Estes temas foram amplamente levantados na Campus Party Brasil, um mar de barraquinhas multicoloridas, que se realizou em São Paulo no começo deste mês. O título do encontro devia justificar-se pela poderosa influência monoglótica do ciberespaço que, ao menos, respeitou o “s” de Brasil.

Numa reportagem de O Globo (30/1/2013), assinada por Paulo Justus, o ativista Lucas Pretti (responsável pelo portal de petições online Change.org) garantia:

“A pressão que se faz na internet é real. Não existe mais a barreira entre o virtual e o real. As pessoas criticam o cliqueativismo porque acreditam que há uma barreira entre o que se faz na internet e o que acontece na realidade. Mas essa barreira já caiu desde os anos 2000, porque, hoje, com os dispositivos móveis, aquilo que acontece no Facebook está nos nossos bolsos”.

Os exemplos oferecidos pelo ativista eram uma petição em que 15 mil pessoas instavam o governador Geraldo Alckmin a assinar leis de combate à obesidade infantil em São Paulo e também a negociação entre as baianas que vendem acarajé no estádio da Fonte Nova, em Salvador, e a FIFA. As baianas estavam preocupadas em saber se poderiam vender o produto durante os jogos da Copa.

Democracia representativa

A palavra “ativismo” está simbolicamente marcada por toda uma tradição política. Não falta quem possa achá-la forte demais para questões de natureza tão gerencial como obesidade infantil ou comércio de acarajés. Não é este, porém, o ponto para o qual queremos chamar a atenção, e sim para aquela alegada “queda de barreiras entre o virtual e o real”.

É que, coincidente com a realização da Campus Party, corria na internet um manifesto com milhares de assinaturas contra a posse de Renan Calheiros na presidência do Senado. Muitas assinaturas, sim, mas pelo visto foram inócuas as suas repercussões reais, como comprovou o ato de posse do prócer alagoano, atestado pela foto jornalística em que ele e o ex-presidente Fernando Collor de Melo gargalhavam. Numa foto posterior, em O Globo, Calheiros aparecia desfilando em meio a uma tropa formada em sua homenagem, enquanto sete (precisamente sete gatos pingados) manifestantes exibiam ao fundo cartazes de “Fora, Renan!”.

Ao que tudo indica, há uma forte discrepância entre virtual e real no que diz respeito à pressão no espaço público. Pode-se passar por cima da situação no Egito, onde tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, talvez pior, com internet e tudo. O real-histórico não é feito de bytes, as lutas sociais que refletem contradições entre classes (sim, as classes continuam existindo…) ou entre aparelhos de Estado e povo não podem ser reduzidas a meios técnicos de mobilização de pessoas. A democracia representativa, ainda que aos pedaços, persiste como um tríptico de povo, organizações e Estado. Real, tudo isso. Dentro de casa, à frente do computador, o ativismo é um mero flatus vocis.

Outro olhar

De um modo geral, fica a impressão de que esse ativismo apolítico é comercialmente útil como plataforma de lançamento de novos recursos eletrônicos. Tanto assim que a Telefônica/Vivo aproveitou o grande público da Campus Party para lançar o primeiro smartphone que funciona na plataforma Firefox OS. A notícia, que não se dá ao trabalho de divulgar as vantagens nem o preço do novo gadget, avisa apenas que ele chegará às lojas no segundo semestre deste ano.

Ao mesmo tempo, numa das palestras mais aguardadas da Campus Party, Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua, convidou os campuseiros a olharem para Marte, a nova fronteira espacial que, segundo ele, será alcançada entre os anos 2035 e 2040. Argumentou: “Por que ir a Marte? Chegando ao espaço, melhoramos a vida na Terra. Isso traz tecnologia a nossas vidas. Celulares, TV, GPS não seriam possíveis sem um plano espacial”.

Olhemos, pois, ciberativamente, para Marte.

*Muniz Sodré é jornalista, escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Fonte: Observatório da Imprensa