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    Ressureição d'El-Rei Dom Sebastião nos campos do Marajó

    Ressureição d’El-Rei Dom Sebastião nos campos do Marajó       Valei-me o Glorioso São Sebastião rei da Cachoeira do rio Arari! Freguesia afro-ameríndia de Nossa Senhora da Conceição seu maternal pé em riba da cabeça da cobragrande Maria Caninana, irmã malvada de Cobra Norato. Livrai-me das flechadas do ódio mortal, bala encomendada, cobra mandada, […]

    POR: Redação

    8 min de leitura

    Ressureição d’El-Rei Dom Sebastião nos campos do Marajó

     

     

     

    Valei-me o Glorioso São Sebastião rei da Cachoeira
    do rio Arari!
    Freguesia afro-ameríndia de Nossa Senhora da Conceição
    seu maternal pé em riba da cabeça da cobragrande
    Maria Caninana, irmã malvada de Cobra Norato.
    Livrai-me das flechadas do ódio mortal, bala encomendada, cobra mandada, facada, quebranto, mau olhado…
    da peste de alastrim, malária, da fome
    e da triste ocasião que faz o ladrão.
    Mas acima de tudo, livrai-me Senhor São Sebastião
    da traição do amor da minha vida.

     

     

    Na antiga Ilha dos Nheengaíbas tudo era comunal:
    tempo ancestral do velho Marajó onde ainda agorinha
    a varja é nossa, a roça, casa, sítio, porto e canoa…
    Criação, pesca e plantação tudo igualmente nosso.
    Por que Deus fez a gente pra dormir e sonhar
    com a desejada Terra sem males por herança das crianças
    no solidário sítio Araquiçaua, lugar onde o sol ata rede para dormir
    na espera de um novo dia até o galo cantar.

     

     

     

    O imperador do Quinto Império do Mundo é menino
    Direito humano à divina preguiça
    após a obra de criação deste mundão.
    Masporém, toda lei tem exceção: assim cada caboco
    há de ter em particular a sua caboca e vice-versa,
    para compartir com ela a rede parideira
    onde costumam deitar-se dois e desembarcar três
    depois de feito o amor contados nove meses.
    Caboco ladino jamais cai em conversa pra boi dormir.
    Portanto, guardando o devido respeito
    aos usos e costumes da Criaturada grande ribeirinha
    haverá paz no céu e boa-vontade na terra para sempre. Amém.

     

     

    O que dá pra rir dá pra chorar
    Aqui na desbotada sesmaria da lembrança
    desta ilha grande dos Joanes antigamente chamada
    degredado por necessidade e acaso criador de gado.
    Cavaleiro de outras eras eu fui até
    no Marrocos vi paresque com outros olhos
    que a terra já comeu
    El-rei Dom Sebastião desaparecer em meio ao remoinho
    duma nuvem de areia, sangue e fúria ao por do sol.

     

     

     

    Seu cavalo branco no fragor da batalha criou asas
    alçou voo ao reino das nuvens com o cavaleiro Encoberto
    tendo às mãos as rédeas e aos pés esporas de prata
    enveredou ao Mar-Oceano
    donde passou a bordo da barca da lua crescente
    junto aos turcos encantados em viagem a casas de Mina
    no Maranhão e Grão-Pará para conferência dos caraíbas
    do Jurupari e cerimonial das icamiabas na ilha do Marajó
    e Tapajós com direito a muiraquitã.

     

     

    A nave lunar rumou ao poente da contra-costa africana
    tomou a rota das calmarias ao sabor da corrente equatorial
    que nem o rei mandinga Abu Bakari II com 1200 caiaques
    e remadores negros a atravessar o grande rio Salgado.
    Dom Sebastião saltou da barca em São João de Pirabas
    sentou-se ao trono de pedras de Yemanjá à beira mar
    onde todos anos pescadores trazem tributos e oferendas.
    A montaria d’el-rei encantado,
    todavia veio parar nesta fazenda velha dos Contemplados
    entre búfalos filosóficos paresque criados por Lao Tsé
    pastoreia gado do vento com o vaqueiro Boaventura
    montado sobre a sela templária do rei Sabá.

     

     

     

    No desterro onde eu com Sancho Pança fizemos retiro
    ilha Barataria desta capitania parasitária dita de Joanes
    que nem Dom Quixote procurando mote à façanha
    da antiga Cavalaria da távola do rei Arthur,
    vou a trote de Rocinante versejando malmente
    a velha história messiânica de Espanha e Portugal
    refeita nas águas grandes do rio das Almazonas.

     

     

    Já o pégaso afoito da real batalha sebastiana foi domado
    por pajés sacacas sob sol e chuva do equador
    força-tarefa de caruanas que habitam as águas do Guajará
    o garanhão árabe vai ao lado do Boi Selado mandingueiro
    espantando malhada e o gadinho curraleiro campo afora.

