Figueiredo – Se V. Exa. puder concorrer para isso, fique certo de que lhe darei o meu apoio.

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Muito agradeço a V. Exa. e sei que estará ao lado da causa justa na luta pela anistia completa.

O Sr. Gofredo Teles – O melhor argumento em defesa da emenda de V. Exa. é que o crime político, sendo crime de opinião, não é crime. Chegará a época em que o crime político vai deixar de existir. Assim este argumento é decisivo em favor da emenda de V. Exa.

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Embora não esteja de acordo com os conceitos de V. Exa. sobre o problema do crime político, agradeço o aparte.

Nos §§1º, 2º e 3º do art. 34, há grande restrição à anistia que se pretende dar aos que cometeram crimes políticos.

§3º, por exemplo, diz o seguinte:

     “Os que, em contrário, não devam ser aproveitados voltarão definitivamente às situações anteriores de reformados, aposentados, demitidos ou excluídos sem mais direito algum”.

O Sr. Adelmar Rocha – É verdadeiro absurdo: anistir a quem fica demitido ou excluído!

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – V. Exa. tem plena razão. Não é possível permanecer na situação de demitido ou excluído, sem direito algum, aquele que foi beneficiado pela anistia.
         
O Sr. Euclides Figueiredo – Tenho pedido de destaque justamente para essa expressão. Se V. Exa. o Senhor Presidente concedê-lo, para mim constituirá grande prazer discutir o assunto com o nobre colega.

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Perfeitamente. Apoiaremos o destaque de V. Exa.

Se não for aprovada a emenda que oferecemos, no sentido da concessão de anistia ampla, que ao menos se assegure, àqueles que reverteram ao serviço do Exército ou aos quadros do funcionalismo civil, a situação de aposentados ou reformados. Não é possível que, gozando dos benefícios da anistia, estejam esses cidadãos sujeitos, ainda, a uma Comissão, que dirá se devem ou não continuar no Exército ou no quadro do funcionalismo. Apelo, portanto, para a Assembléia, no sentido de que se garanta, pelo menos, a conservação, nos respectivos quadros, dos atingidos pela anistia. A própria justiça irá decidir se convém ou não a permanência desses cidadãos no serviço ativo.

A anistia concedida em 18 de abril de 1945 não foi mais do que, na prática, a libertação dos presos políticos. Impõe-se transformemos em realidade essa anistia de acordo com as tradições políticas do Brasil. Assim procedendo, estaremos cooperando para a harmonização da família brasileira.

Não seria justo que, promulgada uma Constituição, persistam, quando entramos em novo período de vida constitucional, essas restrições para com determinados brasileiros.

Em 1934, os Constituintes, nas Disposições Transitórias, asseguraram anistia a quantos praticaram crimes políticos.

Aqueles que cometeram tais crimes, por certo o fizeram tendo em vista os altos interesses do nosso povo, o progresso de nossa terra e a defesa da democracia.

Anistia, Senhores Constituintes é esquecimento recíproco: pelo governo, dos atos contra ele praticados; pelos anistiados, de perseguições e sofrimentos infligidos por aqueles contra os quais se ergueram e lutaram.

A boa doutrina sobre anistia manda que esta seja ampla e irrestrita para com todos os presos políticos.
Não sendo versado e letras jurídicas, citarei a opinião de autores clássicos, como Carlos Maximiliano, o qual, firmando doutrina sobre a anistia, assim se manifesta em seus “Comentários à Constituição Brasileira”, às págs. 471 e seguinte:

      “Não se concede anistia por sentimentalismo, simples bondade, simpatia pelo vencido, ou misericórdia pessoal. É medida altamente política, adotada por motivos que não humilham o cidadão a quem ela aproveita e inspirada por sérias razões de Estado”.

É, portanto, medida de caráter político; não significa clemência, simpatia ou boa vontade. Trata-se de criar clima capaz de garantir ordem, paz, tranquilidade internas.

Esse, Srs. Constituintes, o sentido que devemos dar à anistia.

