Reunião do GT do Foro de São Paulo em Cuba: união e determinação
O progresso da integração latino-americana depende do fortalecimento dos partidos de esquerda. Com essa ideia central, o dirigente comunista cubano Miguel Díaz-Canel saudou a presença dos representantes da esquerda que se reuniu em Havana, Cuba, nos dias 29 e 30 de abril de 2013 na reunião do Grupo de Trabalho (GT) do Foro de São Paulo para preparar o Encontro da organização que se realizará na capital paulista de 31 de julho a 4 de agosto. Em seu discurso no primeiro dia da reunião do GT, Canel, que é primeiro vice-presidente de Cuba e membro do Birô Político do Partido Comunista, disse que o fortalecimento da esquerda é impostergável para assegurar as mudanças e a integração na América Latina e no Caribe.
Miguel Díaz-Canel Foto: Osvaldo Bertolino
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) participou com uma delegação integrada por Ricardo Alemão Abreu, secretário nacional de Relações Internacionais; Ronaldo Carmona, membro da Comissão Nacional de Relações Internacionais; e Osvaldo Bertolino, da Fundação Maurício Grabois. Estavam presentes também representantes do Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Pátria Livre (PPL) e Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Os mais de 100 delegados de 20 países, representando 44 partidos de esquerda e organizações sociais da América Latina e do Caribe, reunidos no Palácio das Convenções de Havana — um moderno complexo de eventos inaugurado em 1979 por Fidel Castro e construído sob a supervisão de Celia Sánchez — demonstraram unidade e também manifestaram a convicção de que o avanço das mudanças na região depende cada vez mais do fortalecimento dos partidos de esquerda.
A contra-ofensiva da direita, constatou-se, tende a ser cada vez mais ostensiva e para contê-la o movimento progressista deve se preparar política e ideologicamente. “Os processos de mudanças na região, o avanço e a consolidação da integração, precisam do apoio dos partidos de esquerda”, disse Canel. Segundo o dirigente cubano, um dos objetivos estratégicos para esse avanço progressista é o fortalecimento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), bloco integracionista que Cuba preside temporariamente neste ano.
Leque ideológico
Em entrevista ao jornal cubano Granma, o chefe do Departamento das Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, José Ramón Balaguer Cabrera, disse que o Foro de São Paulo ultrapassou a prova do tempo. Segundo a abertura da entrevista, desde que em 4 de julho de 1990 representantes de dezenas de partidos e movimentos políticos progressistas e de esquerda da América Latina e do Caribe se reuniram no hotel Danúbio, no bairro Bela Vista, de São Paulo, para debaterem, durante três dias, acerca da crise do chamado “socialismo real” e expor algumas estratégias ante o avanço do neoliberalismo, a unidade da esquerda na região tem sido um feito de grande valor.
O jornal ressaltou que nunca antes se tinha reunido, num só evento, um leque ideológico tão amplo, diverso e heterogêneo da esquerda regional. Todos respondiam à convocatória que o PT tinha feito para o Primeiro Encontro de Partidos e Organizações Políticas de Esquerda da América Latina e o Caribe, nome originário do que hoje é o Foro de São Paulo. A ideia foi fruto de uma reunião, em Cuba, entre Luiz Inácio Lula da Silva, líder do PT e futuro presidente brasileiro, e o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz. No mundo, os jornais daquele fatídico dia 4 de julho publicaram os caóticos acontecimentos do XXVIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS).
Centena de organizações
Justamente um dia antes, o ministro das Relações Exteriores soviético, Edward Shevardnadze, tinha reconhecido, diante de 5 mil delegados, que a URSS fazia ouvidos moucos do que acontecia no bloco socialista. Na voragem daqueles acontecimentos estava o embaixador cubano na União Soviética, na época, José Ramón Balaguer Cabrera.“Eu estava ali, precisamente no momento em que se estavam desenvolvendo os grandes problemas que acabaram produzindo o colapso da URSS e a eliminação do socialismo na Europa do Leste”, lembra Balaguer ao Granma.
