O ex-servidor do DOI-Codi de São Paulo Marival Chaves Dias do Canto afirmou nesta sexta-feira (10) em depoimento à Comissão Nacional da Verdade que, durante a gestão do ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra no DOI-Codi, cadáveres de militantes mortos em centros clandestinos de tortura eram exibidos como “troféus” a agentes do órgão.

Ustra foi o chefe do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do II Exército, órgão de repressão política durante o regime militar, de 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974.

Marival Chaves foi analista do DOI-Codi, em São Paulo, de 1973 a 1975 e relatou que a exibição era como um “troféu” para o comandante do órgão na época, o coronel Brilhante Ustra.

“Pelo menos em duas ocasiões eu assisti a isso. Eu não quero me ater a fatos anteriores à minha chegada lá, que foi em 1973. Acredito que era praxe. As pessoas importantes que eram mortas nas mais variadas circunstâncias eram levadas para lá. As pessoas eram expostas à visitação pública no órgão como um troféu”, disse em entrevista após o depoimento.

De acordo com Claudio Fontelles, integrante da Comissão da Verdade, a informação de que cadáveres eram exibidos a agentes no DOI-Codi é nova. “Nenhuma outra testemunha havia dito isso ainda”, afirmou Fonteles.

O ex-agente foi a primeira testemunha ouvida na audiência desta sexta-feira na sede da Comissão Nacional da Verdade, em Brasília. O coronel Brilhante Ustra depôs em seguida e disse que as organizações clandestinas integradas pela presidente Dilma Rousseff nos anos 1960 tinham por objetivo implantar o comunismo no Brasil.

Ustra negou a acusação do Ministério Público Federal de ocultação de cadáver. “Agi com a consciência tranquila. Nunca ocultei cadáver. Sempre agi dentro da lei”, disse Ustra, que comandou o Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo (DOI-Codi/SP), entre 1970 e 1974.

O coronel compareceu hoje à Comissão e, apesar de decisão judicial que lhe garantia o direito de não se pronunciar durante o depoimento, Ustra falou aos membros da comissão e negou também que tenha cometido assassinato, tortura e sequestro. O ex-comandante afirmou ainda que nenhuma tortura foi cometida dentro das instalações do órgão de repressão do governo militar.

Durante o depoimento, Marival Chaves afirmou que viu dois corpos expostos para visitação interna no órgão, o casal de militantes Antonio Carlos Bicalho Lana e Sônia Maria Moraes Angel Jones. O episódio teria ocorrido, segundo disse, no final de 1973.

“Esse casal foi trazido para o DOI depois de morto e exposto à visitação interna. Eu vi o casal morto e vi perfurações a bala bem direcionadas na cabeça, nos ouvidos”, relatou.

De acordo com o ex-sargento, “o comando era permissivo em relação a esse tipo de atitude”. “Suponho que essas pessoas eram trazidas para o órgão por se tratarem de pessoas importantes”, afirmou Marival.

Ele afirmou ainda que o casal Antonio Carlos Lana e Sônia Angel Jones foi morto em um centro de tortura localizado na Serra do Mar. “Esse cárcere era de um proprietário de uma transportadora de São Paulo”, declarou o ex-agente, sem informar a identidade dessa pessoa.

Outro militante cujo corpo também teria sido exposto dentro do comando foi Yoshitane Fujimori, de acordo com Marival Chaves.

O ex-agente negou que tenha torturado pessoas ou assistido a sessões de tortura, apesar de trabalhar dentro do comando. Ele disse que circulava próximo ao local onde ficavam as salas de tortura, mas que nunca entrou em nenhuma delas.

Chaves relatou que, na Escola Nacional de Informações – órgão criado em 1971 pela Agência Brasileira de Inteligência – os agentes tinham aulas teóricas de “como torturar, como usar o pau de arara, a cadeira do dragão”.

“Era comum também criar teatrinhos, criar histórias para justificar a morte de certas pessoas, como atropelamento”.

Acareação forçada

A tomada pública de depoimentos promovida nesta sexta-feira (10) pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi marcada por momentos tensos envolvendo o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, vereador Gilberto Natalini (PV-SP). Questionado sobre se teria torturado Natalini, em 1972, Ustra respondeu que não tinha nada a dizer e negou o fato. A negativa foi rebatida por Natalini que interrompeu a fala de Ustra aos gritos: “sou um brasileiro de bem. O senhor é que é terrorista. Eu fui torturado pelo coronel Ustra”.

Apoiadores do coronel, que foi comandante do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo (DOI-Codi-SP), entre 1970 e 1974, protestaram. O tumulto interrompeu a sessão durante a qual Ustra negou que tenha havido tortura, sequestro, ocultação de cadáver e mortes durante sua passagem pelo órgão de repressão da ditadura.

Antes do coronel Ustra, Natalini prestou depoimento a CNV e disse que “Ustra sempre foi muito presente nas sessões de tortura”. Estudante de medicina e integrante do centro acadêmico à época, Natalini narrou um episódio no qual foi colocado por Ustra nu em cima de uma poça d’água com fios de choque atados ao corpo. “Ele chamou a tropa para que eu fizesse uma sessão de poesia. Durante horas ele ficou me batendo com uma vara. Outros vinham e me davam telefone (tapa com as mãos nos ouvidos) e muito eletrochoque”, disse Natalini que também compunha poesia de protesto contra a ditadura.

Em outra ocasião, Ustra já havia negado publicamente a sessão de tortura, tendo escrito, em setembro de 2012, uma carta aberta em que questiona as afirmações de Natalini.