Responsável por subsidiar as investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o grupo de trabalho que fará o resgate da história e memória de trabalhadores que foram perseguidos, torturados e assassinados, como também as diversas intervenções que ocorreram nas organizações do campo e da cidade no período da ditadura militar (1964-1985), foi instalado oficialmente em reunião nesta segunda-feira (15).

O colegiado que reúne as centrais sindicais (CUT, CTB, Força, Nova Central, UGT, Conlutas e Intersindical) se debruçará a partir de 11 eixos: Levantamento dos Sindicatos que sofreram invasão e intervenção no golpe e após o golpe; Investigação de quantos e quais dirigentes sindicais foram cassado pela ditadura militar; Quais e quantos dirigentes sindicais sofreram prisão imediata ao golpe; Levantamento da destruição do patrimônio documental e físico das entidades sindicais; Investigação sobre prisões, torturas e assassinatos de dirigentes e militantes sindicais urbanos e rurais; Vinculação das empresas com a repressão; Relação do serviço de segurança das empresas estatais e privadas com a repressão e atuação das forças armadas; Legislação anti-social e anti-trabalhadores (lei de greve, lei do arrocho salarial, lei do fim da estabilidade no emprego, entre outras); Levantamento da repressão às greves; Tratamento dado a mulher trabalhadora durante a repressão; Levantamento dos prejuízos causados aos trabalhadores e suas entidades pelo regime militar para reparação moral, política e material.

A construção de um capítulo específico sobre a classe trabalhadora ganhou musculatura após reunião entre a CUT e a presidenta Dilma Rousseff em fevereiro deste ano, conforme assinalou Rosa Cardoso, uma das sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade e responsável por coordenar o capítulo dos trabalhadores.

“Já existiam outros grupos de investigação sobre a imposição do golpe, contexto, locais, operação Condor, guerrilha do Araguaia. A partir da expressividade e da quantidade de relatos sobre as atrocidades cometidas contra os trabalhadores surgiu a necessidade de criarmos um grupo específico. E em conversa com a presidenta Dilma a CUT levantou esta questão e, tão logo, aprofundamos a construção deste grupo de trabalho“, elencou Rosa.

Somente no primeiro dia do golpe 400 sindicatos do campo e da cidade sofreram intervenções do Estado. No período seguinte, mais 300. Diversas diretorias foram cassadas, líderes sindicais perseguidos, torturados, mortos e muitos ainda continuam desaparecidos.

Casos como de Aluísio Palhano, funcionário do Banco do Brasil, demitido após o golpe. Ex-presidente da Contec (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito) e militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), exilou-se no México e voltou ao Brasil clandestinamente na década de 1970, mas foi preso em maio de 1971 a partir de delação feita pelo Cabo Anselmo. De acordo com relatos de testemunhas, Palhano sofreu torturas por longos onze dias no DOI-Codi e desde então não se tem mais notícias sobre seu paradeiro.

Ou Virgílio Gomes da Silva, trabalhador da Nitro Química na década de 50. Militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e da ALN (Aliança Libertadora Nacional), foi preso em setembro de 1969 e brutalmente torturado no DOI-Codi de São Paulo. Depois de sua prisão, Virgílio nunca mais foi visto.

“Queremos que o relatório final da Comissão sintetize todas as atrocidades cometidas contra os trabalhadores e responda aos anseios de tantas famílias que buscam ainda hoje o paradeiro de seus entes. A criação deste capítulo dos trabalhadores é uma grande conquista para nós, lembrando sempre que crimes de lesa-humanidade não prescrevem e, portanto, o relatório final deve servir de base para que a justiça possa julgar e condenar todos aqueles que em nome do Estado cometeram tais crimes”, externou Expedito Solaney, secretário nacional de Políticas Sociais da CUT.

Antonio José Marques, coordenador do Centro de Documentação e Memória Sindical da Central Única dos Trabalhadores (CEDOC CUT), levantou a necessidade de que a Comissão Nacional da Verdade solicite formalmente ao Ministério do Trabalho e Emprego o número de sindicatos que sofreram intervenções e o de trabalhadores que tiveram seus mandatos cassados.

O golpe, segundo Solaney, foi acima de tudo anti-sindical e anti-camponês. Além dos ataques diretos, foram criados dispositivos para enfraquecer o movimento sindical como o fim da estabilidade, a criação do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), arrocho salarial, desemprego. “Toda essa herança é produto da repressão e permanece ainda hoje. Teremos um grande desafio em esmiuçar e investigar a fundo aqueles que financiaram, patrocinaram e sustentaram a repressão. Nomes de empresas, meios de comunicação, colaboração da CIA. Esperamos o engajamento de todas as entidades sindicais para que possamos reconstruir este capítulo obscuro da história do nosso País e que a verdade seja exposta para as futuras gerações”, atentou Solaney.

Algumas entidades sindicais já vem construindo iniciativas próprias de resgate da história. Desde 2009, quando completou 40 anos do desaparecimento de Virgílio Gomes, o Sindicato dos Químicos de São Paulo iniciou um trabalho de resgate da memória junto à categoria. “A juventude precisa tomar conhecimento que se hoje temos uma democracia em nosso país, isso só ocorreu graças ao Virgílio e tantos outros companheiros e companheiras que ousaram lutar e deram suas vidas por um ideal”, destacou Oswaldo Bezerra, coordenador geral do Sindicato dos Químicos.

A partir da demanda das Comissões e Comitês Estaduais e Locais, a advogada Rosa Cardoso afirmou que existe a possibilidade de prorrogar por mais seis meses os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Instituída em maio de 2012, a Comissão tem um prazo de dois anos para investigar as violações aos direitos humanos no período de 1946 a 1988.

Para que haja essa prorrogação será necessário que a presidenta Dilma institua uma mudança na legislação que criou a Comissão da Verdade.

O ato de instalação do grupo de trabalho contou com a presença de lideranças do sindicalismo brasileiro como Gilmar Carneiro, Domingos Galante, José Ibrahim e Chico Bezerra. No dia 6 de maio está marcada uma nova reunião para sistematizar a forma de atuação e metodologia do grupo de trabalho.

Publicado em TVT