O livro chega aos leitores com acréscimos que acentuam o conhecimento pormenorizado da vida e da obra do escritor alagoano. Entre as novidades estão um bem-cuidado caderno iconográfico, com imagens raras e até inéditas, e a mais esclarecedora entrevista concedida pelo escritor, em 1944, nunca antes publicada em livro.

Publicado pela primeira vez no centenário de Graciliano Ramos, o trabalho de Moraes foi recebido com grande entusiasmo pela crítica, por se tratar da primeira “biografia de conjunto” sobre o romancista, como classificou Carlos Nelson Coutinho no prefácio.

O estilo jornalístico do biógrafo se perfaz num rigoroso e amplo trabalho de pesquisa – com texto ao mesmo tempo leve e erudito, escrito com sóbria simplicidade, O velho Graça refaz a trajetória luminosa e sofrida de Graciliano. Tendo como objeto de estudo um escritor aferrado ao seu tempo, Moraes desenha o pano de fundo de cinco décadas de grande efervescência política e de transformações aceleradas no processo modernizador do Brasil.

A garimpagem em arquivos públicos e privados de Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, assim como as dezenas de testemunhos de amigos, parentes, artistas, intelectuais e companheiros de geração enriqueceram sobremaneira o trabalho. Com argúcia de historiador e sensibilidade literária, Moraes traça a interligação entre as várias personas de Graciliano Ramos: o menino traumatizado pelas surras na infância; o jovem autodidata que lia Balzac, Zola e Marx em francês; o mítico comerciante da loja Sincera; o revolucionário prefeito de Palmeira dos Índios; o zeloso diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública de Alagoas; o preso político no inferno da Ilha Grande; o escritor sufocado por apuros financeiros; o estilista da palavra na redação do Correio da Manhã; o militante comunista aos esbarrões com a burocracia partidária.

Sem cair na armadilha do biografismo, Moraes recompõe a emergência dessa complexa figura, reconstituindo no percurso dialético de seus diversos momentos alguns dilemas fundamentais de nossa formação histórica. “Temos um Graciliano sem retoques: duro, mas apaixonado; frio e áspero na superfície da fala e do gesto, mas ardente e sempre humano na fonte da vida pessoal”, diz na capa o professor Alfredo Bosi, que também encontrou na biografia o cruzamento de itinerários do homem capaz de refletir, como num jogo de espelhos, a somatória de vivências acumuladas: “a paixão pela palavra nele precedeu e acompanhou a opção política que, por sua vez, transcendeu (mas jamais renegou) a adesão partidária”.

Para o autor, remontar o quebra-cabeça de Graciliano assemelhou-se ao ofício de artesão, já que os fragmentos do passado precisavam ser pacientemente reunidos e dispostos com a máxima coerência possível, a despeito da pluralidade de suas significações.

A necessidade de correlacionar peripécias, valores e sentimentos foi inspirada em uma passagem do prólogo de Memórias do Cárcere. O escritor consciente, assinala Graciliano, não deve esquivar-se dos zigue-zagues e tumultos próprios de uma existência. “Esforcei-me para mirar o objeto sem perder de vista suas interfaces e imbricações, tratando de averiguar convicções, dúvidas, anseios, vicissitudes e triunfos a fim de estabelecer conexões com a esfera ficcional engendrada por ele. Nas tensões entre o homem, a atmosfera social e a criação literária recolhi pistas que me levassem às motivações familiares, afetivas, estéticas, ideológicas e políticas presentes em sua intervenção na realidade concreta”, completa Moraes. O resultado é uma história de projeções e influências, de paradoxos e contrastes, mas, sobretudo, de coerência na busca incessante do que é essencial à vida.

Trecho do livro

“Fico imaginando o que Graciliano acharia de ter sido biografado. Talvez fingisse desprezo por sua escolha. O que me leva a crer nisso? Uma declaração feita por ele, em novembro de 1937, em uma carta ao tradutor argentino Raúl Navarro, que lhe pedira um currículo sumário para anexar a um conto em vias de publicação em Buenos Aires.

Os dados biográficos é que não posso arranjar, porque não tenho biografia. Nunca fui literato, até pouco tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores e três romances fabricados em situações horríveis – Caetés, publicado em 1933, S. Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936. Evidentemente, isso não dá para uma biografia. Que hei de fazer? Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para romances.”

Sobre o autor

Dênis de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 1954. É doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), sediado em Buenos Aires. Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). É autor e organizador de mais de vinte livros, dos quais oito foram editados no exterior (Argentina, Espanha, Cuba e México). Além de O velho Graça, publicou duas biografias de intelectuais e artistas de esquerda: Vianinha, cúmplice da paixão: uma biografia de Oduvaldo Vianna Filho (Rio de Janeiro, Record, 2000; São Paulo, Expressão Popular, no prelo) e O rebelde do traço: a vida de Henfil (Rio de Janeiro, José Olympio, 1996). Ainda, com Francisco Viana, Prestes: lutas e autocríticas (Petrópolis, Vozes, 1982; Rio de Janeiro, Mauad, 1998), obra baseada no único depoimento concedido pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes sobre sua trajetória.

Fonte: Carta Maior