Para a ministra da secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, essa é a forma pedagógica de se aplicar a justiça de transição, ainda que atrasada em relação a outros países, para a consolidação da democracia no Brasil.

“O nosso objetivo é mapearmos no território nacional todos os espaços, a exemplo do que fez a Argentina, o Chile, o Uruguai, o Paraguai, os vários países que vivenciaram também ditaduras, para conseguirmos registrar em que espaços ocorreram violações aos direitos humanos, torturas, situações de desaparecimento. É uma forma de alerta a todas as pessoas para que sejam vigilantes na defesa da democracia e do estado democrático de direito”, disse ela durante o Seminário Latino-Americano Sobre Lugares de Memória, realizado nesta terça e quarta-feiras no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.

Dentro do contexto da Comissão da Verdade, os órgãos tentam a recuperação de documentos e espaços físicos relacionados ao período através de contato com pessoas físicas e negociações com outras instâncias de poder ou proprietários particulares. Ainda que o trabalho tenha se mostrado difícil, e a Comissão da Verdade oficialmente acabe em 2014, a ministra vê com otimismo o resgate histórico para as novas gerações.

“Os mortos e desaparecidos que nos trouxeram até aqui com as suas lutas não são passado, não são parte de um tempo que morreu. Não os esqueceremos, eles são parte de uma luta que continua para transformar esse estado verdadeiramente como eles sonharam e com as mesmas causas pelas quais eles lutaram”, disse ela.

Como exemplo dos avanços ela cita processos em andamento no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. “Essa política de sítios de memória está referenciada nas medidas importantes tomadas em Petrópolis, quando a prefeitura decide, junto com a cidadania ativa, desapropriar a Casa da Morte e transformar um lugar de horror em lugar de vida e manutenção. Existe essa política nacional quando se busca que o Dops aqui no Rio de Janeiro e o ‘Dopinha’, lá em Porto Alegre, sejam também lugares de memória”.

No capítulo documental, Rosário reforçou os progressos lembrando que enquanto o seminário acontecia no Rio, “a família de Rubens Paiva, no palácio Piratini, em Porto Alegre, recebe do governador Tarso Genro documentos que estavam guardados na casa de um graduado agente das forças de repressão de nosso país. Documentos que foram localizados e dizem claramente que Rubens Paiva tinha sido preso, torturado, e era um desaparecido político. Aquilo que todos já sabiam porque a filha havia contado, agora tem uma letra e assinatura de um representante do Estado”.

Participação popular

Para o contínuo desvendar de documentos históricos, a ministra disse ser necessária uma grande campanha para pedir “que as pessoas que tenham esses documentos, tenham a coragem de participar desse processo entregando esses documentos. E aqueles que sabem da existência desses documentos, sob guarda hoje ainda privada, lembrem-se que eles não pertencem a um ou outro, não podem estar em cofres privados, em residências comuns, esses documentos são públicos, e nós precisamos ter acesso. Então todas as pessoas que tenham conhecimento de documentos que estejam guardados, façam chegar às autoridades essas informações, possibilitem que o Brasil saiba”.

STF

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Margarida Pressburger, também participante do seminário, afirmou que a instituição foi uma das incubadoras da Comissão da Verdade com a campanha Arquivos Abertos, em 2010, e trabalha pelo constante desdobramento da comissão. “A nossa luta vai um pouco além de memória e verdade. A OAB quer memória, verdade e justiça”.

A advogada traça o caminho para Justiça através da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condena o estado brasileiro pelos crimes ocorridos no Araguaia. Margarida diz ter certeza que “o governo não vai falhar no cumprimento dessa sentença internacional. E com o cumprimento dessa sentença automaticamente teremos como reconduzir a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF). Estaremos então chegando na Justiça, que é o que queremos”.

Margarida afirma ser absolutamente necessário que os casos da ditadura civil-militar cheguem aos tribunais. “Não é revanchismo, é justiça!”, afirma. E lembra o panorama internacional atual, no qual o Brasil se vangloria de estar despontando como um novo líder. “Essa semana mesmo a Argentina condenou mais 68 algozes da sua ditadura militar. Nós não temos nenhum condenado. A cultura da tortura no Brasil é histórica, o primeiro português que aqui chegou torturou o primeiro índio que aqui ele encontrou, e ninguém foi punido até hoje. Essa tortura tem que acabar. Essa cultura da tortura só vai se findar quando nós tivermos memória, verdade e justiça!”.

 

Fonte: Carta Maior