O pernambucano Gregório Lourenço Bezerra nasceu em Panelas (PE) na virada do século, em 13 de março. Viveu o século XX desde suas primeiras alvoradas, atravessando-o e testemunhando a tumultuada vida política do país e da história da contribuição comunista brasileira. Gregório passou 22 de seus 83 anos de vida preso por motivos exclusivamente políticos. Faria, nesta quarta-feira (13), 113 anos, mas faleceu na capital paulista há vinte anos.
De origem camponesa sofrida, só se alfabetizou aos 25 anos, mas já se interessava por política. Com 17 anos, trabalhando na construção civil, ficou preso cinco anos por participar de uma manifestação de apoio à Revolução Bolchevique e das primeiras ondas de greve geral por direitos trabalhistas no Brasil.
Alfabetizou-se, fez carreira militar e filiou-se ao PCB de Recife com 30 anos. Em cinco anos, já liderava a Intentona Comunista na capital pernambucana. Preso, novamente, divide cela no rio de Janeiro com Luís Carlos Prestes, secretário-geral do PCB e ex-comandante da Coluna Prestes. 
Com o fim do Estado Novo, foi anistiado e elegeu-se constituinte (depois deputado federal), em 1946, por Pernambuco, na legenda do PCB, sendo o deputado constituinte mais votado do estado. Teve seu mandato cassado em 1948, juntamente com todos os parlamentares comunistas. Viveu na clandestinidade por nove anos, organizando núcleos sindicais no Paraná e em Goiás.
Mais uma vez, foi preso imediatamente após o golpe militar brasileiro de 1964, nas terras da Usina Pedrosa, próximo a Cortês-PE, pelo capitão Álvaro do Rêgo Barros, quando tentava organizar a resistência armada dos camponeses ao golpe. Gregório defendia o governo federal de João Goulart e o governador Miguel Arraes de Alencar. Sua tortura foi exposta pela televisão em Recife. Foi libertado apenas em 1969, juntamente com outros 14 presos políticos, em troca do embaixador norte-americano seqüestrado Charles Elbrick. Exilou-se no México e na União Soviética, voltando em 1979.
Em 1982, Gregório tornou-se suplente de deputado federal pelo PMDB.
Sua história épica se mistura a do Brasil e a do Partido Comunista. Já recebeu homenagens em prosa, verso, melodia e obras públicas. Mais uma vez, para homenageá-lo, o Portal da Fundação Maurício Grabois, publica a entrevista em vídeo de Gregório, assim como trechos da biografia (no prelo) de Pedro Pomar, escrita por Osvaldo Bertolino, em que Pomar, Grabois e Diógenes Arruda lembram o pernambucano.
Entrevista Histórica com Gregório Bezerra
Pedro Pomar, Maurício Grabois e Diógenes Arruda falam de Gregório Bezerra
Pedro Pormar
Trecho da biografia de Pedro Pomar, de Osvaldo Bertolino, no prelo
Em Pernambuco, (…) o comando da 7ª Região Militar, desrespeitando a Constituição, proibiu a realização de um comício no Parque Treze de Maio, no Recife (em 1947), contra os projetos que pretendiam cassar os mandatos comunistas. A decisão violava a norma constitucional de autonomia dos entes federados, uma vez que o governo local autorizara o evento.
Segundo comunicado daquele comando militar, o motivo da proibição era a presença do deputado comunista Gregório Bezerra, que estivera no Estado preparando o comício e confirmava “suas intenções anunciadas na Câmara dos Deputados em 27 de novembro de agitar as massas em Pernambuco como represália à lei em elaboração sobre a cassação dos mandatos”. Pedro Pomar denunciou que a decisão baseava-se na ação do truculento chefe de polícia local, Alarico Bezerra, nomeado “pelo grupo fascista” no poder, que estaria “permitindo violências contra o povo”. A nota do comando da 7ª Região Militar dizia que as instruções eram “para reprimir energicamente, em cooperação com as outras classes armadas, qualquer ameaça de perturbação da ordem”.
As instruções passavam por cima da autoridade do governador, ao dar ordem ao secretário de Segurança, e deixava os agentes de Alarico Bezerra de mãos livres para praticar violências. Em entrevista após um ato preparatório ao comício que seria realizado no Parque Treze de Maio, o chefe de polícia fez ameaças explícitas. “Sabe o amigo o que é opinião pública? Os ouvintes do comício representam a opinião pública. E a opinião pública ali estava a pé, a cavalo e motorizada”, disse. “Não haverá mais comício no Recife. Nortearemos nossa ação no futuro em concordância com os termos da nota oficial publicada hoje”, avisou. Segundo Maurício Grabois, que fez dobrada com Pedro Pomar na denúncia daquele ato discricionário, Alarico Bezerra reeditava as palavras do chefe nazista Goering, que dizia: “Quando ouço falar em cultura, ponho a mão no revólver.”
(…)
Os préstimos do mandato de Pedro Pomar logo seriam requeridos também para proteger um dos deputados cassados, o pernambucano Gregório Bezerra. Sete dias depois da perda do mandato ele foi preso na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, em plena luz do dia, debaixo de pancadas. A prisão fora ordenada por ninguém menos que o ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa, que agia como cão de guarda de Dutra (então presidente da República).
Gregório Bezerra era acusado de haver incendiado o quartel do 15º Regimento de Infantaria em João Pessoa, no Estado da Paraíba, a dois mil quilômetros da cidade em que se encontrava e dela não saíra. Avisado, Pedro Pomar correu em socorro do agora ex-deputado federal para evitar que fosse trucidado. Mesmo assim, Gregório Bezerra ficou incomunicável por três meses. Transferido para o Recife, foi julgado pelo Conselho da Justiça Militar e cumpriu dois anos de prisão.
