As regras para o acesso ao patrimônio genético brasileiro não devem ser tratadas em artigo do novo código de CT&I e sim em lei específica. Este é o posicionamento da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), defendido por Beatriz Bulhões, representante da instituição em audiência pública realizada terça-feira (4), no Senado. O tema do encontro foi o acesso à biodiversidade brasileira, de que trata o Artigo 32 do Projeto de Lei 2177/2011, que institui o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI).

Para a SBPC, o tema não deve estar no CNCTI, e sim num novo marco legal que substitua a MP 2186-16/2001. “Precisamos de regras mais claras, objetivas, menos burocráticas que a MP e que tragam segurança jurídica para todos os usuários”, defendeu a assessora especial da instituição. A Medida Provisória (MP) a que Beatriz se refere é o principal instrumento legal hoje existente para regulamentar o acesso ao patrimônio genético brasileiro e aos conhecimentos tradicionais associados.Em vigor há mais de uma década, a MP tem sido alvo de críticas ao longo dos anos por impor exigências que criam obstáculos à pesquisa científica. Desde o início, a SBPC participa da discussão e contribui com o aperfeiçoamento de algumas de suas normas. De acordo com Beatriz, os impactos negativos da MP na pesquisa foram minimizados por normas infralegais que flexibilizaram exigências e diminuíram a burocracia. “Apesar dos avanços ao longo dos anos, é urgente que o Brasil tenha sua Lei de Acesso ao Patrimônio Genético, de modo a proporcionar maior segurança jurídica”, alertou.

A proposta dessa nova lei está sendo coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Representante do governo, Fernando Tatagiba, secretário substituto de biodiversidade e florestas do MMA, afirmou que apoia qualquer movimento que facilite a pesquisa. Segundo ele, o próprio MMA se beneficia da atividade científica e de seus resultados. “São fundamentais para a formulação e implementação de políticas relacionadas à conservação da biodiversidade, à identificação de áreas prioritárias para conservação, e à identificação de caminhos para promover o uso sustentável do patrimônio natural do Brasil”, explicou o secretário.

O MMA, no entanto, se posiciona a favor do teor do Art 32 do projeto do CNCTI. “O seu objetivo é o mesmo que vem sendo trabalhado na construção do novo marco legal que em breve vai chegar ao Senado”, comparou Tatagiba, com a ressalva de que o referido artigo deve fazer menção à necessidade de observância do marco legal sobre acesso ao patrimônio genético e a repartição de benefícios.

Em sentido contrário, Henrique Varejão, procurador-chefe da Procuradoria Federal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), reforçou a ideia de que o artigo 32 aumentaria a insegurança jurídica. “Tratar toda a complexidade do tema em um artigo do novo código não contribui para dar estabilidade jurídica ao sistema”, opinou. Para ele, a aprovação do artigo alteraria uma série de dispositivos da MP sem revogá-la expressamente. “Isso dificultaria o trabalho do jurista e do operador do Direito no dia a dia” presumiu. “Já a aprovação do novo marco legal incorpora a ideia posta no Artigo 32 do projeto do código e traz a revogação expressa da MP vigente”, explicou.Responsável pelo controle, fiscalização e conservação ambiental, o Ibama aplica hoje a MP vigente. Varejão reconhece, contudo, que as regras precisam ser alteradas para facilitar a pesquisa e o uso sustentável dos componentes da biodiversidade. Em sua visão, a proposta do novo marco legal diminuirá as exigências e facilitará o acesso.

Entre outras normas, o projeto do governo propõe a criação de um cadastro autodeclaratório, a ser preenchido pelo próprio pesquisador. A proposta é diminuir a burocracia para a pesquisa, sem abrir mão das informações de que o Poder Público precisa para exercer o devido controle.

No caso de haver comercialização, seria necessária uma autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para garantir a repartição de benefícios daquele produto desenvolvido, destravando o procedimento atual. A ideia é dispensar a autorização para a pesquisa e exigir autorização somente quando houver um potencial produto ou viabilidade comercial. A regra facilitaria o acesso para fins de pesquisa, postergando a autorização do CGEN quando necessária.

Em substituição às autorizações prévias, a SBPC defende a criação de um credenciamento eletrônico para as instituições de pesquisa e desenvolvimento. Reconhece, entretanto, a importância de se manter o consentimento prévio das comunidades locais e dos povos indígenas, para acesso ao conhecimento tradicional associado, garantindo o direito dessas comunidades negar o acesso ou receber benefícios advindos dele.

“A lei deve priorizar mecanismos de prestação de contas e de transparência, e não de instrumentos de comando e controle, como é hoje”, opinou Beatriz Bulhões. O entendimento da SBPC é de que não é possível controlar a biodiversidade brasileira apenas com legislações. Para a instituição, é preciso estimular o desenvolvimento científico e tecnológico, valorizar o conhecimento tradicional das comunidades locais e dos povos indígenas. “Só com conhecimento é que serão alcançados os objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e a repartição de benefícios correspondentes. Para isso, a pesquisa científica é fundamental”, lembrou a assessora especial da SBPC.O deputado Sibá Machado, relator do PL 2177, disse estar consciente de que o governo trabalha na reformulação do marco legal. Afirmou, no entanto, que precisa do compromisso de que o projeto será encaminhado ao Congresso. “Para retirar a previsão desse assunto do texto do CNCTI, preciso desse compromisso do governo”, afirmou.

Antes de concluir seu parecer, o deputado participará de outros debates no âmbito da Comissão Especial do PL 2177/2011. O próximo será um seminário, no dia 13 de junho, na Fiocruz, no Rio de Janeiro. No dia 1º de julho, haverá outro seminário em São Paulo. Os ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio serão ouvidos em audiência pública no dia 9 de julho, em Brasília.