Da Economia Política à Política Econômica: o Novo-Desenvolvimentismo e o governo Lula – Parte 6
4 – O Novo-Desenvolvimentismo como Política Econômica aplicada
A partir de 2006 e, especialmente, durante o segundo governo Lula (2007-10), a política econômica brasileira sofreu uma inflexão, e os resultados macroeconômicos foram positivos em termos de crescimento do PIB, fortalecimento de grandes empresas nacionais (estatais e privadas), distribuição de renda e redução da pobreza. A mais completa avaliação desse período, ainda muito recente, é oferecida por Barbosa e Souza (2010), sendo especialmente significativa por ser Barbosa um dos principais policymakers nesse período, enquanto secretário de política econômica do ministério da Fazenda.
Várias inovações introduzidas por essa inflexão de política econômica foram defendidas pelo novo-desenvolvimentismo, e há uma clara correlação entre as políticas introduzidas, a forma como elas foram justificadas pelo governo, e aquela formulação teórica. No entanto, destaque-se que Barbosa e Souza não aludem ao novo-desenvolvimentismo como fonte dessas mudanças na política econômica. Ao contrapor as diferentes visões de política econômica – antes e depois da inflexão de 2006 – os autores referem-se a elas como “neoliberal” e “desenvolvimentista”. Porém, as óbvias similitudes tornam inescapável o paralelo entre a última e as propostas novo-desenvolvimentistas delineadas acima.
Ao ser transformada em política econômica, uma proposta teórica sofre inevitavelmente uma série de modificações e adaptações próprias das restrições e constrangimentos da ação política. Além disso, como veremos a seguir, as propostas novo-desenvolvimentistas foram institucionalizadas apenas parcialmente, assumindo um caráter complementar, visto que as políticas macroeconômicas (monetária, cambial e fiscal) neoliberais mantiveram-se praticamente intactas durante todo o período.
Segundo Barbosa e Souza, a “aceleração do desenvolvimento econômico e social” foi alcançada “com manutenção da estabilidade macroeconômica”, isto é, com controle da inflação, redução do endividamento líquido do setor público e diminuição da vulnerabilidade das contas externas diante de choques internacionais. O objetivo dos autores “é apresentar um resumo da política econômica que possibilitou tal desempenho”.
A primeira observação a ser feita é sobre o conceito de “estabilidade macroeconômica”, que é utilizado de forma mais restrita do que em Bresser-Pereira (2006). Não se adota como parte necessária da “estabilidade macroeconômica” uma política fiscal visando à formação de uma poupança pública (meta de déficit nominal zero), como também dela não faz parte uma política cambial visando uma taxa de câmbio competitiva. Em segundo lugar, e de forma semelhante, a vulnerabilidade externa também é entendida de forma restrita, como o montante da dívida externa líquida. Com esse entendimento, o autor constata uma redução extraordinária na vulnerabilidade externa, que fez o país assumir uma inédita posição credora líquida a partir de 2007, devido à redução da dívida externa bruta e à acumulação de reservas internacionais. Essa posição credora alcançou 3,9% do PIB em 2009, recuando um pouco para 2,7% em 2010 (ver Barbosa e Souza, 2010, e a tabela 2 no apêndice).
Os autores explicam que, apesar de um forte ajuste macroeconômico (de inspiração ortodoxa) em 2003-05, a taxa de crescimento do PIB não se acelerou significativamente, conforme seria esperado. Um novo período de elevação da taxa básica de juros entre setembro de 2004 e meados de 2005 – justificado pela “visão predominante da equipe econômica da época” – frustrou o crescimento em 2005, apesar da duplicação das exportações e de uma expansão creditícia apoiada por reformas microeconômicas, especialmente as mudanças na lei de falência e a criação do crédito consignado às rendas de salário e de aposentadorias da previdência social pública.
O desempenho macroeconômico insatisfatório (e, presume-se, a bateria de críticas de antigos aliados) gerou um debate no interior do governo Lula, ao final de 2005, entre a “visão neoliberal” e a “visão desenvolvimentista”. Esse debate teria levado à inflexão da política econômica quando a equipe econômica inicial foi substituída por defensores de uma política de maior ativismo do Estado.
É o que destacaremos na próxima parte desta série de artigos.