De banqueiros e designers de carros a famílias produtoras de massas, os líderes empresariais da Itália estão em choque com o resultado de uma eleição que traz a ameaça de impasse político e pode atrasar reformas que eles consideram vitais para reanimar uma economia cambaleante. Esse choque se traduziu ontem numa série de reações negativas nos mercados.
“Che casino!” (que zona!), exclamou um dos principais banqueiros do país. “Estou chocado”, disse o alto executivo à Reuters, resumindo uma disseminada sensação de desalento após as eleições nas quais o partido de protesto liderado por um comediante teve o maior número de votos e nenhum bloco político assegurou cadeiras suficientes para formar uma maioria de governo no Parlamento.
“Esse provavelmente é o pior cenário possível”, disse Francesco Divella, cuja família começou a vender massas com a marca de mesmo nome em 1890 na Puglia, região do sul do país. E esse cenário não estava precificado.
A Bolsa de Milão caiu mais de 4% ontem, e o custo para o governo tomar empréstimos deu um salto, reagindo à inquietação dos investidores com o impasse político, o que reacendeu o temor de uma nova crise da dívida soberana na zona do euro. O custo de captação atingiu ontem o nível mais alto em quase quatro meses. O rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro italiano subiu 32 pontos-base, para 4,82%, bem acima do 1,4% dos títulos alemães.
Os bancos italianos, mais expostos à dívida soberana do país, foram especialmente afetados ontem. As ações dos dois maiores bancos por ativos, o UniCredit e o Intesa Sanpaolo, caíram mais de 7% no pregão de ontem em Milão.
Divella disse que a Itália precisa de um governo forte para enfrentar gargalos que muitos veem como freios à economia: o rígido mercado de trabalho, impostos altos, um setor de serviços pouco competitivo, burocracia sufocante e infraestrutura defasada.
Com uma dívida pública de € 2 trilhões e uma sucessão de taxas de crescimento anêmicas, a terceira maior economia da zona do euro – cujos custos da dívida dispararam quase fora de controle no fim de 2011 – não tem condições de resistir por muito tempo no limbo enquanto produtores com histórico bem-sucedido nas exportações lutam por competitividade.
“Estamos muito preocupados com a incerteza e a aparente ingovernabilidade”, disse Silvio Pietro Angori, executivo-chefe da Pininfarina, que projeta carros da Ferrari desde 1950. “Uma empresa que compete nos mercados globais, como a Pininfarina, precisa do apoio de um governo estável que inspire confiança e possa tomar decisões de longo prazo.”
Contudo, mais incerteza é exatamente o cenário que se avizinha, já que a alternativa a uma nova eleição seria uma grande coalizão entre a centro-direita de Silvio Berlusconi e a centro-esquerda de Pier Luigi Bersani – velhos adversários que podem resistir muito a trabalhar juntos. O comediante antiestablishment Beppe Grillo, com 25% dos votos, não demonstrou muito interesse em cooperar.
Poucos empresários acham que a opção de uma grande coalizão direita-esquerda possa produzir um governo viável, que dure mais de alguns meses. “Não consigo ver a luz no fim do túnel”, disse Luigi Morelli, dono de uma empresa produtora de papel em Bari, no sul do país, que viu suas vendas despencarem 40% em dois anos. “Não estou esperando nada porque não acho que teremos um governo estável que possa durar além do verão [no hemisfério Norte]. Estou até pensando em transferir a minha companhia para o exterior.”
A Pomellato, fabricante de joias e semijoias, pretendia realizar um IPO, oferta pública de ações, até o ano que vem para financiar uma expansão. Agora, após as eleições, suspendeu os planos. “Isso nos força a buscar rotas alternativas de ação. É preciso examinar outras fontes de capital”, disse Andrea Morante, CEO da empresa.
A Fiat, principal grupo industrial da Itália, pode estar entre os mais afetados pela turbulência política. A montadora irá pagar juros maiores sobre a sua dívida e pode enfrentar uma queda maior nas vendas de veículos no país, que no ano passado já caíram para o mais baixo nível em 30 anos.
De 2000 a 2010, o crescimento anual italiano médio foi inferior a 0,3%. Isso faz da economia italiana não apenas a mais vagarosa da zona do euro, como a mais inerte de todo o mundo – excluindo-se países desesperadamente pobres como Zimbábue, Eritreia e Haiti.
A economia da Itália vem recuando há seis trimestres consecutivos, tendo encolhido 2,2% em 2012. A Comissão Europeia prevê uma retração de 1% para este ano.
“Seja com Berlusconi, Bersani ou quem quer que venha, o importante é haver um governo que dure cinco anos, promova as reformas e ajude o povo, porque ele está desesperado”, disse Siro Badon, que votou na centro-direita e é proprietário de uma fábrica de sapatos perto de Veneza.
Em meio ao pessimismo predominante, alguns tentam ver um lado bom no impressionante sucesso do Movimento 5 Estrelas, do comediante Beppe Grillo. Sua plataforma, que tirou votos da esquerda e da direita, inclui cortes nas mordomias dos políticos, renda mínima para desempregados, energia limpa e acesso livre à internet.
Para Pietro Colucci, diretor da operadora de energias renováveis Kinexia, a contribuição de Grillo às políticas governamentais poderia ser bem-vinda: “Grillo tem duas coisas no seu DNA: economia verde e tecnologia. Nós temos ambas, então isso é bom para nós.” De todo modo, ele acha que os italianos não devem entrar em pânico: “A Itália sobreviveu à queda do Império Romano”, ele disse. “E nós vamos sobreviver a isso, apesar da instabilidade no curto prazo.”