Tradução pela equipe Vila Vudu

Publicado em 11/3/2013, Kevin Gosztola, pelo The Dissenter
http://dissenter.firedoglake.com/2013/03/11/navy-linguist-faces-additional-charge-of-violating-espionage-act/

O caso de Hitselberger é o sétimo que o Departamento de Justiça julga no governo do presidente Barack Obama, em que se interpreta como crime a posse não autorizada ou a divulgação de informação classificada [não necessariamente secreta, mas considerada ‘sensível’, em diferentes graus de classificação], nos termos da “Lei Antiespionagem” [orig. Espionage Act] – lei do tempo da 1ª Guerra Mundial, aprovada em 1917, que foi usada então para silenciar dissidentes.

Um linguista contratado pela Marinha e acusado de ter praticado duas violações do que dispõe a Lei Antiespionagem, por ter mantido consigo “informação da defesa nacional”, foi acusado agora pelo governo Obama, de uma terceira violação da mesma lei.

James F. Hitselberger trabalhava no Bahrain como tradutor. Era colecionador de documentos. Como o descreve Steven Aftergood, do site Secrecy News,[1] Hitselberger é “colecionador peripatético de documentos raros.” Em seu quarto, onde, teria sido encontrado “um documento classificado em abril de 2012”, havia jornais e muitos livros. Alguns de “seus achados ao longo dos anos” foram doados “à Hoover Institution da Universidade Stanford – onde realmente há uma “Coleção James F. Hitselberger”.[2] A coleção inclui “cartazes e panfletos políticos que coletou no Irã pré-revolucionário.”

Agentes dos serviços de investigação criminal da Marinha, como se lê na acusação redigida contra ele, encontraram documentos classificados, recolhidos por Hitselberger, e carimbados como “secretos”. Também encontraram um “documento classificado intitulado “Bahrain Situation Update” [Atualização sobre a situação do Bahrain] datado de 13/2/2012.”

Como já se viu acontecer em outros casos em que indivíduos foram acusados de guardar ou divulgar informação classificada, a defesa de Hitselberger está contestando a constitucionalidade da Lei Antiespionagem.[3]

Hitselberger está sendo acusado de violar o item 793(e) da Lei Antiespionagem, e argumenta, em declaração divulgada pelo site Secrecy News:

A lei visa a impor penas a quem deliberadamente retenha documentos que contenham informação relativa à segurança nacional. A expressão “relativa à segurança nacional” cobre tamanha quantidade, massiva, de informação, que a lei deixa sem definir qualquer diferença clara entre a conduta criminosa e a conduta não criminosa; o § 793(e) não identifica a indispensável especificação que caracterizaria um estado mental criminoso. Por fim, o § 793(e) diz que a conduta é criminosa, se a pessoa retém informação que a pessoa deva entender que possa ser usada para ferir os EUA. Essa frase também é inconstitucionalmente vaga.

O juiz que preside o julgamento de Hitselberger reconheceu que Hitselberger “não distribuiu a informação classificada para qualquer ‘poder estrangeiro’.” Implica que o governo não o acusa de ter tentado “oferecer vantagem a nação estrangeira”, por ter mantido com ele os documentos.

A defesa argumenta que, no processo EUA v. Rosen, a corte reconheceu que “instrução padrão específica não bastava para suprir a falta de precisão, inconstitucional, do § 793(e). A corte entendeu que o intento – agir com conhecimento de que a conduta violaria a lei e de que a divulgação da informação implicaria ameaça à segurança nacional – definia conduta que o acusado poderia ter adotado “por algum motivo saudável”.

Além disso, no julgamento, a corte exigiu que o governo provasse que o acusado, naquele caso, teria divulgado informação “com propósito de má fé, ou para ferir os EUA ou para ajudar algum governo estrangeiro”. Sem essa prova, toda a acusação fracassou.

O que é a tal “informação de defesa nacional”? Como argumentou o professor e especialista Melvin Nimmer, “há incontáveis documentos sobre os  establishments do Exército e da Marinha, ou atividades relacionadas à prontidão da defesa nacional, que não ameaçam nenhum interesse concebível de segurança nacional ou favorecem interesses de outros governos, o que justificaria a condenação de alguém que ‘comunicasse’ tais documentos.”

A declaração prossegue:

O texto da lei permanece inconstitucionalmente impreciso, porque não se tipifica suficientemente a informação, para que um possível acusado saiba claramente que tipo de documento pode e não pode ter em seu poder, divulgar ou não divulgar. A exigência de que seja documento ou informação “classificada” tampouco deixa claro do que trata a lei. O sistema de ‘classificação’ de informações, em uso pelo Executivo, não manifesta qualquer clareza. A limitação não cuida de situações “nas quais indivíduos revelem informação que de modo algum deveria, para começar, ter sido classificada, dentre as quais informações sobre programas e atividades ilegais do próprio governo.” Um carimbo sobre um documento, que o identifique como classificado, “é, no máximo, uma referência circunstancial” reconhecida insuficiente para que aí se apliquem outras leis, que não a Lei Antiespionagem; e não bastam para agregar significado a frases vagas daquela lei. [negritos nossos]

A defesa também objeta à expressão “ferir os EUA ou ajudar algum governo estrangeiro”, porque “cria tal amplidão, que viola a Constituição dos EUA” e “criminaliza condutas que não ferem os EUA, ainda que ajudem algum governo estrangeiro.”

