Irã, Paquistão, Síria, Qatar: O Oleogasodutostão em funcionamento
Desde o início dos anos 2000s, analistas e diplomatas em toda a Ásia sonham com uma futura Grade Asiática de Segurança Energética.
Disso se trata – dentre outros desenvolvimentos –, da conclusão do trecho final do gasoduto de 7,5 bilhões de dólares, 1.700 km de extensão, para transporte de gás natural entre Irã-Paquistão, o gasoduto IP, que começa no campo iraniano gigante de South Pars, no Golfo Persa, e deve estar plenamente operante no final de 2014.
Ninguém perde dinheiro apostando na reação de Washington: se Islamabad insistir nesse gasoduto IP, estará “violando as sanções da ONU contra o programa nuclear do Irã”. Mas nada disso tem qualquer coisa a ver com a ONU: só tem a ver com sanções inventadas pelo Congresso e pelo Departamento do Tesouro dos EUA.
Sanções? Que sanções? Islamabad precisa desesperadamente de energia. A China precisa desesperadamente de energia. E a Índia será furiosamente tentada a seguir a mesma via, sobretudo quando o gasoduto IP alcançar Lahore, a apenas 100 km da fronteira da Índia. A Índia, já que se falou dela, está importando petróleo iraniano e não está sendo castigada por isso.
Todos a bordo do trem ganha-ganha
Quando o presidente Mahmoud Ahmadinejad e o presidente paquistanês Asif Zardari encontraram-se no porto iraniano de Chabahar, no início de março, já transcorrera muito tempo desde a primeira vez em que se falou de gasoduto Irã-Paquistão, em 1994 – então chamado Irã-Paquistão-Índia (IPI), também conhecido como “oleogasoduto da paz”. As pressões subsequentes, pelos dois governos Bush, foram tão violentas, que a Índia abandonou a ideia em 2009.
O gasoduto Irã-Paquistão é o que os chineses chamam de “negócio ganha-ganha”. O trecho iraniano já está concluído. Sabedora dos imensos problemas de fluxo de caixa que Islamabad enfrenta, Teerã está emprestando $500 milhões; e Islamabad entrará com $1 bilhão, para concluir o trecho paquistanês. Interessa anotar que Teerã só concordou com emprestar o dinheiro, depois que Islamabad comprometeu-se a não desistir (como fez a Índia), por mais que Washington a pressione.
O gasoduto Irã-Paquistão, como cordão umbilical chave (de aço), zomba da divisão artificial, estimulada pelos EUA, entre xiitas e sunitas. Teerã precisa desse alívio, e de maior influência no sul da Ásia. Ahmadinejad até riu: “com gás natural ninguém faz bomba atômica”.
Zardari, por sua vez, melhorou as próprias chances para as eleições paquistanesas, dia 11 de maio. Com o gasoduto Irã-Paquistão bombeando 750 milhões de metros cúbicos de gás natural para o coração da economia paquistanesa, terão fim os cortes de energia e as fábricas não fecharão. O Paquistão não tem petróleo. Pode ter alto potencial para energia solar ou eólica, mas não há nem capitais de investimento nem know-how para desenvolvê-lo.
Dar as costas a Washington é fórmula garantida de sucesso político-eleitoral no Paquistão, sobretudo depois da invasão territorial, em 2011, para assassinar Bin Laden; e, isso, sem falar dos ataques ininterruptos que Obama e a CIA mantêm, dia e noite, sem descanso, com os seus drones, contra as áreas tribais.
Mais importante que isso, Islamabad sabe que terá de manter íntima cooperação com Teerã, para assegurar o controle do Afeganistão, depois de 2014. Se o Paquistão não se aproximar de Teerã, a Índia lá chegará, e haverá uma aliança Índia-Irã na cabine de pilotagem.
Um tal Plano B sugerido por Washington não passou de algumas vagas promessas de construir barragens hidrelétricas, que se encaixaria num oleogasodutostão norte-americano, miragem que o deserto inspira aos norte-americanos, sempre só no papel, mas desde a era Bill Clinton.
O Ministério de Relações Exteriores em Islamabad argumentou que cabia a Washington, no mínimo, tentar manifestar alguma compreensão.[1] Quanto à vivaz imprensa paquistanesa, está em campo.[2]
E o grande vencedor é… a China
O gasoduto Irã-Paquistão já é protagonista-estrela da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda – das que realmente contam,[3] não as que só existem na imaginação de Hillary Clinton. E há também a estratégica, ultra sumarenta questão Gwadar.[4]
Islamabad decidiu entregar à China não só o controle operacional do porto de Gwadar no Mar da Arábia, no ultra sensível sudoeste do Baloquistão; crucialmente importante, Islamabad e Pequim também assinaram acordo de $4 bilhões para construir uma refinaria de petróleo, que refinará 400 mil barris por dia e será a maior refinaria do Paquistão.
Gwadar, porto de águas profundas, foi construído pela China, mas até recentemente era administrado por Cingapura.
O plano de longo prazo dos chineses é uma maravilha. O próximo passo, depois da refinaria de petróleo, será implantar um oleoduto que ligue o porto de Gwadar a Xinjiang, paralelo à rodovia Karakoram, o que configurará Gwadar como nó chave de distribuição para todo o Oleogasodutostão, levando gás e petróleo do Golfo Persa até o oeste da China. Assim estará afinal superado o “dilema de Ormuz”, que Pequim ainda enfrenta.
Gwadar, porto estrategicamente localizado na confluência entre o sudoeste e o sul da Ásia, não distante da Ásia central, emergirá afinal como centro de distribuição de gás, petróleo e petroquímicos – com o Paquistão como corredor de energia crucial, unindo Irã e China. Isso tudo, é claro, desde que a CIA não ponha fogo no Baloquistão.