Essa opinião não é apenas de Carlos Maximiliano. Também o luminar, o gênio da cultura jurídica brasileira, o incomparável Rui Barbosa, na sua obra “A Constituição e os Atos Inconstitucionais”, escrevendo sobre a matéria, citando o nosso Código Penal, diz o seguinte:

  “Anistia extingue todos efeitos da pena, e põe perpétuo silêncio a processo’.

E continuando:

(Lendo)
     “Não importa essa medida unicamente “a eliminação, o olvido, ou a extinção da acusação, delecto oblívio, vel extincto aecusationis”, na linguagem, perfeitamente exata ainda hoje, dos juriconsultos romanos. “Lei, não de perdão, mas de esquecimento (lex ablivionis quam Groeci vocant), ela não se extende só às penas, senão também aos sucessos que a determinaram. A anistia grega, o oblívio latino, a nossa anistia é a desmemoria plena, absoluta, abrangendo a própria culpa em sua existência primitiva. Não só apaga a sentença irrevogável, aniquilando retroativamente todos os efeitos por ela produzidos, como vai até à abolição do próprio crime, punido ou punível. “Hoec indulgentia perfecta est abolitio ceriminum”. Toda anistia”, ensina Haus, “tem por efeito abolir a infração”. “Não extingue só a pena: cancela o delicto”, diz Carrara. “Tira aos fatos contemplados o caráter delituoso”, escreve Giachetti. “Apaga tudo o que antes dela ocorreu; suprime a infração , o processo, o julgamento, tudo o que suscetível é de destruir-se”.

Em suma, na frase de uma sentença proferida pela corte de cassação de Florença, em 16 de março de 1864 “subtrai o fato criminoso, redú-lo a passar como se nunca houvesse acontecido (a far si che debba ritenersi come non avvenuto), tornando impassíveis de qualquer penalidade os acusados”.
           
         “A tal ponto oblitera todos os vestígios do caso, que, perpetrando novo delito da mesma natureza, a anistiado não incorre na qualificação de reincidente. É como se o acusado nunca tivesse praticado ação semelhante”.

Portanto, Srs. Constituintes, devem desaparecer por completo quaisquer vestígios dos crimes políticos cometidos.

Quero citar um fato concreto a respeito. Há poucos dias fui visitar um membro do meu partido, estivador, que se achava na Casa de Detenção. Verificando que esse preso, de nome José Joaquim do Rêgo se encontrava em situação vexatória, em trajes de presidiário, reclamei contra a situação, tendo o Diretor da Detenção respondido que não o podia colocar no pavilhão dos primários, por ser criminoso reincidente, contando várias entradas na Detenção por motivos políticos. Entretanto, de acordo com a opinião dos clássicos, inclusive Rui Barbosa, o anistiado não incorre na classificação de reincidente.

Não é justo, portanto, que se mantenha a restrição contida no art. 34 das Disposições Transitórias. Não é possível que, promulgando uma Carta Constitucional democrática, nela deixemos uma mancha, pela não consagração da anistia ampla. Esta Constituição perderá muito de seu valor e importância histórica, como instrumento de ordem, paz, tranquilidade, concórdia e harmonia da família brasileira, se não consagrar a anistia irrestrita a todos que cometeram delitos políticos.

Outra emenda, Srs. Constituintes, que apresentamos por julgá-la de grande importância para a democracia é a que afirma que, cento e vinte dias depois de promulgada a Constituição, serão realizadas as eleições dos membros da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e das Assembleias Constituintes Estaduais, até a posse do novo Congresso Nacional. Este funcionará como Poder Legislativo, com suas Casas separadas.

Apresentamos esta emenda porque julgamos que a nova missão é elaborar uma Carta verdadeiramente democrática. O povo brasileiro está atento, alerta ao nosso trabalho, e daremos grande exemplo de desinteresse e patriotismo com a dissolução desta Assembleia Constituinte e convocação de novas eleições para a Câmara dos Deputados e Senado Federal. Com esse gesto submeteremos ao povo nossa atividade nesta Assembleia, o povo referendará…  a nossa ação nesta Casa se soubermos defender a democracia, ou a condenará, se traímos os nossos mandatos.

