Jesus


Como diz a canção “Procissão” do Gil, eu também sou do lado de Jesus. Eu, Lula, Hugo Chávez e mais um montão de gente que vota à esquerda. O comandante bolivariano não se esquece de Jesus nem de Simão Bolívar em nenhuma hora da revolução e declara, solenemente, que Jesus Cristo é o primeiro comunista do mundo. Claro, por menos disto a igreja reacionária condenou mais de um herético à fogueira da Inquisição.


Mas, o cristianismo em seus primórdios foi heresia (dissidência) do judaísmo. Depois o antissemitismo tachou muitos cristão de praticar heresia judaizante, com exemplo da condenação do padre Antônio Vieira pelo tribunal do Santo Ofício. Outro dissidente notável, o padre e cientista Pierre Teillard de Chardin foi condenado a calar por se declarar evolucionista graças a Deus… Ultimamente, Leonardo Boff experimentou a censura eclesial por divergir do Papa sobre a teologia da libertação que fora esteio da bula “Populorum Progressio” editada por Paulo VI e saudada por “Wall Street” como “marxismo requentado”. Desde então, aconteceram coisas mal explicadas como a morte súbita de João Paulo I, forte guinada do Vaticano de volta à direita e o atentado de que foi vítima João Paulo II.


Durante a Guerra Fria a expansão do evangelismo foi proporcional ao anticomunismo patrocinado pela CIA a par de golpes de estado e implantação de ditaduras militares. Marx havia fulminado as religiões como “ópio do povo” e Voltaire profetizou que o mundo só teria paz no dia que se enforcasse o último rei com as tripas do último padre… Mas, o velho liberal que odiava o clero simpatizava com uma incerta “religião natural” e o materialismo do autor do “Manifesto Comunista” jamais negou o espírito como “superestrutura” da existência humana.
Pensando bem, a religião primitiva é a pré-história da Política e ritos religiosos antigos usavam ou ainda usam drogas como instrumento de contato com os espíritos. A descoberta do Inconsciente é recente, como o átomo apenas imaginado pelos gregos somente agora está bem entendido depois que a física nuclear deu no desastre que deu e ainda está assustando o mundo.


A evolução não apenas subverteu a ideia tradicional judeu-cristã da criação do mundo pelo espírito “ex-machina”; como também separou religião e ciência cuja consequência política é a República laica: onde crenças religiosas e o bem-comum se separam, respectivamente, para esfera privada e pública. Então, para que a sociedade humana encontre justiça e paz, cada cidadão deve ser livre para crer ou não crer: ao mesmo tempo que deve tolerar a crença ou descrença dos outros nos limites do estado de direito democrático.


Que o marxismo não é uma “religião sem Deus” ou algo feito para tomar lugar desta parece estar claro, porém o que não está claro é que o mesmo não é uma filosofia de materialismo pueril. Em primeiro lugar, o chamado socialismo utópico é considerado pelo feudalismo e do capitalismo; como fase precedente e evolutiva da utopia comunista. Utopia pelo fato de ainda não ter existido nada semelhante na sociedade moderna. Nesta perspectiva, na transição da animalidade à humanidade surgem sociedades comunistas plenas de religiosidade. Marx, por assim dizer, deu o ponta pé inicial no estudo científico da História: sendo como ele queria, um estudo científico; significa dizer que não se trata de dogma nenhum. Portanto, o fermento da ciência é sua própria superação: marxismo é esforço contínuo da compreensão do progresso da sociedade humana. A expectativa comunista não se concebe como messianismo, mas construção solidária de homens e mulheres em busca de uma sociedade sem luta de classes, plena de justiça e igualdade entre os seres humanos vivendo em harmonia com a natureza.
Para quem diz que as “ditaduras comunistas” fracassaram e cometeram crimes horríveis contra a humanidade, a verdade manda dizer que o comunismo não existe ainda. Por outra parte, os regimes totalitários que porventura tenham se apresentado em marcha para o socialismo e como tal praticado tais crimes; com certeza não estão piores que as infindáveis guerras religiosas ao longo da história até nossos dias.


As civilizações orientais até hoje convivem normalmente com as polaridades entre os dois hemisférios cerebrais da espécie humana, sede da emoção e da razão. Considerar a chamada inteligência emocional parece ser distintivo de grandes personalidades que marcam épocas de crise. O progresso das ciências requer inteligência emocional dos líderes “pari passu” ao desenvolvimento material. A memória crítica é um processo permanente pelo qual a história libertada dos fantasmas do passado reinventa a liberdade na construção do futuro. Será isto um fato observável pela ciência? Por que não?


