3 – O Novo-Desenvolvimentismo como proposta de Política Econômica (continuação)

As principais sínteses teóricas sobre o novo-desenvolvimentismo, de inspiração keynesiana e estruturalista, encontram-se na introdução do livro homônimo, de 2005 (Sicsú, Paula e Michel, 2005), e em Bresser-Pereira (2006, 2011).

Para os primeiros, o novo-desenvolvimentismo oferece uma alternativa às políticas neoliberais e ao “velho desenvolvimentismo” (ou “nacional-desenvolvimentismo”), definido como uma industrialização dirigida pelo modelo de substituição de importações, que tinha como base a proteção do mercado interno e grande intervenção estatal no setor de infra-estrutura e na produção de insumos básicos. Em outro paper, Sicsú, Paula e Michel (2007) desenvolvem uma crítica mais detalhada ao “velho desenvolvimentismo”. Eles afirmam que, no caso brasileiro, a substituição de importações falhou por não ter sido acompanhada de absorção tecnológica e por ter incutido no empresariado doméstico uma mentalidade protecionista, devido ao fato do protecionismo tarifário ter sido generalizado e temporalmente ilimitado (pp.514-15). As questões da competitividade internacional e da equidade interna ganham força nessa análise da experiência histórica, que se considera parcialmente mal sucedida devido à inexistência de uma associação entre o protecionismo e uma efetiva incorporação do progresso técnico. Em linha com Fajnzylber (1989) e Cepal (1990), aqueles autores apontam essa baixa incorporação do progresso técnico como característica comum aos processos de industrialização na América Latina, determinando uma reduzida elevação da produtividade e um crescimento sem equidade social. Essa falta de incorporação do progresso técnico é a principal causa do comportamento espasmódico do crescimento e da competitividade em toda a região. Uma abordagem mais detalhada da questão, acompanhada por reflexões aprofundadas acerca da “doença holandesa”, é oferecida por Bresser-Pereira (para uma revisão de suas contribuições nessa área, ver Bresser-Pereira, 2011).

Para aqueles autores, o novo-desenvolvimentismo tem duas fontes teóricas distintas. A primeira vem de Keynes e de economistas contemporâneos como P. Davidson e J. Stiglitz, e ela inspira o conceito de complementaridade entre Estado e mercado. A segunda fonte é o neoestruturalismo cepalino, interpretado por Fernando Fajnzylber, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano. Daqui vem a ênfase na competitividade internacional através da incorporação de progresso técnico, e a necessidade da equidade social para o desenvolvimento bem sucedido (Sicsú, Paula e Michel, 2005: p. xxxiv) (1). Segundo esses autores, o novo-desenvolvimentismo pode ser sintetizado em quatro teses: “(1) não há mercado forte sem Estado forte; (2) não haverá crescimento sustentado … sem o fortalecimento … do Estado e do mercado e sem implementação de políticas macroeconômicas adequadas; (3) mercado e Estados fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento … com equidade social; e (4) não é possível [reduzir] a desigualdade sem crescimento econômico a taxas elevadas e continuadas” (Sicsú, Paula e Michel, 2005: p. xxxv).

Segundo esses autores, o “Estado forte” é aquele capaz de regular os mercados, e eles rejeitam o axioma neoliberal de que a racionalidade individual nos mercados produz sempre o melhor resultado para a sociedade. Reciprocamente, um “mercado forte” é aquele capaz de abrigar empresas grandes e pequenas, que mantenha aberto o acesso à concorrência, e que assegure a equidade de oportunidades aos produtores e consumidores, condição essa que não pode ser garantida endogenamente pelo próprio mercado, mas apenas pela regulação estatal.

As políticas econômicas decorrentes da perspectiva novo-desenvolvimentista não se satisfariam, portanto, apenas com a “estabilidade monetária”, objetivo maior das políticas neoliberais. Ao invés disso, seu objetivo é a “estabilidade macroeconômica”. Como buscaremos aprofundar na próxima parte desta série de artigos.

Notas:

(1) Esse argumento tem uma relação direta com as teses sobre a inadequação das políticas econômicas sugeridas pelos países capitalistas centrais (e pelas instituições multilaterais por eles controladas) para as economias periféricas, elaboradas por Amsden (2001, 2007) e Chang (2002).