Segundo ele, a situação era muito complicada para as forças revolucionárias e da esquerda na América Latina e no Caribe. “A palavra imperialismo deixou de ser pronunciada e de socialismo nem se falava. Alguns partidos mudaram de nome. Inclusive, alguns consideraram que já não havia necessidade de fazer revoluções.” O encontro de Lula e Fidel, disse Balaguer, foi muito importante para conseguir essa primeira reunião, em 1990. “Seu objetivo principal era convocar as forças de esquerda e demonstrar que, apesar do que estava acontecendo no mundo, existiam possibilidades de uma revolução social e que era possível conseguir uma sociedade com justiça e igualdade de oportunidades.”
Balaguer rememora que sempre teve presente aqueles dias, quando assumiu a chefia do Departamento das Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. Embora muitos agourassem o desaparecimento do nascente mecanismo, durante mais de duas décadas o Foro já efetuou 18 Encontros, em diferentes cidades da região, desde Montevidéu até a Cidade do México, e suas fileiras foram se incrementando, até conseguir a adesaão de quase uma centena de organizações. “A discussão, o diálogo e o respeito às posições de cada movimento estão entre as chaves do sucesso deste Fórum”, afirma Balaguer.
Balanço das forças
Segundo ele, a força central da ideia da unidade da esquerda latino-americana para a Cuba é o desenvolvimento do seu projeto revolucionário. “Sempre temos procurado buscar um objetivo comum, levando em conta que o que estamos desenvolvendo é um caminho rumo ao socialismo. Não existe um modelo de socialismo no mundo e o único que havia sumiu”, afirmou. “Outro aspecto importante tem sido determinar sempre onde está o inimigo principal que, de início, sempre esteve bem claro: os Estados Unidos e sua determinação de impedirem a integração latino-americana, tal como expressou Simón Bolívar há mais de dois séculos”, complementou.
Diferentemente daquela etapa de fundação, quando a hegemonia neoliberal parecia absoluta e Cuba era o único país da região com um projeto social alternativo ao capitalismo, o balanço das forças atuais é muito diferente, com muitos dos movimentos e forças políticas do Fórum exercendo um papel protagonista, a partir do poder. “Quando parecia que o socialismo sumia da face da terra, apareceu este fenômeno revolucionário na América Latina. Volta-se a mencionar essa palavra em nossa região”, afirmou Balaguer. “Na história do nosso continente e das relações da América Latina com os Estados Unidos, jamais houve um momento como este.”
José Ramón Balaguer Cabrera Foto: Osvaldo Bertolino
Balaguer destaca o que significou, nos anos finais do século passado, o triunfo do projeto bolivariano na Venezuela e a figura de seu líder histórico, Hugo Chávez Frias, um fenômeno social e revolucionário que transformou completamente a situação na América Latina e no Caribe. “O projeto de integração regional que se consolida hoje, no qual Cuba assumiu sua posição justa, após décadas de agressões e isolamento, não teria sido possível sem a presença da Revolução Bolivariana; a Revolução Cidadã de Rafael Correa, no Equador; a chegada à presidência do primeiro indígena na história da Bolívia, Evo Morales; o empurrão de países como o Brasil, Argentina e México, bem como a contribuição de cada uma das nações da nossa região.”
Países vulneráveis
O dirigente cubano também ressaltou a ampliação dos espaço de manifestação das ideias progressistas na região. “Quem poderia pensar, há alguns anos, que se conseguiria uma integração latino-americana sem os Estados Unidos? Não à toa a criação da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos foi avaliada pelo general-de-exército Raúl Castro, como o fato institucional mais importante dos últimos 200 anos”, avaliou. Balaguer citou as palavras do presidente cubano, durante a passada Cúpula da Celac, no Chile, quando expressou que “sem nossa unidade, nada seria possível e todo o conseguido se perderia”. “Acontece que, tal como definiu Raúl, a garantia da real independência dos nossos países depende da integração.”
