A Starbucks é uma típica multinacional moderna: fala em ética mas arruma maneiras de pagar um imposto ridiculamente baixo
Paulo Nogueira
A Starbucks é uma típica empresa da era moderna. A razão: ela encontrou uma série de manobras para reduzir ao mínimo os impostos a pagar. É o que se poderia definir como legalidade amoral e cínica.
A rede mundial de cafés está nas manchetes dos sites da Inglaterra. Isso depois que a Reuters trouxe à luz a relação da Starbucks com o fisco britânico.
Desde 1998, quando chegou ao mercado do Reino Unido, a Starbucks faturou, nele, 3 bilhões de libras. Uns 9 bilhões de reais. O total de impostos pagos, no período, ficou em 8,6 milhões de libras. Isso quer dizer cerca de 0,3%.
É insignificante, naturalmente. Mas é provável que essa contribuição se torne ainda mais risível. Nos últimos três anos, a Starbucks britânica não pagou simplesmente nada de imposto.
Como nota a Reuters, a companhia diz uma coisa ao mercado e outra ao fisco. Ao mercado, diz que é lucrativa. Ao fisco, que é deficitária. Na verdade, ela é lucrativa – mas uma engenharia fiscal sofisticada leva a Starbucks a uma situação de extremo conforto fiscal.
Para uma empresa que se declara um bastião da ética, é um paradoxo. Balzac escreveu que o melhor roubo é aquele que se dá dentro da legalidade, e é exatamente este o caso da Starbucks – e de tantas outras grandes corporações multinacionais.
Nos últimos meses, no esforço de compreender a enorme concentração de renda no mundo, os balanços de grandes corporações foram estudados por especialistas em tributação em vários países.
O que se viu foi uma profusão de fórmulas para escapar – legalmente – da taxa justa de impostos. O Senado americano estudou, particularmente, as grandes empresas de tecnologia, com resultados chocantes.
Google? Paga muito menos do que deveria. Apple? Também. Microsoft? Também. Hewlett Packard? Também. A esperteza, é claro, não está confinada à área de tecnologia, como mostra o caso da Starbucks.
A estratégia mais comum é ter um escritório num paraíso fiscal e concentrar nele as declarações de renda. A Apple e a Microsoft, por exemplo, mantêm escritórios em Nevada, onde o imposto corporativo é irrelevante. Mas há muitas outras manobras.
As empresas se defendem dizendo duas coisas, essencialmente. Primeiro, que estão dentro da mais absoluta legalidade. Depois, que existe aí uma questão de competividade.
As duas coisas são, a rigor, verdadeiras. Departamentos de contabilidade criativos encontram brechas legais para diminuir a carga de impostos. E do ponto de vista da competitividade, se uma grande empresa paga a taxa justa e sua concorrente não, ela terá sérios problemas para sobreviver.
Mas, com todas as ressalvas, está criada uma situação simplesmente insustentável. A receita dos governos acaba ficando depauperada, e a conta recai na viúva, no aposentado – nos 99%, em suma. Fora isso, como o caso da Grécia mostrou, nenhuma economia sobrevive quando a evasão de impostos — ainda que legal — vira esporte nacional.
O que se viu nos últimos meses, no mundo, foi a revolta dos 99%. Os protestos que nasceram em Nova York e se espalharam pelo mundo gritam, basicamente, o seguinte a diversos governos: em vez de pedir sacrifícios a nós, os 99%, cobrem antes o 1% escandalosamente mimado.
Todas as corporações que estão sendo denunciadas por malandragem fiscal, no mundo, têm operações no Brasil. No entanto, nunca a Receita Federal se pronunciou sobre elas. Nunca, também, a grande imprensa procurou saber se elas fazem aqui o que fazem lá fora.
A Reuters fez jornalismo invesgativo de alta qualidade para contar a lamentável história fiscal da Starbucks no Reino Unido.
As grandes empresas brasileiras de jornalismo estão tão ocupadas em propagar a falácia do Custo Brasil que não têm tempo de investigar um tema – o imposto pago por corporações como Gooble etc –que é de genuíno interesse nacional.