«O Euro e a dívida – défices estruturais»
Quero começar por saudar todos os presentes e sublinhar a importância que damos a estes encontros de reflexão do PCP com personalidades de vários quadrantes e de várias áreas do conhecimento, com o sentido de, na exposição, no debate e no contraditório, encontrar os melhores caminhos, propostas e soluções, com um objectivo central: retirar o país do fosso em que se encontra, numa perspectiva de desenvolvimento económico e social.
Como aqui foi salientado, continuam a procurar focar o âmago da crise no défice orçamental e na dívida pública, não havendo nunca qualquer referência à dívida privada, em especial à dívida da banca, e às responsabilidades do sistema financeiro na crise que estamos a viver!
A este respeito, uma primeira anotação: se bem que a dívida já vinha a aumentar, designadamente após a adesão ao euro, a verdade é que um ano antes de rebentar a crise (2006), a dívida pública portuguesa era inferior à de vários países da União Europeia (Itália, Bélgica,…) e estava ao nível da Alemanha e da França.
Então o que fez disparar a dívida pública?
Foi porque a partir daquela data o Estado passou a gastar muito mais com a saúde, o ensino, a segurança? Não.
O aumento dos défices orçamentais, que em 2006 ainda era de 3,1% do PIB e em 2007 de 3,6%, assim como da dívida pública dispararam devido à crise e às erradas políticas seguidas.
Na verdade, o disparo da dívida deve-se, no essencial:
– às erradas respostas à crise, primeiro com a expansão da despesa, por orientação da União Europeia, e depois com a travagem abrupta e com o BCE a aumentar a taxa de referência, o que levou a uma quebra substancial de receitas, ao agravamento da situação social e ao aumento das prestações sociais;
– ao auxílio directo e indirecto à banca, com dinheiros públicos, e toda a orientação europeia de exclusivo auxílio à banca e à custa do Orçamento e da política do BCE – emprestar à banca a 1% e a 0,75% contra a entrega de títulos por parte desta – a maior parte de dívida pública, recusando financiar directamente os Estados. Sublinhe-se que o BCE não hesitou em ultrapassar os seus estatutos para socorrer os bancos com as medidas ditas «não convencionais», mas recusou-se sempre a fazê-lo em relação aos Estados;
– às políticas de travagem da economia, que levaram ao afundamento do PIB e à intensificação das medidas chamadas de austeridade mas, na realidade, medidas de concentração da riqueza, aumentando as fortunas de uma minoria e o empobrecimento da maioria!
Mas se a aceleração da dívida pública se verificou com o rebentamento da crise, a verdade é que esta já vinha a aumentar desde a adesão ao Euro, com o aumento dos principais défices estruturais da nossa economia.
Como principais factores temos a financeirização da nossa economia, com o crescente recuo na actividade produtiva, indústria, agricultura, pescas, e consequente substituição da produção nacional pela estrangeira. A degradação do aparelho produtivo e a financeirização da economia são os pontos nodais desta situação.
Os factores essenciais que conduziram a esta situação prendem-se com:
– a adesão ao Euro e a crescente perda de competitividade da nossa economia, em consequência da política do Euro forte;
– as privatizações, com a perda de importantes empresas e sectores, e o crescente domínio do capital estrangeiro (encerramento de empresas, deslocalização de centros de actividade e produção para outros países e aniquilação prática de sectores produtivos que quase desapareceram do país, como a metalomecânica pesada).
As respostas dadas à crise, e designadamente à questão da dívida pública, do défice e do financiamento do país, conduziram e continuam a conduzir Portugal para o desastre económico e para a tragédia social, de que o desemprego é um dos principais expoentes.
Hoje são muitos daqueles que contestavam as nossas reiteradas afirmações e avisos, a chegarem à conclusão:
– de que as políticas ditas de austeridade não resolvem o problema do país, antes o agravam, conduzindo-o a uma sucessão de medidas de empobrecimento da maioria e para o risco da «armadilha da deflação»;
– de que Portugal não se pode só centrar nas exportações (ainda por cima quando era previsível que a União Europeia entrasse em estagnação e recessão), antes tem também de procurar no alargamento do mercado interno, através de uma mais justa distribuição do Rendimento Nacional e do aumento dos salários, incluindo do salário mínimo nacional, a saída para o crescimento económico;
– de que o país não pode ficar à espera do investimento privado pois, como a vida o mostra, é necessário o impulso do investimento público reprodutivo;
– de que Portugal necessita de renegociar a dívida, em todos os seus termos – prazos, juros e montantes – , não aceitando o garrote que lhe impuseram;
– de que a política do Euro forte, que serve os interesses do grande capital, designadamente alemão, é incompatível com o desenvolvimento do país – veja-se o comportamento do PIB desde a adesão ao euro e a crescente guerra das moedas.