O inevitável resultado de curto prazo de tudo isso é que a obsessão norte-americana por sanções e mais sanções está prestes a ser despachada para o fundo do Mar da Arábia, não muito longe de onde descansa o cadáver de Osama bin Laden. E, com o gasoduto Irã-Paquistão, IP, convertido em IPC – com a adição da China – talvez a Índia também acorde, fareje o cheiro de gás e tente ressuscitar a ideia inicial de um gasoduto IPI, Irã-Paquistão-Índia.
O ângulo sírio do Oleogasodutostão
Esse claro, visível, grande sucesso dos iranianos no sul da Ásia contrasta com seus padecimentos no sudoeste da Ásia.
Os campos de gás de South Pars – o maior do mundo – são partilhados entre o Irã e o Qatar. Teerã e Doha desenvolveram relação extremamente complexa, em que se misturam cooperação e duríssima concorrência.
A razão crucial (nunca declarada) pela qual o Qatar trabalha tão obcecadamente pela ‘mudança de regime’ na Síria, é matar ainda no berço o oleoduto de $10 bilhões que ligará Irã-Iraque-Síria, cuja construção foi acordada em julho de 2011. O mesmo se aplica à Turquia – porque esse oleoduto IIS passará longe de Ancara… que sempre se apresenta como encruzilhada chave na distribuição de energia entre ocidente e oriente.
É claro que o oleoduto Irã-Iraque-Síria é tão amaldiçoado em Washington quanto o outro, Irã-Paquistão. A diferença é que, no caso do oleoduto IIS, Washington pode contar com os aliados Qatar e Turquia para que sabotem toda a iniciativa.
Isso implica sabotar não só o Irã, mas também a estratégia dos “Quatro Mares” que o presidente sírio Bashar al-Assad anunciou em 2009, pela qual Damasco se converteria em um portal de acesso para o Oleogasodutostão, conectada ao Mar Cáspio, ao Mar Negro, ao Golfo Persa e ao Mediterrâneo Leste.
É estratégia que mostra uma Síria em íntima conexão com os fluxos de energia iraniana – não com a energia qatari. O oleoduto Irã-Iraque-Síria, ISS, é conhecido na região como o “oleoduto da amizade”. Como nunca deixaria de fazer, a imprensa-empresa ocidental refere-se a ele como “oleoduto ‘islâmico’” (e os oleodutos sauditas seriam o quê?! Católicos?!). O que torna tudo ainda mais ridículo é que o gás que viaja por esse oleoduto corre para a Síria e dali para o Líbano – e do Líbano escorre para mercados europeus próximos, todos carentes, famintos, famélicos, de energia.
Os jogos no Oleogasodutostão complicam-se ainda mais se se soma aí o ultra complexo caso de amor ‘energético’ entre o Curdistão iraquiano e a Turquia, bem detalhados por Erimtan Can[5] – e as recentes descobertas de gás no Mediterrâneo Leste, em águas territoriais de Israel, Palestina, Chipre, Egito, Líbano e Síria; vários deles, talvez todos esses atores, podem transformar-se, de importadores, em exportadores de energia.
Israel terá a clara opção de enviar seu gás por gasoduto para a Turquia e dali exportá-lo para a Europa. É o que explica o tal telefonema de ‘desculpas’ (conversa fiada) entre Erdogan, primeiro-ministro da Turquia, e o israelense Netanyahu, que Obama agenciou.
As fronteiras terrestres e marítimas entre Israel e Líbano continuam pendentes de uma nebulosa ‘Linha Azul’ da ONU, criada nos idos de 2000. Damasco – como Teerã – apóiam Beirute, mais uma vez contra o desejo de Washington. E Damasco também apóia a estratégia de Bagdá de diversificar os meios de distribuição, mais uma vez na tentativa de escapar do Estreito de Ormuz. Daí a importância do oleoduto Irã-Iraque-Síria.
Não surpreende que a Síria seja a linha vermelha demarcada por Teerã. Agora, todo o Oleogasodutostão está à espera: quer saber até que ponto o Qatar está disposto a acompanhar a ensandecida obsessão de Washington.
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[1] http://dawn.com/2013/03/08/iran-gas-pipeline-fo-hopes-us-will-show-empathy/
[2] “LAHORE: Dois dias depois de EUA lançaram ameaça velada contra o Paquistão e os planos do país para importar gás natural do Irã, o presidente Asif Ali Zardari disse, no sábado, que o projeto multibilionário será completado, custe o que custar’.
“Ninguém tem poder para fazer parar esse projeto” – disse o presidente Zardari a um grupo de editores da imprensa escrita e âncoras de redes de televisão, em Bilawal House, Lahore, no sábado. “Como estado soberano, o Paquistão pode firmar qualquer acordo, com qualquer país, com vistas a equacionar nosso problema de energia” – Zardari acrescentou (Tribune, Islamabad, em http://tribune.com.pk/story/515045/iran-gas-pipeline-project-unnerved-by-us-threats-pakistan-stands-firm/)
[3] http://www.foreignpolicy.com/articles/2012/01/23/all_silk_roads_lead_to_tehran?wp_login_redirect=0
[4] 9/5/2009, Pepe Escobar, “Balochistan is the ultimate prize”, Asia Times Online, em http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/KE09Df03.html
[5] http://istanbulgazette.com/the-bigger-picture-turkeys-kurdish-issue-and-pipelineistan/2013/04/01/
Publicado em 14/4/2013, Pepe Escobar, Russia Today
http://rt.com/op-edge/iran-pakistan-syria-pipeline-843/
Traduzido pelo coletivo Vila Vudu