Mas, levando-se em conta as advertências habituais – como aquelas que indicam que um mês pode ser muito tempo em termos políticos e que a eleição só termina quando os todos os votos forem apurados, e assim por diante -, a situação não parece seguir pelo caminho previsto pelos republicanos.

Ainda assim, em certo sentido a eleição é de fato um referendo, mas de um tipo diferente. Os eleitores estão, na verdade, sendo instados a emitir um veredicto sobre o legado do New Deal (“novo acordo” ou “novo trato”, em tradução literal, série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, e assistir os prejudicados pela Grande Depressão) e da Great Society (conjunto de programas adotados na década de 1960 que tinha como objetivo principal a erradicação da pobreza e das injustiças raciais) para a Previdência Social, o Medicare (sistema federal de seguro saúde para pessoas com mais de 65 anos de idade nos EUA) e, também, para o Obamacare, que representa uma extensão desse legado.

Será que os eleitores votarão em políticos que querem substituir o Medicare pelo Vouchercare, que denunciam o sistema de Previdência Social como “coletivista” (como Paul Ryan fez em certa ocasião), que desprezam aqueles que recorrem a programas de seguridade social e os consideram pessoas que não querem assumir a responsabilidade por suas próprias vidas?

Se as pesquisas servem como indicativo, o resultado desse referendo será uma reafirmação clara de apoio à rede de seguridade social norte-americana e uma clara rejeição dos políticos que querem nos fazer voltar à “Era Dourada” (período pós-Guerra de Secessão e pós-Reconstrução, dos anos 1870 aos 1890, que testemunharam uma expansão econômica, industrial e populacional sem precedentes nos EUA). Mas fica a pergunta: será que o resultado da eleição vai ser honrado?

Estou fazendo essa pergunta porque já sabemos o que Obama enfrentará caso seja reeleito: o clamor daqueles que atuam nas entranhas do governo federal, que exigirão o retorno imediato à fracassada estratégia política adotada em 2011 pelo presidente, cuja prioridade absoluta era fechar um grande acordo sobre o déficit orçamentário. Agora é a hora, lhe dirão, de corrigir o problema das dotações orçamentárias da América de uma vez por todas. Haverá pedidos – como havia na época da Convenção Nacional do Partido Democrata – para que ele endosse oficialmente a Simpson-Bowles, proposta de orçamento emitida pelos co-presidentes de sua comissão de déficit (embora nunca aceita pela comissão como um todo).

E Obama deveria apenas dizer não, por três motivos.

Primeiro, apesar de anos de alertas terríveis por parte de pessoas como Alan Simpson e Erskine Bowles, não estamos diante de qualquer tipo de crise fiscal. Na verdade, os custos dos empréstimos dos EUA se encontram em baixas históricas, e os investidores se mostram realmente dispostos a pagar ao governo pelo privilégio de deter bônus protegidos da inflação. Por isso, reduzir o déficit orçamentário não é a maior prioridade para a América no momento; a criação de empregos é. Atualmente, o capital político do governo deveria estar voltado para aprovar uma legislação como a Lei dos Empregos Norte-americanos (American Jobs Act), do ano passado, além de fomentar uma redução eficaz das dívidas relacionadas aos empréstimos tomados para a compra de casas próprias.

Em segundo lugar, ao contrário da sabedoria popular dos que gravitam em Washington, os EUA não têm um “problema de dotações orçamentárias”. O país tem, principalmente, um problema de custo relacionado à área da saúde – pública e privada -, que deve ser resolvido (e que a Lei da Assistência Acessível [ou “Affordable Care Act”] ao menos começa a enfrentar). Também é verdade que há – mesmo para além do sistema de assistência médica – uma disparidade entre o tipo de serviço prometido e os impostos que estão sendo arrecadados. Mas chamar essa lacuna de problema de “dotações orçamentárias” já é aceitar o próprio sistema da direita que os eleitores parecem estar em vias de rejeitar.

Por fim, apesar da bizarra reverência que a proposta de orçamento Simpson-Bowles inspira naqueles que atuam no governo federal – por sinal, as mesmas pessoas que nos garantiram que Paul Ryan era um valente contador de verdades -, o fato é que ela é um projeto muito ruim, que minaria algumas peças-chave da nossa rede de seguridade social. E, se um presidente reeleito endossasse essa proposta, ele estaria traindo a confiança dos eleitores que o reconduziram à presidência.

Levemos em conta, especialmente, a proposta de elevar a idade mínima para solicitar a aposentadoria pela Previdência Social – medida destinada, supostamente, para refletir o aumento da expectativa de vida. Essa é uma ideia que Washington adora – mas que também está em total desacordo com a realidade de uma América onde a crescente desigualdade se reflete não apenas na qualidade de vida, mas em sua duração. Pois, mesmo que a expectativa de vida média tenha, de fato, aumentado, essa elevação se limita às pessoas relativamente abastadas e com bom nível educacional – as mesmas pessoas que precisam de menos da Previdência Social. Enquanto isso, a expectativa de vida está caindo para uma parte substancial da nação.

Mas não há nenhum mistério sobre por que a proposta Simpson-Bowles é do jeito que é. Ela foi elaborada em um ambiente político no qual os progressistas – e até mesmo os simpatizantes da rede de seguridade social que conhecemos – estavam muito na defensiva, um ambiente no qual os conservadores estavam supostamente em ascensão e no qual o bipartidarismo havia sido efetivamente definido como o esforço para alimentar acordos entre o centro-direita e a direita pura.

No entanto, a menos que ocorra uma virada, esse ambiente chegará ao fim em 6 de novembro. Essa eleição está se configurando – como eu disse – como um referendo sobre o nosso sistema de seguridade social, e parece que Obama vai emergir do pleito com um mandato livre de impedimentos para poder preservar e ampliar esse sistema. Seria um erro terrível, tanto político quanto para o futuro da nação, se ele se deixasse influenciar e acabasse arrebatando a derrota das garras da vitória.

*Paul Krugman é professor de Princeton. Venceu o prêmio Nobel de economia em 2008.

Fonte: Uol