Taxa de juros: Limites civilizados
A redução permanente da taxa de inflação no Brasil para limites civilizados está longe de poder ser resolvida pela elevação da taxa de juros, simplesmente com a manipulação da Selic. Todos sabem, em especial nos mercados financeiros, que conter a inflação depende de uma ação coordenada dos governos e do suporte da sociedade na redução dos benefícios ilegítimos apropriados por amplos segmentos nos setores públicos e privados.
É de setores do mercado financeiro que surgem, contudo, as reações menos “civilizadas” à postura cautelosa do governo no trato da política monetária. Quando o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, diz, em audiência pública no Senado Federal, que o mercado precisa entender não haver “qualquer hipótese de o governo da presidenta Dilma e o próprio BC serem tolerantes com a inflação”, logo os agentes financeiros começam a especular que a autoridade monetária prepara o ambiente para a alta da Selic, “se não na reunião de maio do Copom, quem sabe até antes, na de abril…”
Especuladores muito ansiosos defendem sem constrangimento a conveniência de promover a elevação do juro -real “para gerar logo algum desemprego e, assim, reduzir a taxa de inflação que teima em se aproximar do limite superior da meta”. Como o mercado é viciado em volatilidade, agentes mais excitados trataram de enxergar ambiguidade na colocação de meridiana clareza do presidente do BC, em resposta ao questionamento dos senadores durante a audiência desta semana. “Se e quando for necessário, o Banco Central usará os instrumentos de política monetária para que a convergência da inflação para a meta se materialize mais à frente”, disse Tombini.
Ainda que a relação empírica entre a taxa de desemprego e a taxa de inflação seja pouco precisa, ela é em geral negativa. Isso sugere que a resposta da demanda e da oferta globais ao aumento da taxa de juros real seria no sentido de reduzir as duas, produzindo menor taxa de inflação, menor PIB e maior desemprego!
Devido à visível volatilidade da economia mundial e na esperança de o choque de oferta da agricultura ser corrigido ao menos em parte pela nova safra, mas fundamentalmente diante do enorme custo social da medida, é compreensível a atitude de cautela da autoridade monetária. O Copom tem de estar preparado, para “se e quando for necessária”, como disse Tombini, mas não pode e não deve se apressar.
É nesse contexto que deve ser entendida a declaração da presidenta Dilma, motivo de reações um tanto histéricas nos mercados, ao afirmar que seu governo “não aceita embarcar em políticas que reduzam o crescimento para combater a inflação”.
Basta olhar em volta, na tragédia econômica e social de uma boa parcela do mundo “civilizado”, seus 50 milhões de desempregados, para perceber o sentido cru da mensagem presidencial aos brasileiros: “Não esperem que eu acabe com o emprego de vocês, aumentando a taxa de juros até o ponto de terminar com a inflação”.
Vivemos um problema antigo a pôr em confronto a Economia, medidas econômicas razoavelmente apoiadas em construções teóricas e pesquisas empíricas e os problemas do seu custo social, de que cuida a Política no sentido geral. Isso se deve ao fato de a Economia ser uma disciplina pronta a esconder suas incertezas com letras gregas e apresentar rigor matemático, mas que, ao fim e ao cabo, continuam incertezas…
As regularidades econômicas não são constantes no tempo como as leis da Física (seu mundo não é ergódico). Os objetos de sua ação não são um ponto sem dimensão em um espaço topológico. São indivíduos que aprendem, protestam, reagem e, no fim, votam! A política monetária é um jogo vivo, dinâmico, sujeito às fraquezas dos atores. Isso sugere que ela não é nem pode ser independente das consequências sociais objeto da Política em geral e, nos regimes democráticos, da urna, em particular…
Como é evidente, nem a solução proposta por assessores econômicos prontos a aviar as receitas sem consideração dos custos à sociedade, defendida por economistas que se supõem portadores de uma “ciência monetária”, nem as propostas sustentadas por mal disfarçada ideologia, ignorantes das relações econômicas (por mais imperfeitas), podem levar à construção de uma sociedade civilizada e eficiente.
Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
Publicado na Carta Capital