Itália tenta desvendar fenômeno Grillo
De Pádua (Itália)
Publicado no jornal Valor Econômico em 12/03/2013
Desde que o fenômeno Beppe Grillo atropelou a Itália nas eleições de fevereiro, os italianos buscam entender o que aconteceu, e, principalmente, o que pensa e o que fará o comediante que vai definir o futuro do governo. Num país obcecado pela política, o tema superou até a sucessão papal na mídia. São horas e horas diárias de programação na TV para tentar desvendar, afinal, que Grillo é esse.
E Grillo não ajuda a resolver esse mistério. Ele fala pouquíssimo à imprensa italiana, com a qual mantém uma relação tensa. Acusa-a de conivência com os poderes políticos e econômicos que levaram à degradação do país. Sabe-se, claro, o que ele defendeu na campanha eleitoral, mas não se sabe se insistirá em propostas como o calote da dívida pública e um plebiscito sobre a saída do euro. Tampouco se sabe o que fará a partir desta semana, quando toma posse o novo Parlamento, no qual seu partido, o Movimento 5 Estrelas, será o fiel da balança. Essa indefinição tem pesado sobre a Itália.
Na Itália, o sistema de governo é parlamentarista. Os eleitores elegem o Parlamento, que, por sua vez, elege o primeiro-ministro. Grillo só não será o novo premiê da Itália pois seu partido concorria sozinho, enquanto os demais estavam em coligação com vários outros e, por isso, ficaram com bancada maior na Câmara. No Senado, porém, nenhum partido ou coligação obteve maioria. E, sem isso, é quase impossível governar. Assim, o futuro do governo italiano depende de quem Grillo vai apoiar.
Se é que vai apoiar alguém. Ontem, ele reiterou sua disposição de não apoiar ninguém. Isso pode levar à convocação de eleições antecipadas. Mas há uma série de problemas legais para antecipar eleições antes de outubro. Ou seja, o país corre o risco de ter um governo provisório até lá.
Que havia muita insatisfação na Itália era evidente, mas, ainda assim, a evolução do movimento de Grillo foi impressionante. Em 2009, o comediante cogitou participar das prévias do Partido Democrático (PD), herdeiro do antigo Partido Comunista Italiano. Foi impedido. À época, um dos líderes do PD, Piero Fassino, hoje prefeito de Turim, aconselhou a Grillo que fundasse o seu próprio partido. Vamos ver quantos votos ele obtém, disse Fassino à época. O vídeo com essa declaração, hoje constrangedora, está na internet.
Grillo, cujos espetáculos há anos se baseavam numa crítica sarcástica aos partidos, aos políticos, ao governo, ao fechado setor corporativo italiano e ao sistema financeiro, seguiu o conselho. Ele já tinha um blog, que virou um movimento cívico, que virou um partido.
Para satisfazer a curiosidade de Fassino (que tem evitado comentar o assunto), o M5E foi o mais votado nas eleições parlamentares de fevereiro, a primeira votação nacional de que participava. Obteve 25,5%, contra 25,4% do PD e 21,6% do PDL, de Berlusconi. Pela primeira vez na Europa ocidental no pós-guerra, um partido estreante foi o mais votado. O M5E ficou à frente em 6 das 20 regiões italianas, de norte a sul do país.
Muitos analistas, como Beppe Severgnini, do jornal “Corriere della Sera”, dizem que possivelmente nem Grillo esperava o sucesso que teve. Pesquisas antes das eleições davam ao M5E cerca de 16% das intenções de voto. Eles acreditam que o comediante queria um palanque no Parlamento, mas não ser obrigado a definir o futuro do país. E, agora, se vê obrigado a tomar decisões para as quais não estava preparado. E, se apoiar um governo, a cumprir promessas difíceis de manter e até inconciliáveis.
Despreparada é ainda a acusação à bancada de Grillo. Todos os mais de 150 parlamentares “grillinos” são novatos. E são em média muitos jovens.
Será o caos, então? Pode ser que sim, mas muitos defensores de Grillo vieram a público para tentar tranquilizar os italianos. E os assustados parceiros europeus.
O primeiro foi Dario Fo, Nobel de Literatura, que se tornou uma espécie de porta-voz informal do M5E no imediato pós-eleição. “Eu gostei da sua força, da sua paixão extraordinária, daquela pegada utópica que a esquerda perdeu faz tempo. Mas também do seu realismo, de querer consertar coisas sérias e bem precisas”, disse Fo sobre o colega ator Grillo, em entrevista ao jornal “La Repubblica”.
Severgnini observa que muito da retórica política italiana, de tons exaltados, incluindo a de Grillo, é incompreendida no exterior, pois é levada ao pé da letra. Ainda assim, os italianos se assustam quando ouvem Grillo dizer que não fará acordo com nenhum partido e que mira ter 100% no Parlamento. “O último que quis ter 100% na Itália foi Mussollini, e deu no que deu”, disse Andrea Castagna, secretário geral da seção de Pádua da central sindical CGIL.
Muitos eleitores de Grillo esperam que ele faça algo bem antes de eventualmente chegar aos 100%. O empresário italiano Massimo Colomban, fundador da multinacional Permassteelisa, explicou na TV o que o levou a apoiar Grillo, junto com outros empresários da tradicionalmente conservadora região Vêneto, onde o M5E foi o mais votado. “Grillo foi o único que veio até nós discutir o programa de governo”, afirmou à TV. A primeira medida acertada, disse ele, foi zerar os impostos sobre a folha de pagamento e os investimentos.
Questiona-se como Grillo faria para cumprir promessa como a de renda mínima mensal de mil euros para quem precise. Segundo cálculos, isso exigiria cerca € 38 bilhões por ano, dinheiro que a Itália não tem. Grillo diz que vai combater a sonegação e o desperdício.
Grillo pode ter trazido ideias novas à política italiana. Agora terá de mostrar como executá-las. Ou dar WO e apostar numa nova eleição. Isso deverá ser definido nas próximas duas semanas.