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    Comunicação

    Chipre e o adeus ao ‘estado estúpido’

    Londres – A crise em Chipre, último capítulo das turbulências econômicas da eurozona, está mudando a política de resgates do setor bancário seguida pelos 17 países que adotam o euro como moeda. Em declarações ao Financial Times, Jeroen Dijseebloem, presidente do eurogrupo (de ministros de finanças da zona do euro), disse que é hora dos […]

    Londres – A crise em Chipre, último capítulo das turbulências econômicas da eurozona, está mudando a política de resgates do setor bancário seguida pelos 17 países que adotam o euro como moeda. Em declarações ao Financial Times, Jeroen Dijseebloem, presidente do eurogrupo (de ministros de finanças da zona do euro), disse que é hora dos investidores assumirem os resgates do setor financeiro. “Não está certo que o setor público acabe pagando o risco assumido pelo setor financeiro. Se queremos ter um setor financeiro saudável, temos que dizer que se fazem apostas arriscadas, têm que assumir os perigos associados a elas. Se não podem fazê-lo, não façam apostas”, assinalou Dijseebloem. Em outras palavras, adeus ao “estado estúpido” que assume os desastres do setor privado e é eternamente castigado por sua suposta ineficiência.

    Jeron Dijseebloem é o ministro de Finanças da Holanda, um trabalhista moderado (social-democrata) que surpreendeu a Europa ortodoxa no início de fevereiro, ao nacionalizar o quarto banco nacional, o SNS Reaal, sem pagar os acionistas ou seus credores. Dijseebloem tem perfil próprio, mas se descarta que suas declarações ao Financial Times contem com o respaldo do governo alemão da chanceler Angela Merkel. O acordo para resgatar Chipre, equivalente a 10 bilhões de euros, é um exemplo deste novo modelo que, segundo destacou o Financial Times, “desloca o risco do contribuinte para o investidor”. O acordo estipula um confisco para todos os depósitos superiores a 100 mil euros até somar mais de 5 bilhões de euros. Em outras palavras, os investidores terão que enfrentar perdas equivalentes a mais da metade do pacote pactuado com a Troika.

    No centro da crise estão o Banco Laiki e o banco de Chipre que concentram a metade dos depósitos da ilha. Ninguém sabe a porcentagem exata que será extraída dos correntistas do Laiki, ao qual só restam alguns poucos milhões de euros em dinheiro vivo, nem quanto o Banco do Chipre terá que retirar de seus próprios clientes para chegar aos quase 5,5 bilhões de euros. O ministro de Finanças da Alemanha, Wolfgang Schauble, defensor radical dos programas de austeridade, calcula que o confisco será de cerca de 50%. Alguns estimam que será mais. Outros que será menos.

    Em todo caso a raiz do problema é clara. Os bancos cipriotas tinham cerca de 67 bilhões de euros em depósitos, umas três vezes do Produto Interno Bruto da ilha: quase a meta eram contas de aproximadamente 130 mil euros. Uma ilha de 860 mil habitantes que maneja estas cifras tem um nome: paraíso fiscal. Os depósitos nas contas dos bancos cipriotas pagavam um juro muito superior ao oferecido por qualquer praça europeia e não havia perguntas sobre a origem do dinheiro, mas a forte exposição de Chipre à crise grega terminou fazendo desmoronar o castelo de cartas. Calcula-se que depositantes russos têm até 40 bilhões de euros nestes bancos.

    Nos últimos meses apareceram alguns sinais de que a crise da zona do euro não está passando em branco sequer para o pensamento predominantemente ortodoxo que segue governando a Europa. No final de fevereiro, a União Europeia definiu um teto para as bonificações dos banqueiros e um mês mais tarde, na Suíça (que não é membro da eurozona, mas sim da European Free Trade Association), um referendo aprovou fortes restrições aos salários dos executivos. A partir de janeiro de 2014 entrará em vigor a Taxa Tobin para as transações financeiras em 11 países da União Europeia, com o que se espera arrecadar cerca de 35 bilhões de euros anuais. No caso de Chipre, é a primeira vez na breve história dos resgates da Troika que os mais ricos arcarão com o peso da crise.

    Não é o caso de estourar garrafas de champagne. Está claro que a hegemonia das finanças na economia mundial segue vigente, mas é também certo que a onda expansiva do estouro financeiro de 2008 segue se fazendo presente. Chipre é o primeiro resgate que se faz de um paraíso fiscal. Em sua entrevista ao Financial Times, Jeroen Dijseebloem não deixou de advertir a outros dois membros da eurozona – Luxemburgo e Malta – que funcionam com a mesma lógica de Chipre, que as coisas estão mudando. “Esta crise significa que é melhor lidar com os problemas antes que eles explodam. Reforcem seus bancos e acertem seus balanços porque se aparecem problemas a resposta não vai ser que vamos resolver o assunto”, assinalou.

    O problema é que Chipre, Luxemburgo e Malta são apenas a ponta do iceberg de uma rede tão emaranhada que, segundo a organização que fiscaliza o tema em nível internacional, a Tax Justice International, um dos principais paraísos fiscais do mundo é uma cidade de fachada respeitável, com uma grande história e onde raramente se vê o sol: Londres.

    Tradução: Katarina Peixoto para a agência Carta Maior

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