A represália a Gregório Bezerra fez Pedro Pomar ocupar a tribuna da Câmara dos Deputados sistematicamente para exigir notícias do “bravo filho de Pernambuco”. “Afinal de contas, o que ocorre com Gregório Bezerra? Por que lhe cassam o direito de defesa?”, indagou. Segundo Pedro Pomar, o grupo “militar-fascista” criou uma novela para espalhar calúnias contra os comunistas. “Há três dias, enviamos um advogado à Paraíba. Até agora o causídico não teve oportunidade de verificar se o senhor Gregório Bezerra lá se achava porque o inquérito se processa sob sigilo”, denunciou.
(…)
Foram mais de 72 horas de explosões. Projéteis foram lançados ao ar, entre balas de fuzis e granadas, deixando paredes arrebentadas, vidraças estraçalhadas, telhados destruídos. Muitos destroços ficaram espalhados pela Avenida das Bandeiras. A série de explosões no Depósito Central de Armamento e Munição do Exército, considerado o maior da América do Sul com 10 paióis e 60 depósitos de armamentos bélicos, que fizeram estremecer todo o subúrbio de Deodoro, no Rio de Janeiro, serviu de pretexto para mais terrorismo policial. “O estado de sítio foi praticamente proclamado”, disse Pedro Pomar na Câmara dos Deputados.
Lares foram violados, a Folha do Povo, de Pernambuco, foi suspensa e a sede da Tribuna Popular foi invadida. A organização “Movimento de ajuda popular”, criada para angariar recursos para o PCB, também foi varejada. Mais de 300 pessoas foram submetidas a suplícios, segundo Pedro Pomar. “Este incêndio serviu até para arbitrariedades no Estado do Amazonas”, disse, mostrando um telegrama que recebera relatando prisões de acusados de um plano nacional de sabotagem organizado pelos comunistas. Pedro Pomar denunciou também que 73 pessoas foram presas no Rio Grande do Sul, acusadas de “planos fantásticos de sabotagem, que a polícia diz ter descoberto”. Em Pernambuco, os redatores da Folha do Povo foram presos.
O país estava sendo varrido por uma onda de provocações e terrorismo policial, disse Pedro Pomar. Ele leu na tribuna da Câmara dos Deputados um telegrama dando conta que em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, a câmara municipal reunira-se em sessão solene para defender “a ordem e a autonomia do município”. Dizia o texto que a cidade estava ao deus-dará com as ações de cangaceiros organizados pelo PSD local, com apoio da polícia, que desrespeitavam ordens baixadas pelo Executivo e ameaçavam a vida de funcionários. Em pleno feriado de comemoração do tri-centenário da Batalha de Guararapes, a jangunçada do PSD, de peixeira em punho, arrancou o pavilhão nacional da fachada da prefeitura.
O incêndio de Deodoro, disse Pedro Pomar, era sabotagem do governo, como foi o caso de João Pessoa que serviu de pretexto para a prisão violenta de Gregório Bezerra. “Desafiamos que o governo, num regime de plenas garantias democráticas, possa provar qualquer acusação dessas que a polícia e a imprensa vendida ao imperialismo fazem aos comunistas. Vale dizer que nenhum dos presos foi inquirido sobre a tragédia de Deodoro. Entretanto, nós demonstraríamos com facilidade quais os verdadeiros sabotadores e dilapidadores do bem público”, afirmou.
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Marício Grabois
Trecho da biografia de Pedro Pomar, de Osvaldo Bertolino, no prelo
No Recife, uma “malta de vagabundos e polícias”, segundo disse Maurício Grabois na tribuna da Câmara dos Deputados, ameaçou o jornal local do PCB. Ele estava na cidade e presenciou “um assassino conhecido, velho agente de polícia” que contava em sua folha de serviço com “numerosos assassinatos, inclusive o do jornalista José Lourenço Bezerra, irmão do senhor Gregório Bezerra, e de operários presos em 1935”, colocar-se “à frente de cinqüenta desocupados, ameaçando empastelar a Folha do Povo”. “O povo mobilizou-se em frente à redação do referido jornal, esperando que a malta de provocadores fosse atacar esse órgão de imprensa, para lhe dar a resposta merecida”, discursou.
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Entrevista com Diógenes Arruda Câmara
Foi verdadeiramente emocionante (o comício do Partido Comunista do Brasil, então PCB, no Parque Treze de Maio, no Recife, Pernambuco, em 1945). Pernambuco havia sofrido muito com a repressão. Vários dirigentes e militantes do Partido haviam sido mortos barbaramente pela polícia de Pernambuco. Entre eles, um irmão de Gregório Bezerra, chamado Lourenço Bezerra, que tinha uma mulher e cinco ou seis filhos. O maior tinha parece que 5 anos de idade. Pois bem. Foram quebrando as mãos, os braços do Lourenço, para ele dizer alguma coisa.
E Lourenço, mesmo tendo uma mulher e cinco ou seis filhos, nunca disse uma palavra — e morreu assim. Também me recordo de um dirigente do Partido chamado Luiz Bispo, era o primeiro-secretário. Foi preso em 1936, reagiu à prisão e aqueles bandidos da polícia política de Pernambuco, que tinha Etelvino Lins à frente, torturaram tanto o Luiz Bispo que depois tiveram que juntar os ossos e enterrá-los num saco de aniagem — porque aquilo já era uma massa informe. Mas Luiz Bispo também nunca disse uma palavra (pronuncia com voz grave e pausadamente).
Leia a íntegra da entrevista aqui:
http://fmauriciograbois.org.br/portal/cdm/noticia.php?id_sessao=29&id_noticia=101