Balaguer disse ainda que essa integração só é possível com a unidade da esquerda. “Neste mesmo sentido é que têm que jogar seu papel os partidos de esquerda para, unidos, influir na realidade de cada uma de suas nações, inclusive dentro do sistema, que é o mais notável dos processos que se estão produzindo”. “Todos nossos países ainda são extremamente vulneráveis à agressividade dos EUA e às manobras da burguesia, como demonstraram o golpe de Estado de Honduras, o golpe parlamentar no Paraguai e as tentativas desestabilizadoras na Venezuela, depois das eleições”, destacou.
O hotel Danúbio, onde tudo começou, hoje está fechado e esquecido na avenida Brigadeiro Luis Antônio, da maior cidade brasileira. Contudo, cada novo Encontro, debate e ação que emana deste mecanismo é uma prova de que, segundo as palavras de José Ramón Balaguer, o Foro de São Paulo ultrapassou a prova do tempo e continua sendo o âmbito apropriado para elevar a consciência em prol da unidade dos partidos de esquerda em nossa região.
Explicação sobre os Lineamentos
Marino Murilo Jorge, vice-presidente do Conselho de Ministros de Cuba, também esteve na reunião do GT e fez uma longa e didática explanação sobre os Lineamentos da Política Econômica e Social do Partido e da Revolução. Em linhas gerais, ele explicou que os Lineamentos estão sendo implementados em consonância com o que foi aprovado delo Partido Comunista Cubano, pela Revolução, pelo Conselho de Ministros, e ratificado pela Assembléia Nacional do Poder Popular.
Ronaldo Carmona, José Ramón Balaguer, Marino Murilo Jorge e Ricardo Alemão Abreu Foto: Osvaldo Bertolino
Algumas das principais decisões são a flexibilização adicional do trabalho por conta própria e seu regime de tributos; a aprovação da política para simplificar os trâmites da transferência da propriedade da moradia e veículos automotores, entre os cidadãos; a política bancária e de créditos às pessoas naturais, incluindo os trabalhadores por conta própria; a definição das bases para elaboração da nova Lei Tributária; a redução dos preços de venda de implementos e insumos aos produtores agropecuários e a comercialização de equipamentos diversos, cuja venda não estava permitida. Outro conjunto de medidas será estudado para aplicação nos próximos meses.
Segundo Ricardo Alemão Abreu, do PCdoB, a reunião acabou se transformando em uma espécie de seminário diante da riqueza do debate em torno do documento apresentado pelos cubanos. Abordando em profundidade temas como a integração regional e a Celac, o texto serviu de ponto de partida para uma manifestação uníssona de solidariedade a Cuba. A intervenção dos dirigentes cubanos também foi importante, avaliou Alemão, porque ofereceu a oportunidade para muitos que ainda não conheciam detalhes dos Lineamentos se inteirar mais sobre o assunto.
Outras missões brasileiras
A reunião do GT, que convocou oficialmente o 19º Encontro em São Paulo, demonstrou entusiasmo com a realização do evento na capital paulista, afirma Alemão. “Esse Encontro tende a ser marcante, histórico, porque vários partidos dos chefes de Estado progressistas da região manifestaram o desejo de que eles estejam em São Paulo”, disse o dirigente do PCdoB. Em sua intervenção, Alemão destacou que este é um momento de maior unidade política da esquerda na América Latina. “Mas esse é um processo que exige uma constante construção das bases da união latino-americana, que exige paciência, persistência e determinação”, comentou.
Senadora Vanessa Graziotin. Ao fundo, Raúl Castro Foto: Osvaldo Bertolino
Além da delegação do PCdoB, estavam em Havana uma missão de parlamentares, coordenada pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), integrada, entre outros, pelo senador Valdir Raup, de Rondônia, presidente nacional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Estavam também representantes do PCdoB na Brigada de Solidariedade a Cuba, ligada ao Instituto Cubano de Amizade aos Povos (ICAP), e uma delegação de mais de 50 sindicalistas ligados à Central dos Trabalhadores Trabalhadoras do Brasil (CTB), que participou das atividades do Primeiro de Maio e de um curso realizado na capital cubana. No dia 2, a delegação esteve em um ato de solidariedade a Cuba organizado pela Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) e o ICAP.