Além disso, a expressão é “geral demais para sobreviver à proteção assegurada pela 1ª Emenda”, porque, como disse Nimmer, “Dado que esse padrão jamais seria aceitável em outros contextos de discurso, não há razão para que seja mais aceitável onde o interesse do contradiscurso seja a segurança nacional.” Por isso, a defesa alega que:

Não há aqui qualquer orientação, só que o acusado tenha motivos para crer que a divulgação da informação feriria os EUA ou ajudaria nação estrangeira. Mas esse dispositivo de lei é excessivamente abstrato para que satisfaça essa exigência. Nada há de “limitado, objetivo e definido” nessa expressão, nem qualquer definição dos limites do tipo de informação cuja divulgação se inscreveria no campo da conduta criminosa.

O caso de Hitselberger é o sétimo que o Departamento de Justiça julga no governo do presidente Barack Obama, no qual o governo interpreta como crime a posse não autorizada ou a divulgação de informação classificada [não necessariamente secreta, mas considerada ‘sensível’, em diferentes graus de classificação (NTs)], nos termos da “Lei Antiespionagem” [orig. Espionage Act] – lei do tempo da 1ª Guerra Mundial, aprovada em 1917, que foi usada então para silenciar dissidentes nos EUA.

No caso de Bradley Manning, a defesa perguntou, rejeitando a acusação: “Que tipo de ferimento e que tipo de vantagem são considerados no item 793(e)? Qual a magnitude considerada do ferimento ou da vantagem? Essas perguntas levam à questão crucial dos termos e dos objetivos vagos: como alguém algum dia saberá qual a conduta que a lei proíbe, se a própria lei deixa tantas perguntas sem resposta?”

A defesa de Bradley Manning argumenta que “nos termos do item 793(e), se um repórter tem informação não autorizada relacionada à defesa nacional e publica essa informação em matéria jornalística, tendo motivos para crer que aquela informação naquela matéria possa ser usada para ferir os EUA ou dar vantagem a alguma nação estrangeira, esse repórter fica em posição de poder ser alvo de processo criminal.”[4]

Mas a juíza, no caso Manning decidiu que não cabe descartar as acusações feitas contra Manning nos termos da Lei Antiespionagem por serem inconstitucionalmente vagas ou abusivas. (O governo continua empenhado em levar a julgamento as acusações formalizadas nos termos da Lei Antiespionagem, mesmo depois de Manning ter-se confessado culpado em algumas outras acusações, dia 28/2/2013.)

A defesa de John Kiriakou, o agente da CIA que cumpre pena de 30 meses de prisão, depois de ter-se confessado culpado por violar a [lei] Intelligence Identities Protection Act (IIPA), foi inicialmente condenado por violar a Lei Antiespionagem – e sua defesa conseguiu contestar a condenação,[5] porque Kiriakou fora funcionário da CIA. “Por que a divulgação de informação relativa a identidade ou atividade de funcionários da CIA que trabalharam no exterior há mais de cinco anos, feriria os EUA?” – perguntou a defesa.

Thomas Drake, ‘vazador’ da Agência de Segurança Nacional (NSA) enfrentou acusações nos termos da Lei Antiespionagem, quando foi processado; sua defesa argumentou que:

A lei criminaliza o âmago do discurso político – nesse caso, uma tentativa de discutir abertamente e expor uma fraude, desperdício e abusos praticados e cometidos por uma agência governamental. A lei também proíbe, impropriamente, a liberdade de imprensa, ao criminalizar a posse de informação e de documentos necessários para que a imprensa informe ao público sobre condutas do governo e para que participe do debate sobre políticas governamentais. Por mais que o governo sem dúvida tenha interesse em proteger a segurança nacional, o item 793(e) não está satisfatoriamente modelado para alcançar aquele legítimo interesse governamental.[6]

O governo Obama trabalhou para converter a Lei Antiespionagem em Lei dos Segredos do governo Obama. Nessa direção, o governo Obama já processou mais de o dobro de ‘vazadores’, que todos os presidentes anteriores, somados.

Seja ou não adequado ou recomendável que Hitselberger entregue documentos a um arquivo público ou guarde-os com ele, há excesso da Procuradoria que use a Lei Antiespionagem contra ele. Há medidas administrativas que facilmente indicariam a Hitselberger que parasse de fazer o que fazia.

Mas, como em casos anteriores, os Procuradores do Departamento de Estado querem desesperadamente condenar alguém usando a Lei Antiespionagem, para que aumente a força do governo Obama para impedir o livre fluxo de informação, inclusive no caso de informação carimbada como super-mega-hiper-over secreta, que tenha de ser acessível à opinião pública.

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* Essa tradução exige revisão técnica, por alguém versado na terminologia jurídica. Fica aqui, apenas, como sugestão de leitura ‘informativa’ e tradução a ser corrigida, que dá notícia do “estado de vigilância” em que os EUA estão naufragando. O Brasil tem longa e triste história de “Leis de Segurança Nacional”, algumas das quais serviram como fundamento legal do estado de exceção, durante todo o longo período mais negro da longa ditadura brasileira [NTs].

[1] http://www.fas.org/blog/secrecy/2012/11/collector_charged.html

[2] http://www.oac.cdlib.org/findaid/ark:/13030/kt909nf448/

[3] http://www.oac.cdlib.org/findaid/ark:/13030/kt909nf448/

[4] http://www.fas.org/sgp/jud/manning/051012-vague.pdf

[5] http://www.fas.org/sgp/jud/kiriakou/062112-dismiss47.pdf

[6] http://www.fas.org/sgp/jud/drake/022511-motion52.pdf