A questão não é o euro, mas sim os europeus
A proposta de Oskar Lafontaine de colocar em circulação uma moeda europeia provocou, provavelmente, algum desconforto dentro do partido. Ainda assim, a par disso, desencadeou uma discussão sobre as nossas posições no que toca à política europeia. Esta discussão é urgente e pode ajudar a esclarecer a nossa posição; pode também ressuscitar o debate para a construção dos nossos programas eleitorais. Com este artigo, quero contribuir para esse debate.
Já na década de 90, economistas de esquerda apontavam os problemas inerentes à criação de uma moeda única sem uma política fiscal, económica e social comum. Nestas condições, tornou-se claro que o euro torna o forte ainda mais forte e enfraquece aquele que já parte em desvantagem. Sem a possibilidade de, ainda que temporariamente, proteger a sua economia desvalorizando a própria moeda em caso de perda de competitividade, resta aos países apenas a disputar a competitividade ao nível dos custos de trabalho ou, citando Altvater, “a integração europeia pela mera liberalização dos mercados e da desregulamentação política». Os critérios de estabilidade de Maastricht1 expressam que os donos do capital estão mais interessados na estabilidade monetária do que nos interesses sociais dos povos da Europa. Não foi incluído um único critério social (salário mínimo, normas sociais, etc) no catálogo de condições para a moeda única.
Os desequilíbrios económicos já existentes foram e continuam a ser exponenciados pelo “modelo exportador” alemão. Em áreas-chave da indústria, os padrões elevados de produtividade – que são baseados no modelo de mercado global – e os cortes nos salários – impostos pela Agenda 2010 – levaram a um excedente nas exportações alemãs e, por esse motivo, o balanço dos países mediterrânicos foi seriamente agravado, tendo sido observado um aumento abrupto dos seus défices e das suas dívidas.
A maioria da população vive na Alemanha, bem abaixo do potencial do país e trouxe os resultados do seu próprio desempenho no trabalho.
Merkel enquanto personificação do ódio face à situação de crise
O resgate dos bancos e empresas de investimento, altamente especulados nos mercados financeiros internacionais, custou aos membros da UE mais de um trilião de euros, o que provocou um aumento significativo das dívidas nacionais. A politica de austeridade instaurada sob o governo Merkel leva a mais desmantelamento do Estado social. Historicamente, não há exemplos que provem que a austeridade funciona no combate à crise. O resultado desta política irá inevitavelmente agravar a crise e provocar um aumento do desemprego em massa, com todas as consequências sociais que lhe estão associadas. Esta é uma das principais razões pelas quais Merkel é cada vez mais odiada nas regiões europeias mais afetadas pela crise.
A formação do capitalismo financeiro alimenta-se dos resultados da redistribuição selvagem do capital, que , ao longo dos últimos vinte anos, favoreceu os patrões e proprietários. O capitalismo financeiro nao conseguiu desenvolver um novo modelo de crescimento e acumulação. Pelo contrário, não só provocou a maior crise financeira desde 1929, como também provocou fortes processos de destruição. O fosso entre ricos e pobres ficou mais acentuado, os sistemas sociais foram – parcialmente ou completamente – destruídos, o desemprego em massa aumentou, o número de trabalhadores precários subiu drasticamente e economias nacionais foram levadas à ruína. A maioria da elite política não encontra alternativa à subordinação à ditadura dos mercados financeiros e, nesse âmbito, está inclusivamente disposta a abrir espaço para elementos de democracia burguesa.
É bastante claro que o avanço da disputa económica entre os países da zona euro vai destruir a base (ideológica) do Euro. Em nome do resgate do Euro, destrói-se a base do sistema monetário da moeda única. No entanto, é ainda mais inconcebível que governos eleitos continuem a ser considerados legítimos apesar das taxas de desemprego superiores a 20%, como no caso de Grécia, Espanha e Portugal, ou 12% no caso da UE e desemprego jovem superior a 50% em inúmeros países.
Para a esquerda é crucial que o seu posicionamento seja baseado numa evolução ao nível das políticas sociais. Uma alternativa para as políticas da Merkel e da Troika só será desenvolvida, ao nível europeu, a partir das bases. As posições da esquerda também têm de atentar aos conflitos, lutas e movimentos sociais na Europa e serem impulsionados por eles.
A maioria das pessoas na Europa não é contra a circulação do Euro, mas sim contra os ataques da Troika, os cortes dos salários e das reformas, as elevadas taxas de desemprego, contra as privatizações, contra o elevado poder dos bancos, distribuição desequilibrada dos rendimentos, contra a abolição da negociação coletiva e a destruição dos direitos democráticos. De forma geral, os sindicatos alemães não participam ativamente nos protestos europeus; ainda assim, noutros países, foram organizadas greves gerais e protestos, como por exemplo em Novembro em Portugal, Espanha, Grécia e Itália.