Representantes do PCdoB solidários a Cuba na Praça da Revolução Foto: Osvaldo Bertolino
Primeiro de Maio
A delegação brasileira que representou o PCdoB e a Fundação Maurício Grabois também participou dos festejos do Primeiro de Maio como convidada — assim como todas as delegações do Foro de São Paulo — do Partido Comunista de Cuba na tribuna da Praça da Revolução José Martí, em Havana. Sob o lema “Unidos por um socialismo próspero e sustentável”, Raúl Castro presidiu o desfile, que prestou homenagem especial ao eterno comandante e presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frias. Também foram homenageados os trabalhadores e o povo todo mundo.
Ricardo Alemão Abreu na Praça da Revolução Foto: Osvaldo Bertolino
Às 7h30 da manhã começou o ato nacional na emblemática praça da capital onde, em nome do Bureau Político do PCC, o vice-presidente do Conselho de Estado, Salvador Valdés Mesa, discursou, destacando que Cuba toda se concentra e desfila nas principais praças e avenidas de nossas cidades e povoados, liderada pela classe operária, para expressar a unidade do povo e seu apoio indiscutível à Revolução e ao socialismo, a Fidel e a Raúl. Levantando uma gigantesca faixa com o texto “Orgulhosos de nossa obra”, milhares de trabalhadores do sindicato das Ciências iniciaram a combativa e entusiástica passeata, que começou às 7h40 da manhã, encabeçando uma massa compacta de trabalhadores, que lotaram a Praça, em blocos, representando os 17 sindicatos e os 15 municípios da capital.
Cinco Herois
Na tribuna, junto a líderes do Partido, do Estado e do governo, junto a dirigentes da União dos Jovens Comunistas e das organizações de massa, chefes das Forças Armadas Revolucionárias e do Ministério do Interior, também compartilharam a celebração em Havana mais de dois mil representantes de organizações sindicais, de movimentos sociais e solidários. Os integrantes do Foro de São Paulo foram liderados por Valter Pomar, Rodrigo Cabezas e Rui da Costa Falcão.
Estavam presentes na tribuna também Ivan Melnikov, primeiro-vice-presidente da Duma Estatal Russa (Câmara Baixa), bem como os participantes dos ataques aos quartéis Moncada e Carlos Manuel de Céspedes, expedicionários do iate Granma, familiares dos Cinco herois e das vítimas do crime de Barbados, heróis e heroínas do Trabalho, representantes de partidos e organizações internacionais domiciliados em Cuba e o corpo diplomático. O desfile durou aproximadamente uma hora e 20 minutos, e encerrou-se ao som dos acordes da Internacional Comunista.
Mártires de Moncada
No dia 3, o representante da Fundação Maurício Grabois, Osvaldo Bertolino, visitou a província de Artemisa, onde foi recebido por dirigentes locais do PCC e tomou conhecimento do processo de preparação do arcabouço com as bases legais e o arranjo institucional para ajustar as mudanças funcionais, estruturais e econômicas do país.
Osvaldo Bertolino registra passagem pelo Mausoleu dos Mártires de Moncada em Artemisa Foto: Maria Antonia
A decisão de aplicar o novo modelo, iniciando pelas províncias de Artemisa e Mayabeque, destina-se a testar a separação das funções da Assembléia do Poder Popular e dos Conselhos de Administração. Isso demonstra que os Lineamentos serão experimentados para que seja possível definir o caminho correto e posterior generalização. Essas experiências oferecerão os elementos que permitirão modificar a Constituição da República. No encerramento da visita, Osvaldo Bertolino foi recebido no Mausoléu dos Mártires artemisos que participaram do histórico ataque ao Quartel de Moncada, em 26 de julho de 1953.
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Editor do Portal Grabois