O desafio do governo
Nos cinco anos que antecederam à crise (2004/2008), o crescimento médio anual foi de 4,8%, rompendo o fraco desempenho que vinha desde o início da década de 1980. Isso foi facilitado pelo notável crescimento da economia mundial, que contribuiu para ampliar nossas exportações, e, no âmbito interno, por políticas de distribuição de renda, salário mínimo com boa ascensão e criação do crédito consignado, com taxas de juros menores.
Após a recessão ocorrida em 2009, quando perdemos 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB), a resposta dos estímulos do governo permitiu o bom desempenho de 2010, quando crescemos 7,5%. O problema iniciou-se aí, pois começaram a aparecer análises do mercado financeiro afirmando que o crescimento de 7,5% era exagerado e que era necessário pôr o pé no freio, senão a inflação ficaria fora de controle.
Na verdade, crescer 7,5% foi aquém do que deveria, pois foi sobre a base fraca de 2009. No biênio 2009/2010, o crescimento médio anual foi de 3,5%, inferior à tendência de 4,8% dos cinco anos anteriores à crise.
Mas o governo equivocadamente comprou a tese e, com medo da inflação, puxou o freio desde o início de 2011, criando as chamadas medidas macroprudenciais, que encareceram o crédito para compras a partir de 24 meses, e maiores exigências de capital aos bancos para a concessão de crédito.
Esse freio funcionou de imediato, reduzindo as compras do crediário. Mas o governo, em novo equívoco, atendeu a outra reivindicação do mercado financeiro e elevou a Selic nas cinco primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) em 2011, fazendo o inverso do que tinham feito os bancos centrais de outros países. Com isso, deu um tiro no próprio pé, pois aumentou suas despesas com juros e com o carregamento das reservas internacionais e atraiu mais ainda o capital especulativo internacional.
Só em outubro de 2011 o governo reconheceu os dois erros, removendo as medidas macroprudenciais, e passou a reduzir a conta-gotas a Selic. O estrago já estava feito e comprometeu o crescimento deste ano.
Mesmo com vários pacotes de estímulos ao setor privado e orientação aos bancos oficiais para reduzirem os juros, a retomada da economia está difícil e surgem análises que defendem o investimento como motor de arranque para essa retomada. Nada contra o estímulo ao investimento, mas o empresário só vai arriscar seu negócio se perceber que o consumo do seu produto apresenta boas perspectivas de crescimento. Mas o que fazer para criar essa expectativa?
Creio que só há um caminho eficaz: derrubar as taxas de juros bancárias. No nível em que estão, são um poderoso freio, pois reduzem pela metade o poder de compra dos consumidores e ampliam perigosamente o endividamento. Nos países emergentes, elas são em média de 10% ao ano. Aqui, depois de toda a pressão do governo, passaram de 107%, em abril, para 96% (!), em setembro (último dado), segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Essa pequena queda foi devida, quase que exclusivamente, aos bancos oficiais.
Se não remover o potente freio dos juros, não vai ocorrer o crescimento econômico e, se ocorrer, terá fôlego curto. É preciso levar a Selic ao nível da inflação, como fizeram outros bancos centrais, para ter fôlego fiscal para desonerações tributárias ao consumo. Além disso, é necessário levar o câmbio para perto de R$ 2,50 para devolver o poder competitivo tirado das empresas. Mas, se continuar temendo a inflação e, pior, acreditando que ela depende da Selic, não terá sucesso para induzir novamente o crescimento. Será fatal ao governo se prometer pelo terceiro ano consecutivo o crescimento acima de 4% e ficar nos 2% ou até menos em 2013. Esse é o desafio. Vamos acompanhar.
*Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e Consultor