A invenção do homem deu-se pelo trabalho de suas próprias mãos a par da linguagem possibilitando a comunicação entre indivíduos do mesmo grupo e entre grupos diferentes. A natureza mãe, provavelmente, foi a primeira manifestação religiosa do homem primitivo. Mas, a invenção da agricultura pela economia do trabalho deu nascimento à aldeia sedentária e ao conflito político entre homens e mulheres; a nova ociosidade de chefes coletores e caçadores na aldeia desfavoreceu o antigo domínio das mulheres sobre o grupo. Teria nascido assim o pátrio poder e as religiões mesopotâmicas que se acham à raiz do monoteísmo importado da reforma teológica do antigo Egito.


O Jesus da Bíblia tem diversas faces. Há diferenças marcantes entre o homem Jesus de Nazaré e o avatar ocidentalizado “Cristus” (Krishna). Há Cristo negro, Cristo gay, Cristo camponês… O Cristo crucificado e morto pelos pecados da humanidade e o Cristo Ressuscitado triunfante sobre a Morte.


Um pastor poderá dizer, à exemplo de Sidartha Gautama, dito o Buda; não creiam num Jesus só porque um evangélico o apresenta, um católico ou espírita descreve do modo que achar melhor. Porém acreditem no Jesus da Bíblia… Ora, por aí se abre um abismo: dos quatro testemunhos somente um, João; teria conhecido o personagem em vida e este mesmo era quase uma criança quando os fatos aconteceram. Quando ele ditou suas memórias a um escriba de confiança já estava em idade avançada. Sua obra mais famosa o livro das “Revelações” (Apocalipse) sobre o fim dos tempos e a volta de Jesus Cristo requer o concurso da fé, pois à luz da ciência moderna muitos duvidam da senilidade mental do autor acometido de esclerose. Posto que as imagens relatadas poderiam lembrar delírios surrealistas de um Salvador Dali. Que longe de ser desprezíveis pediriam ajuda aos discípulos de Freud para melhor apreciar as potencialidades humanas. Os teólogos pedem, por amor de Deus; para não se reduzir os dons do Espírito Santo a simples exercício de psicologia. Todavia, o templo do divino pode ser reverenciado no corpo humano (nas mais antigas religiões africanas, por exemplo); e a neurociência está apenas engatinhando pelos caminhos do Espírito nas teias do tecido vivo neuronal.


O Jesus de Renan padece de excesso de racionalidade ainda que seja poético e singular. O Jesus dos católicos é retrato do sacrifício da cruz: devíamos saber que o martírio na cruz era pena reservada a crimes políticos pelo império de Roma. Portanto pintores sacros pregaram a tabuleta “I.N.R.I” (Jesus Nazareno Rei dos Judeus) para provocar a ira dos fariseus partidários de Herodes, visto como rei espúrio imposto por Roma aos olhos dos davinianos… Os sicários de Barrabás viram naquele Jesus pacifista que se deixou matar como um cordeiro, um fanático: inocente útil… Mas seguidores de João Batista (essênios e terapeutas) viram na figura de Jesus de Nazaré o continuador ideal da obra do mestre.


Há os evangelhos apócrifos, repudiados pelo Vaticano. Historiadores mais ou menos independentes falam de diversos profetas chamados Jesus, outros ligados a crenças espiritualistas teosóficas querem realçar um Jesus místico que não apenas não morreu na cruz como também teria sido iniciado na Índia, atual Caxemira. Como também seitas esotéricas querem que o personagem, em verdade, tenha sido Judas de Gamala, rei presumido na linhagem de Davi e chefe militar anti-imperialista…


Seja como for, o fato histórico central é que os primeiros cristãos, sim estes existiram de verdade. Eles empreenderam uma revolução comunista sob todos os pontos de vista. Cimentados na fé do reino dos céus repetiam o “Pai Nosso” como um mantra que diz “venha a nós o vosso reino”…, tal qual fiéis do Alcorão; com a única diferença que os primitivos cristãos, para entrar no céu; renunciaram à guerra santa a troco da difícil e cruenta não-violência a ser recompensada pela ressurreição dos santos – aspecto o mais revolucionário do antigo cristianismo oriental – ; converteram judeus e estrangeiros escravos terminando por dominar o império romano. Mas aí, em nome de Jesus, o próprio imperador assumiria o papel de anti-Cristo. Desta maneira, história dos impérios continua apesar da farsa.

 

 

 José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.
autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com