Rússia não deveria ter apoiado intervenção na Líbia, diz embaixador no Brasil
“Apoiar a intervenção da OTAN na Líbia contra [Muamar] Kadafi foi um erro diplomático. Por isso vemos com cautela uma intervenção similar na Síria e ações militares contra o regime norte-coreano”. Essa é a opinião do embaixador russo no Brasil, Sergey Akopov, que falou nesta segunda-feira (22/04) em São Paulo no evento “A Rússia e os BRICs, realizado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Sobre o tema sírio, ele defende que “não basta apenas trocar o poder na Síria, a comunidade internacional deve ter o papel de ajudar nas negociações entre os diferentes grupos políticos” no país. Na opinião do embaixador, existe o risco de ser criada uma situação análoga à da Líbia pós-Kadafi, na qual o território líbio quase foi desintegrado. “A Síria é um país importante no Oriente Médio e não podemos permitir uma intervenção similar lá”, pontuou.
“A ideia é só trocar o poder. O Ocidente tem um conhecimento mais reduzido dos processos políticos no mundo islâmico em comparação com a Rússia”, afirmou, ressaltando que Moscou teria vantagem pela geografia, além de várias das ex-repúblicas soviéticas serem de maioria islâmica. “Lidar com essa realidade é algo mais corriqueiro para nós”, acrescentou Akopov.
Península coreana
Sobre o tema da Península coreana, o embaixador russo vê com preocupação o crescimento da tensão político-militar. De acordo com ele, enquanto a Coreia do Norte desenvolvia sua bomba, o mundo “só tinha olhos” para o programa nuclear iraniano, cujo desenvolvimento estava controlado.
“A situação na Coreia do Norte é uma ameaça à paz mundial”, salientou. No entanto, ele defende a negociação por vias diplomáticas: “Pressão militar ou até mesmo sanções poderiam levar a passos perigosos, agravando ainda mais a situação”, disse. Para Akopov, ainda que a Coreia do Norte esteja próxima à Rússia, é a China — também membro dos BRICS – quem deverá se envolver mais diretamente no desfecho dessa situação.
Na visão de Akopov, tanto a situação na Síria quanto a crise nuclear norte-coreana devem ser resolvidas por meio do diálogo. Isso levou a outro ponto da apresentação do embaixador: a necessidade de reforma do sistema político internacional, incluindo nesse âmbito a ampliação do número de membros do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
Conselho de Segurança e BRICS
O diplomata preferiu não falar de modo mais aprofundado sobre qual seria o modelo ideal. “Mesmo dentro dos BRICS não há consenso sobre o novo formato. Se teremos mais membros permanentes ou se serão semipermanentes”, explicou.
“Não acredito que o Conselho de Segurança vá abarcar muitos membros novos, pois um grupo com muitos membros dificilmente chegaria a um consenso”, continuou. Ele também defendeu a manutenção do poder de veto dos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China). De acordo com Akopov, a Rússia é favorável à entrada do Brasil no Conselho de Segurança, “mas não pode expressar esse apoio num documento formal”.
Sobre os BRICS, Akopov o classifica como o fenômeno geopolítico mais relevante do século XXI: “é parte fundamental da estratégia de política externa russa”. Ele enfatizou a importância econômica do bloco, responsável por 50% do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mundial em 2012. Os países do bloco apresentaram um crescimento médio de 4,7% ante os 1,5% dos países integrantes do G7, grupo das sete nações economicamente mais relevantes do planeta.
Segundo Akopov, em um mundo com uma geopolítica policêntrica, deve existir maior intercâmbio econômico e comercial entre diferentes países e mesmo entre blocos regionais. “A essência da criação dos BRICS é seu crescente poderio econômico e seu impulso ao desenvolvimento econômico global”.
Na opinião do embaixador russo, o comércio deve ser usado para influenciar as relações dos países do bloco com o resto do globo em detrimento do “hard power” do aparato bélico-militar. Akopov utiliza o conceito de “soft power” para enfatizar a rejeição dos BRICs a qualquer tipo de intervenção em assuntos da política interna de países em conflito – em menção direta aos conflitos líbio e sírio.
Akopov comentou que ainda não há a previsão de criar um bloco de livre comércio entre os BRICs, mas que há o desejo de criar uma união aduaneira entre o Brasil e a União Euroasiática, formada pela Rússia, Cazaquistão e Belarus. “Cada um dos cinco países já participa de blocos regionais, mas a ideia é fomentar o comércio bilateral e a cooperação econômica entre os BRICs”, disse Akopov.
Mas Akopov também vê obstáculos na consolidação do bloco: há forças centrífugas e pressões externas ao redor dos BRICS. Rússia, Índia e China disputam influência no continente asiático. O embaixador finalmente defendeu uma maior interação entre os países do bloco, para influenciar as decisões do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU, assim comtemplando os interesses dos BRICS.
Publicado em Opera Mundi