A dívida e os níveis de endividamento do Estado têm sido utilizados pelo actual Governo e já tinha sido utilizado pelo anterior do PS, com o objectivo de reduzir ao mínimo as chamadas funções sociais do Estado, transferi-las em grande parte para o sector privado e levar ao empobrecimento milhões de portugueses, transferindo muita da riqueza criada pela força do trabalho para o capital, provocando um retrocesso social de muitas décadas.
É hoje claro que o crescente nível de endividamento dos Estados não é uma doença dos Estados do Sul da Europa – a dívida pública média da União Europeia era em 2007 de 59% e passou para 87% em 2012 e até a dívida pública alemã a passou de 65,2% para 82% – ela reflecte também as alterações ao financiamento dos Estados resultantes da criação da União Económica e Monetária e a intervenção que todos os Estados Europeus fizeram a seguir à crise financeira de 2007/2008, em socorro dos banqueiros e dos grandes accionistas a que chamaram salvação do sistema financeiro.
Só a alteração das regras de financiamento dos Estados Europeus, não permitindo de vez que o seu financiamento continue a depender dos mercados – os chamados mercados da dívida pública dominados pelos investidores institucionais – permitirá travar a especulação em torno da compra e venda de dívida pública e a consequente subida em flecha do seu endividamento. A compra e venda da dívida pública dos Estados passaram a ser uma das operações financeiras mais rentáveis e para onde estão a ser encaminhados grande parte dos recursos financeiros dos Bancos em vez de financiarem a chamada economia real.
Como há muito o PCP vem denunciando, o endividamento externo líquido do país é uma das consequências mais visíveis da política de desastre nacional que PS, PSD e CDS impuseram nos últimos 37 anos. Um endividamento liquido, público e privado, que assume hoje a colossal dimensão de mais de 116,6% do PIB e que é inseparável, como já afirmámos, de um processo de desindustrialização, de abandono do aparelho produtivo, das privatizações, de financeirização da economia, da submissão às imposições da UE, da adesão ao Euro e mais recentemente, da resposta à crise do capitalismo e à sua expressão financeira que abriu caminho a uma criminosa espiral especulativa.
Portugal tem hoje um PIB, em termos reais, idêntico ao de 2002 – e o investimento é hoje, em termos reais, inferior ao nível de investimento de 1995.
Só com um forte ritmo de crescimento económico, dada a elevada taxa de juro média implícita no serviço da dívida pública, será possível travar o ritmo de crescimento do peso da dívida no PIB e, complementarmente, com a renegociação da dívida.
A resposta a estas duas questões – a renegociação da dívida pública e do crescimento com a defesa da produção nacional – não é de solução fácil, nem livre de dificuldades e constrangimentos, mas é aquela que em vez de defender os interesses do capital, assume o compromisso com as necessidades dos trabalhadores, do povo e do país.
Em relação à renegociação da dívida, longe de constituir uma medida isolada é a opção por um caminho de ruptura e mudança com o actual rumo em curso.
Na actual situação do país, o processo de renegociação da dívida pública portuguesa tornou-se uma decisão inevitável. Uma decisão tanto mais útil quanto se realize antes que se acentue ainda mais o rasto de destruição que as “medidas de austeridade” provocam, e que as grandes potências da União Europeia querem adiar visando a alienação das dívidas de países como Portugal por parte da banca europeia.
Um processo de renegociação que, ao contrário do que alguns pretendem, terá inevitavelmente de envolver custos também para os credores.
Os trabalhadores e o povo português não podem continuar a suportar sacrifícios para encher os bolsos dos especuladores e da banca, ao mesmo tempo que o país se afunda na recessão económica, o desemprego alastra e o custo de vida aumenta.
Mas não basta resolver o problema da dívida e do financiamento do país. É necessário dar resposta ao que lhe deu origem: – o crescente enfraquecimento do aparelho produtivo.
Em relação ao crescimento, este deve basear-se numa política de defesa e promoção da produção nacional em especial de bens transaccionáveis, de substituição de importações, de aposta em exportações de forte valor acrescentado – o que coloca a questão do investimento produtivo, da produtividade e da competitividade como questões nodais – de aposta na agricultura e nas pescas, a par de um programa de industrialização do país.
Subsiste a questão de fundo relativa ao Euro que exige continuar a ser aprofundada, tendo em conta a evolução da realidade europeia e portuguesa, como aliás, aqui se fez.
O PCP não tem qualquer dúvida sobre a incompatibilidade radical entre a permanência no Euro forte e na UEM, e uma política alternativa que definimos para nós e propusemos aos portugueses como patriótica e de esquerda, capaz de travar o rumo para o desastre que está em curso e abrir caminho ao crescimento económico e ao emprego.
