Araguaia, Campo Sagrado, entrevista com Paulo Fonteles Filho
Em entrevista ao portal Grabois, o pesquisador Paulo Fonteles Filho, falou sobre a importância do filme Araguaia, Campo Sagrado, dirigido por Evandro Medeiros. A entrevista foi concedido no dia 7 de maio de 2013, quando o filme foi lançado oficialmente em São Paulo, no Cine Ocupa, do Tortura Nunca Mais-SP, na região central da capital paulista.
O que mais chama a atenção no filme é a diversidade de personagens que foram atingidos pela violência do estado, na região Amazônica, para além da militância política já conhecida na história. Fonteles explica que o filme surgiu do esforço que se acumulava na região do Araguaia, de instalação da Comissão da Verdade e do grupo de trabalho para localização e identificação de ossadas de desaparecidos políticos.
A princípio, os pesquisadores foram para a região em busca de 70 desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. “A dimensão do processo todo revelada pelos ex-soldados fala da morte de mais de 350 camponeses, só no período entre 72 e 75”, diz Fonteles. Após a instalação da Comissão da Verdade, os indígenas vieram a público contar sua história. “O caso dos índios Uaimiri Atroari revela que mais de dois mil índios foram mortes nesse período”, conta ele.
“O filme traz um conjunto de figuras importantes e ainda invisíveis. Ex-mateiros, que são camponeses torturados para servir como rastejadores às forças repressivas, além dos ex-soldados que dão uma dimensão maior da violência do Araguaia”, diz Fonteles.
É a partir desses relatos, que só fazem crescer e surpreender os pesquisadores, que Fonteles diz que a ditadura produziu muito mais vítimas do que a historia oficial tem nos ensinado. “O Brasil registra cerca de 400 mortos. 400 mortos são apenas os camponeses pobres do Araguaia. A tragédia é que essas vítimas ficarão invisíveis. Um ex-soldados contam de castanheiros que eram fuzilados no meio do mata sem identidade e anônimos”, diz o pesquisador.
Fonteles trabalha para reunir elementos para contribuir para a revisão da Lei de Anistia que possibilitou a impunidade ao aparato de tortura e assassinatos do estado brasileiro. “O Brasil não pode vacilar em relação à punição de torturadores. Encontramos soldados que chegaram a ser torturados e estuprados por coronéis com um fuzil na cabeça”, relata ele. Fonteles ficou perplexo diante a crueldade sem limite dos agentes das Forças Armadas que foram para a Amazônia, ao contar que um soldado era obrigado a levar o pai todos os dias para sessões de tortura, era obrigado a ouvir o suplício e depois devolvê-lo para cela. Uma tragédia familiar, patrocinada pelo estado, que afastou os dois de forma traumática.
Segundo Fonteles, a extrema violência testemunhada pelos moradores daquela região “se projeta depois em forma de enorme violência patrocinada pelas forças do estado para
fazer valer a espoliação nacional e estrangeira da Amazônia”. “Os resultados sao muito nítidos atualmente na realidade do país. Não é a toa que o Pará é o campeão da pistolagem, da violência do campo e do trabalho escravo. Processo que é intimidatório e procura preservar o silêncio e não permitir que a sociedade brasileira tenha acesso às informações do barbarismo que foi cometido na região”. De acordo com ele, a herança sinistra deixada pela ditadura precisa ser revertida por meio de políticas publicas que atendam demandas da pobreza regional, com mudanças na política de segurança e reparação financeira aos que mais precisam. “A Abin, que substituiu o SNI da ditadura, tem como referência investigar movimentos sociais”, diz ele, mostrando que, até hoje, as vítimas são as mesmas.
Embora abrace o filme pelo conteúdo político e pelo modo como expressa sua pesquisa, Fonteles defende a necessidade de retomada de um cinema político, “cinema de guerrilha”, que ao mesmo tempo conte a história do Brasil. “É um filme interessante, não só pelo desafio da imagem, mas pelo desafio do conteúdo. O filme acertou na política, o filme é bom politicamente falando. Denuncia e é atual. Agora o grande desafio é que ele tenha repercussão”, diz.
Nas primeiras exibições em Marabá e Belém, Fonteles diz que percebeu um impacto emocional pelo modo como o filme conecta do drama daquela população paraense com a Festa do Divino, uma religiosidade de “Brasil profundo e místico”, que mexe com todos os paraenses. “Mas o impacto maior é o relato da violência e a convicçãoo desse relato, retirando os véus do medo”, encerra ele, prevendo um novo filme, agora sobre a “guerra dos ossos”, ou seja, todo o processo de operação limpeza no Araguaia, que durou até 2004, com o Exército mandando missões à região para eliminar provas dos crimes cometidos pela instituição.