     

     

     

    Bandeira santa flutuando ao vento do Lavrado
    pensamento inflamado por guerras a vencer
    quantas e quantas cicatrizes de velhas batalhas perdidas
    e feridas do coração que não tiveram tempo pra sarar.
    O divino e o profano misturados nestas mágoas
    sentidas trovas da folia latina aculturada
    em lábios cabocos sem saber a razão profunda
    que lateja ao fundo do lago das recordações
    e viaja em esmolação pelos campos e margens dos rios.

     

     

    Soldado de falange romana convertido à cristandade
    santificado e ressuscitado por milagre diante de flechas
    lanças e adagas mortais que ferem o corpo santo
    Masporém não podem matar o Mito nem revogar
    seu rito imortal para além da chula
    e a história vulgar de Portugal e Brasil
    salva eternamente pelo poeta Bandarra
    da vila de Trancoso.

     

     

     

    Nos campos de Cachoeira rei cavaleiro e santo guerreiro
    natureza, santidade e realeza
    acabam sendo um grosso mistério, malcomparado,
    à Santíssima Trindade nas três dimensões do infinito.
    Troveja lá para as bandas do lago Guajará:
    lugar sagrado onde antigamente uma estrela caiu
    espalhando pedras de raio por todos lados
    perfurando o sumetume da cobragrande Boiúna
    que comunica os campos sob a terra com o rio Paracauari.

     

     

    Paço da Ribeira, Lisboa, o rei deficiente dom Afonso VI
    era apenas uma criança que precisava de cuidados especiais
    queria correr pela rua, folgar e brincar com outras crianças
    não importava a cor, a raça, sexo ou condição social…
    O pequeno monarca gostava de arruaças e de fuzarca
    cedo ele se tornaria o escândalo da corte
    primeiro morreu o príncipe Teodósio preparado para
    o trono do rei-pai Restaurador da independência lusa;
    mais logo faleceu el-rei dom João IV em cuja pessoa real
    Dom Sebastião fora ressuscitado com entusiasmo popular
    e grande escrúpulo e relutância do próprio escolhido
    a encarnar o Encoberto …

     

     

     

    E agora menino rei Afonso? Querem fazer de vós
    ressurreição de vosso pai e por tabela Dom Sebastião
    encarnado de novo.
    Nem vossa raínha-mãe pôde evitar o fado.
    Adultos mais malucos que o pobre mentecapto real
    o queriam coroar com as glorias antepassadas…
    O segundo filho de dona Luísa de Gusmão e dom João IV
    leso por uma desconforme febre malsã que lhe paralisou
    os membros do lado direito do corpo,
    impotente para consumar o casamento monárquico
    negociado por embaixadores como tratado de estado
    com a nobreza francesa para dar descendente à dinastia.

     

     

    Tudo em vão: rei Afonso não havia tesão
    Pedro I de Portugal então obrigado a destronar o irmão,
    tomar-lhe a raínha virgem para esposa
    e internar à força o deposto na ilha Terceira,
    nos Açores onde o infeliz sofria horrores
    descontados em fúria na apavorada criadagem.
    De lá saiu somente uma vez para morrer em paz
    na vila de Sintra sob o enormissimo peso da Coroa
    e o encorpado silêncio da história.

     

     

     

    Flechado pelo destino Afonso era imagem da tragédia
    da dinastia de Bragança
    depois que Dom Sebastião foi ressuscitado
    em verso e prosa
    tal qual como o poeta sapateiro Bandarra
    ‘havera’ profetizado em trovas incendiárias
    na real pessoa de dom João IV…

     

     

     

    O rei está morto: viva o rei!
    Padre Antonio Vieira em canoa a caminho de Cametá
    anuncia o Quinto Império do mundo:
    “Bandarra é verdadeiro profeta!”
    O ‘payaçu’ dos índios consultou astros
    e profetas do Apocalipse:
    predisse o fim do mundo para o ano de 1666
    (todo mundo sabe 666 é o número da Besta).

     

     

     

    O velho mundo não se acabou em 1666, masporém o novo
    em 1665 foi a pique para os índios Nheengaídas
    cujas ilhas subtraídas pelo maluco Afonso VI
    foram doação da Barataria,
    digo capitania de Joanes ao chanceler do Paço.

     

     

    Com fado tamanho não espanta que a cabo de cem anos
    O poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo,
    Marquês de Pombal, após o terremoto de Lisboa
    e expulsão dos Jesuítas
    planejasse secretamente trazer a Familia Real
    ao Grão-Pará a fazer transmigração de Portugal ao país das amazonas.
    Para tanto, diz-que, ele deixaria toda península ibérica
    aos vizinhos espanhóis em troca dos domínios castelhanos
    na América do Sul.

     

     

     

    Ora o que não se sabia exceto no Cairo
    é que o imperador do Mali, Abu Bakari II,
    confederado a notáveis cacicados das Índias acidentais
    costuravam este prodigioso plano há muito mais tempo.

    A história não é para os mortos.

     

     

    Viva Dom Sebastião!
    Viva a Pátria Grande!

     

     

     

     

      José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.

    autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com

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