Risco de cofres vazios dá força à eleição de um papa italiano
Publicado na Carta Capital em 11/3/13
De Roma
Contam os anticlericais que os cartuchos – que fazem voto de silêncio – elegem o seu representante de forma agitada. Ninguém fala, mas os cartuchos trocam bilhetes debaixo das mesas o tempo todo.
Nessa eleição para o sucessor de Ratzinger ao trono petrino, o silêncio foi posto de lado e só faltaram comícios, embora, no domingo, cada cardeal papável tenha se apresentado a celebrar missa nas suas paróquias honorárias. E todos os vaticanistas ficaram de olho no que foi dito na homilia.
Mas, dos 115 cardeais votantes, muitos estão preocupados. A ponto de reformularem o voto a fim de eleger um papa italiano. Afinal, os votantes precisam “segurar a barra”. E a barra é valiosa.
Pelos cálculos do respeitado matemático Piergiorgio Odiffeddi, a Santa Sé custa (para o governo e o povo italiano) 9 bilhões de euros por ano. A propósito, a Itália está internamente mais quebrada e 3 em cada 5 jovens não conseguem um posto para trabalhar. Atenção: 9 bilhões/ano em dinheiro vivo. Ou, como dizem por aqui, em “contante”.
A “grana” decorre do pacto e da concordata Lateranense, que, em 1929, o papa Pio IX (astai-Ferretti) firmou com o então primeiro-ministro Mussolini. Este, interessado no apoio da Igreja ao seu projeto fascista. Convém lembrar que, antes de chegar ao poder, Mussolini era um anticlerical.
Os últimos três primeiros ministros italianos jamais cogitaram em revisar o pacto e a concordata Lateranense. Berlusconi se dizia, como chefe de governo, o garante dos valores morais pregados pela Santa Sé. Antes dele, o premier era Romano Prodi, católico de sacristia. Mario Monte, que arrochou a Itália e produziu recessão e desemprego jamais sentidos, virou, na última eleição, o candidato veladamente apoiado pelo Vaticano, tudo em dobradinha com o “papa-hostia” Casini. Com medidas impopulares e a mexer com o bolso e o estômago dos italianos, Monti foi o maior fracasso da última eleição. Nem para coligações a assegurar governabilidade o premier-vacante é cogitado.
Hoje, e em tempo de midiática eleição papal, vários políticos italianos, com o populista Grillo à frente, aproveitam para falar de revisão do pacto lateranense ou calote.
Esse quadro está a pesar em favor de um papa italiano. Italiano e capaz de garantir os 9 bilhões de euros anuais. Isso vem sendo ressaltado por canonistas (no mundo laico se chamariam juristas) e vaticanistas.
Como percebem até os coroinhas dos bairros paulistanos da Mooca e do Bom Retiro, não é por acaso que existem 28 cardeais italianos num colégio votante de 115. Toda a América Latina tem menos cardeais que a igreja italiana. Idem a África, a Ásia e as Américas do Norte e Central.
Esse risco de cofres vazios teria levado a uma frustrada tentativa de acordo no final de semana. Acordo entre os dois grupos que polarizaram o pré-conclave. Ou seja, acordo entre o grupo reformista da Cúria, liderado por Angelo Scola e o grupo antirreformista da cúria, com Odilo Sherer à frente.
Pelo acordo, Sherer seria o papa e o italiano Scola ficaria, como secretário de Estado (equivalente a primeiro-ministro) no governo da Cúria, que deseja reformar. Scola teria resistido ao acordo. Até porque teria, no momento, 40 votos e o brasileiro Scherer apenas 25. Mais ainda, o secretário de Estado é nomeado pelo papa e, como o latim é língua oficial do Vaticano, demissível “ad nutun”, ou seja, com um balançar de cabeça do papa.
Como o acordo não saiu, apareceu um terceiro papável italiano e com trânsito na política italiana. Trata-se do biblista e hebraísta Gianfranco Ravasi. O cardeal Ravasi conta com o lobby fortíssimo da agremiação laico-social dos Focolari. E o lobby dos focolari é tão forte como o religioso do Opus Dei ou o lobby da Comunhão e Libertação que apoiam Scola. Já o lobby dos Cavaleiros de Colombo, fundado em 1920 nos EUA, é feito para eleger o carismático e bem humorado cardeal de Nova York.
Pano rápido. A Itália recorda, desde 25 de fevereiro, os 10 anos de morte do magistral Alberto Sordi. E Sordi dizia que muitos entram na capela Sistina como papas e saem dela como cardeais. O certo mesmo é que, nessa eleição, o Espírito Santo ficou num segundo plano.