É, Srs. representantes, medida de grande alcance democrático. Teria sensível repercussão entre o povo e desta maneira poderíamos trazer à Câmara e ao Senado novos valores, homens que surgiram da massa popular, nesses meses de vida democrática que tivemos, enquanto funcionou a Assembleia Constituinte porque o povo evoluiu politicamente durante o período em que aqui estivemos trabalhando.
           
É necessário que ele, mais uma vez, se manifeste através das urnas, escolhendo seus representantes de acordo com a nova Constituição que estamos terminando de elaborar.
Outra emenda para a qual chamo a atenção da Casa e que julgamos de grande importância, devendo ser mantida nas Disposições Transitórias, é a referente à dissolução das polícias políticas. Diz a emenda:

(Lê.)
Todos sabemos o que tem sido o papel das polícias políticas como auxiliar dos elementos fascistas em suas provocações ao povo e à democracia. Aqui mesmo em nosso país a polícia política foi sempre um fator de perturbação da ordem e de dissensões. Foi na polícia política que os fascistas encontraram os meios para assestar golpes contra a democracia. Ela está profundamente comprometida em inúmeros crimes contra o povo. Assim como foram tomas medidas para liquidar todos os órgãos da ditadura, como era o Tribunal de Segurança, já extinto, como o antigo DIP, que passou a se chamar DNI e agora também extinto; assim, também, deve ser dissolvida a polícia política , que é hoje a mesma nos seus métodos, no seu pessoal e na maneira de agir que a de 1936, do golpe de 10 de novembro e do período do Estado Novo. É indispensável terminar com esse aparelho de provocações, hoje mais do que nunca, porque vemos que é justamente na polícia política que se apoiam os elementos reacionários e fascistas.

Nos últimos acontecimentos que presenciamos na Capital da República, os ataques à propriedade – está comprovado – foram insuflados por elementos da polícia política, que conseguiram influir nos estudantes, a fim de atribuir ao Partido Comunista ou individualmente aos comunistas tais ataques.

É indispensável que nas “Disposições Transitórias” fique garantida a dissolução dessa polícia política, porque, enquanto ela persistir, constituirá ameaça à democracia e à própria Constituição.

O papel das polícias políticas, todos o conhecemos através de sua atividade, não só no Brasil como em outras partes do mundo. A polícia política está sempre ligada às violências do fascismo. A Gestapo foi a polícia política do nazismo; a GVRA do fascismo italiano; e a PVDE, parte integrante do Estado Novo de

Oliveira Salazar e a GPU. Todas essas polícias políticas não são mais do que órgãos de ataques à democracia, ao povo e à luta democrática em que estamos empenhados no momento.

À outra emenda, para a qual chamamos a atenção dos Srs. representantes, é a que se refere à Força Expedicionária. Mui justamente nas “Disposições Transitórias” se deram as honras de Marechal ao Sr. General Mascarenhas de Morais. É indispensável, no entanto, não esquecermos os humildes pracinhas, aqueles soldados que, sob o comando do glorioso cabo de guerra, lutaram na Europa contra o fascismo, ali foram mutilados e deram suas vidas para que tivéssemos a democracia em nosso país e elaborássemos uma Constituição democrática.

Nesse sentido, chamamos a atenção dos nobres representantes para a emenda, de profundo alcance patriótico, visto como salda uma dívida que assumimos com os que se sacrificaram em defesa da pátria na luta contra o nazismo.

O teor da emenda é o seguinte: (Lê).

São providências acertadas com as quais exprimiremos nossa gratidão aos pracinhas.

O Sr. Caires de Brito – Esta é das emendas que, se aprovadas, mais honrarão os trabalhos da Assembléia. Em que pese o grande valor da Comissão de Trinta e Sete, foi para nós surpresa, ao apresentá-la àquela egrégia Comissão, ver a medida derrotada, sob o fundamento de se tratar de matéria de lei ordinária. O nobre orador há de ver, entretanto, que nas Disposições Transitórias, já denominada de “cauda orçamentária”, assuntos de somenos importância estão incluídos.