Mas a saída do Euro – seja por decisão soberana do Estado Português ou por agudização das contradições no seio da zona Euro, ou mesmo a sua dissolução, sendo sempre uma condição necessária, embora não suficiente, exige na sua concretização assegurar condições e medidas que preparem tal mudança.
Quando falamos da adopção de condições e medidas que preparem o país face a qualquer reconfiguração da zona Euro estamos exactamente a falar da realização de condições que, com a saída do Euro, possam assegurar uma verdadeira política alternativa, capaz de garantir o desenvolvimento do país.
Para que os custos dessa saída sejam reduzidos tanto quanto possível.
A posição contrária do PCP a quando da adesão, a nossa sistemática denúncia das consequências da política do Euro forte ao longo destes anos, que se traduziram em 2007 na Conferência Económica e Social, na reclamação como objectivo político, do fim da UEM, não deveria, em plena crise do Euro e da zona Euro, deixar qualquer dúvida sobre o nosso posicionamento relativamente à UEM e à manutenção do país no Euro!
Nem tão pouco ser confundida com aqueles que, reclamando-se de esquerda, não vêem outra solução que não seja a de em todas as circunstâncias, perpetuar a permanência no Euro e aprofundar o federalismo na União Europeia em todas as suas dimensões.
Mas não temos dúvida, também, que a situação hoje, depois de 10 anos de Euro e os complexos laços institucionais financeiros e económicos, e a realidade económica criada com uma nova moeda, se possam «desfazer», pura e simplesmente, por decisão política, como se fosse possível o regresso ao passado, ao ponto de partida, quando havia Escudo e não havia Euro.
Não temos dúvidas que uma coisa é a questão da saída e das condições de saída sob um governo patriótico e de esquerda como aquele que defendemos, e outra, a de uma saída sob a tutela de um governo com políticas de direita, que não deixaria de fazer recair sobre os mesmos de sempre, os trabalhadores, os reformados, os micro, pequenos e médios empresários, todos os custos da saída.
Porque ninguém tem dúvidas que no Euro ou fora do Euro, quais os interesses de classe que seriam defendidos e protegidos por um poder político de direita, ao serviço do capital financeiro dos monopólios, submetido ao Directório e à Alemanha.
Entendendo a questão do Euro, a retoma da soberania monetária e cambial, como uma questão central de uma verdadeira alternativa, afirmar de forma estrita e seca a «saída do Euro», a modos que salvação milagrosa do país, sem o quadro de políticas que a deve enquadrar/acompanhar é, na nossa opinião, uma abordagem redutora do problema.
Tal como ainda recentemente o afirmámos em Congresso é obrigação de um futuro governo que assuma efectivamente a defesa dos interesses nacionais, dos trabalhadores e do nosso povo preparar o país para a saída do Euro. Num processo que pressupõe ser considerado também na articulação com outros países, a braços com os mesmos problemas.
Tal como o PCP, desde o primeiro momento denunciou, a criação do Euro confirmou-se, como parte do projecto estratégico de domínio do grande capital e das principais potências europeias e um instrumento de exploração dos trabalhadores e dos povos.
A crise do Euro, corolário lógico das bases em que assenta a União Económica e Monetária, revela-o. Tal como a realidade actual da União Europeia e do nosso próprio país, onde pesam as políticas e medidas de austeridade e os chamados “programas de ajustamento financeiro” que constituem programas de transferência de recursos públicos dos países e das grandes massas populares para o grande capital.
Os últimos acontecimentos em Chipre com as medidas de confisco impostas ao povo cipriota revelam bem a natureza espoliadora deste projecto. Ao trabalhadores e ao povo de Chipre mais uma vez reafirmamos a nossa solidariedade e ao povo português a garantia que jamais aceitaremos tanto o confisco dos salários e dos subsídios, como não aceitaremos o confisco dos depósitos das poupanças do povo. Tanto mais quanto quem vai arrecadar esse roubo são os mesmos do costume – o capital financeiro.
Um projecto de domínio estratégico que hoje se refina com o desenvolvimento de novos instrumentos, nomeadamente com a governação económica, o Pacto para o Euro Mais e o chamado Tratado Orçamental e que visam criar um quadro de constrangimento absoluto à assumpção, pelos Estados, de qualquer projecto de desenvolvimento próprio e soberano.
É em ruptura com este projecto de domínio imperialista que afirmamos uma alternativa de desenvolvimento para o país no quadro de uma nova política – patriótica e de esquerda – que propomos ao país e que exige um governo capaz de a concretizar.