Nesta disputa, assim como noutras, estão a formar-se – de um ponto de vista otimista – novas forças que a esquerda pode unir e, a partir delas, convergir para uma mudança política que leve à mudança progressiva das condições sociais na Europa. O anterior Presidente do Sindicato Metalúrgico italiano (FIOM-CGIL), Giorgio Cremaschi, frisa essa questão “não se deve começar pela questão da moeda, mas sim pelas políticas económicas e financeiras e as instituições nas quais se baseiam. O que tem de ser desconstruída é a Europa dos contratos e obrigações neoliberais. (…) A desvalorização do trabalho em prol das exportações – que se baseia no sistema de moeda única – tem de acabar. De igual modo, a austeridade deve ser contrariada e para isso é necessária uma revisão da democracia por parte do povo. Os contratos e as obrigações europeias devem fazer parte dessa revisão. A questão da moeda só deve ser discutida depois do derrube da política neoliberal».
Resposta da Esquerda
As respostas do Die Linke vão no mesmo sentido:
Na Alemanha, os salários têm de ser urgentemente aumentados e o mercado interno tem de ser fortalecido através de um programa pensado para o futuro. Os excedentes de exportação têm de ser desconstruídos.
Ao invés de políticas de austeridade, precisamos de um programa de investimento europeu para o desenvolvimento de infraestruturas públicas, serviços públicos, para a prevenção e para reestruturação sócio-ecológica.
A regulação dos mercados financeiros, o encerramento dos paraísos fiscais, a proibição da especulação de alto risco, a redução e nacionalização dos bancos e a restruturação do sistema bancário.
As dívidas devem ser pagas pelos donos do capital, através de impostos sobre as grandes fortunas, e não pelos reformados, através das suas pensões. O Die Linke luta pela criação deste imposto e por uma campanha europeia dos partidos de esquerda de forma a evitar conflitos entre nações europeias, mas sim entre classes, ou seja, entre os ricos e os pobres.
A dívida pública tem de ser libertada da ditadura dos mercados financeiros. Nesse sentido, o financiamento seria negociado diretamente com um banco central europeu (público).
As desigualdades económicas, agravadas através do dumpingdos salários, têm de ser ultrapassadas. Para isso é também necessária uma política económica e industrial que põe fim aos processos de desindustrialização e do desmatamento económico de inúmeras regiões na Europa.
Nós opomo-nos à destruição da democracia por parte dos governos nacionais eleitos e apoiamos o reforço dos direitos do parlamento europeu e do fortalecimento dos valores base da democracia.
«Para isso é necessário que no futuro as políticas económicas, fiscais, tributárias, sociais e laborais dos países da zona Euro sejam alinhadas e que a competitividade que presentemente domina seja abolida através de impostos sociais e do dumping dos salários» (in programa eleitoral).
Não há atalhos no nosso caminho
O Die Linke tem vindo a desenvolver posições que são adequadas para fazer o combate real contra a hegemonia neoliberal e, no mínimo, lançar sementes para a formação de uma sociedade europeia democrática, coesa, pacífica e ecológica. Não existem atalhos para os debates políticos necessários ao alargamento das lutas sociais e para o desenvolvimento da solidariedade europeia e internacional.
Não faz sentido debater se devemos lutar a um nível nacional ou europeu. É óbvio que, a um nível nacional, temos de lutar por direitos sociais e democráticos; mas não podem haver dúvidas de que o capital e as empresas se têm interligado a um nível europeu e internacional e que usam o poder económico para impor os seus interesses. É precisamente esta a “base material” da hegemonia neoliberal na Europa. Os funcionários de empresas internacionais experienciam frequentemente a competitividade entre os países e podem aperceber-se do quão indefesos ficam quando não existe solidariedade além-fronteiras.
Por esse motivo, o único caminho possível é trabalho conjunto por parte dos sindicatos, partidos de Esquerda e dos movimentos sociais. O nosso programa e a nossa política tem de contribuir para a fluidez deste processo. Para terminar, citando o cientista política Elmar Altvater, «a domesticação do capitalismo selvagem – ou a sua superação -, a regulação dos mercados financeiros, empregos socialmente garantidos e uma maior utilização de energias renováveis são metas do novo milénio; em todo o caso, estas metas do novo milénio são mais fáceis de atingir numa Europa unida, do que numa Europa destruída e infetada pela crise financeira e social».
1Tratado da União Europeia (TUE). N.T.
Bernd Riexinger é presidente do Die Linke.
Tradução de Sara Schuh para o Esquerda.net