No começo dos anos setenta enfrentaram a mais dura provação, anunciada pelo pouso na aldeia de improváveis helicópteros militares. Eram as forças do Exército empenhado na luta contra a Guerrilha do Araguaia.

A partir daí foi como se a terra se abrisse e o céu desabasse sobre suas cabeças. Foram mantidos prisioneiros dentro de sua própria aldeia, impedidos de cultivar suas roças e de caçarem no mato, sofrendo fome, violências, abusos sexuais e pior ainda, alguns de seus guerreiros, sob ameaças, foram obrigados a servir como mateiros auxiliando as tropas militares numa guerra estranha e para eles incompreensível.

Este episódio ainda não contado da Guerrilha do Araguaia é o centro de Aikewára, documentário de longa-metragem que está sendo rodado pela produtora paraense Caminho Luminoso, sob a direção de Luiz Arnaldo Campos e Céllia Maracajá e a consultoria de Paulo Fonteles Filho.

As primeiras imagens foram rodadas entre os dias 5 e 11 de janeiro, mas aldeias Sororó e Itahy, localizadas no município de São Geraldo do Araguaia. Lá, além dos relatos dos indígenas, sobre sua história, desde os combates imemoriais com os kayapós, os primeiros contatos com os brancos e a terrível experiência com as tropas do Exército durante a repressão à guerrilha, foram colhidas imagens do cotidiano e registrada a experiência da Comissão da Verdade Suruí, a primeira comissão indígena formada para levantar os fatos ocorridos durante a ditadura militar.

Para os autores do projeto a vontade dos suruí de romper um silêncio de quarenta anos faz parte da sua última ressurreição.  A violência da ocupação militar da aldeia resultou na perda de importantes tradições –festas, danças, hábitos- que deixaram de ser praticadas e portanto  não foram repassadas à geração mais jovem.

Agora, juntamente com a formação da Comissão, muitos suruí, alguns deles bem jovens se empenham na recuperação de sua cultura, inclusive a língua que continua a ser praticada, principalmente pelos mais velhos que viveram os horrores da presença militar e que começam agora a contar esta parte dolorosa de sua história.

Durante a estadia em terras suruí foi ministrada uma Oficina de Audiovisual Indígena, por uma das diretoras, Cellia Maracajá, que contou com a participação não só de jovens, como de guerreiros veteranos como Massu e Arekaxu, protagonistas das histórias que serão contadas no filme.

Além das tomadas no território suruí, foram realizadas gravações com camponeses e representante da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia, sede em São Domingos do Araguaia, traçando o contorno de uma violência que atingiu a todos os moradores da região.

Os próximos passos do documentário serão o acompanhamento de um delegação  suruí à Brasília para se entrevistarem com a  Comissão da Anistia e a Comissão da Verdade, a busca de dados nos arquivos da FUNAI e novas visitas as aldeias.

Aikewára: um filme que relata a saga das múltiplas reconstruções de um povo que sabe ressurgir e seguir em frente.