INFÂNCIA

 

Aquelas tardes de Três Barras,

Plenas de sol e de cigarras!

 

Quando eu ficava horas perdidas

Olhando a faina das formigas

Que iam e vinham pelos carreiros,

No áspero tronco dos pessegueiros.

 

A chuva-de-ouro

Era um tesouro,

Quando floria.

De áureas abelhas

Toda zumbia.

Alfombra flava

O chão cobria…

 

O cão travesso, de nome eslavo,

Era um amigo, quase um escravo.

 

Merenda agreste:

Leite crioulo,

Pão feito em casa,

Com mel dourado,

Cheirando a favo.

 

Ao lusco-fusco, quanta alegria!

A meninada toda acorria

Para cantar, no imenso terreiro:

“Mais bom dia, Vossa Senhoria”…

“Bom barqueiro! Bom barqueiro…”

Soava a canção pelo povoado inteiro

E a própria lua cirandava e ria.

 

Se a tarde de domingo era tranquila,

Saía-se a flanar, em pleno sol,

No campo, recendente a camomila.

Alegria de correr até cair,

Rolar na relva como potro novo

E quase sufocar, de tanto rir!

 

No riacho claro, às segundas-feiras,

Batiam roupas as lavadeiras.

Também a gente lavava trapos

Nas pedras lisas, nas corredeiras;

Catava limo, topava sapos

(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)

 

Do tempo, só se sabia

Que no ano sempre existia

O bom tempo das laranjas

E o doce tempo dos figos…

 

Longínqua infância… Três Barras

Plena de sol e cigarras!

 

 

Helena Kolody, in A Sombra no Rio, 1951

http://literaturahelenakolody.blogspot.com.br/p/poesias-de-helena-kolody.html