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – V. Exa. tem razão. Muitas vezes, oradores, ao se colocar contra determinadas medidas patrióticas, alegam cogitar-se de matéria de legislação comum e, no entanto, conforme acentua o nobre aparteante, no texto das Disposições Transitórias há preceitos que pertencem, e, de fato deveriam pertencer, à legislação ordinária.

Quero referir-me ao parágrafo único do art. 22 das Disposições Constitucionais Transitórias que visa amparar aos pracinhas e está assim redigido:

     “São considerados estáveis os atuais servidores da União, dos Estados e Municípios, que tenham participado das forças expedicionárias brasileiras.”

Que se observa atualmente? A demissão dos pracinhas, funcionários da União, dos Estados e dos Municípios. Há poucos dias, no Ministério da Fazenda o expedicionário Rhefeld, um dos heróis da Itália, foi demitido sem qualquer pretexto, talvez, por ser extranumerário ou ter outra categoria funcional.

Desta maneira não se amparam os nossos pracinhas. Por isto, pedimos destaque para as palavras “os atuais servidores da União”, a fim de que os pracinhas, atingido em seus direitos, voltem a usufruir das prerrogativas de suas antigas posições. É sem dúvida medida reparadora dos sacrifícios das nossas forças expedicionárias nos campos de batalha da Europa.

Finalizando, Sr. Presidente, não poderia deixar de me referir à momentosa questão relegada para o texto das Disposições Transitórias.

Chegou o momento de definirmos se o Distrito Federal terá ou não autonomia.

Chegou o instante em que os democratas – aqueles que concorreram às eleições prometendo autonomia ao Distrito Federal – demonstrarão se querem ou não honrar seus compromissos perante o povo.
A cada passo, a população carioca faz sentir sua vontade de eleger livremente seu prefeito. Ainda há pouco, recebi memorial assinado por cerca de 567 senhoras cariocas, pedindo autonomia para a capital da República, e, dentre as considerações aí contidas, destaco a seguinte: (lê)

     “Resta-nos, entretanto, levar nosso apelo aos Senhores Constituintes, para que não se esqueçam das inúmeras promessas feitas ao povo, antes das eleições, de que teríamos direito à autonomia. O povo do Distrito Federal, do qual nós, mulheres, somos boa parte, exige que lhe seja assegurado o direito de eleger seu próprio prefeito”.

Nesse sentido, Senhores Representantes, apelamos para que esta Assembleia, que está finalizando seus trabalhos constitucionais, consagre na Carta que vamos promulgar a autonomia para a capital da República. O povo carioca jamais perdoará àqueles que lhe negarem a autonomia e o direito de, livremente, escolher seu Prefeito.

O Distrito Federal é a unidade administrativa que dá maior renda, depois de São Paulo, ao nosso país. Por seus foros de cultura, por sua intensa vida política, tem demonstrado grande patriotismo e capacidade de cooperação no progresso da nossa pátria.

O Sr. Segadas Viana – V. Exa. tem razão. Além disso, é o maior centro industrial e comercial do país.

O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Exatamente.

Para maior esclarecimento, aqui tenho a estatística do IBGE, de dezembro de 1944, sobre o assunto.

Com efeito, diz ela:

Estabelecimentos industrias e comerciais atacadistas investigados pelos inquéritos econômicos do IBGE em dezembro de 1944.

Situação percentual do D. Federal sobre o total:

Estabelecimentos informantes ………………………………..35,86%
Movimento de vendas ……………………………………………35,51%
Total de pagamentos de impostos …………………………….39,42%

Por aí se vê a contribuição que o Distrito Federal fornece à riqueza nacional.
Nesse sentido, Senhores representante e Sr. Presidente, esperamos que nas Disposições Transitórias sejam assegurados esses princípios básicos da Democracia, a fim de que o povo não fique decepcionado com a Assembleia Constituinte de 1946. (Muito bem; muito bem. Palmas).