O projeto de lei que regulamenta a criação de municípios, aprovado na semana passada pela Câmara, deve trazer pelo menos três problemas econômicos, segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As pesquisas indicam que a divisão de cidades pode reduzir os investimentos nas áreas sociais dos novos municípios, em detrimento ao custeio da máquina. Além disso, tende a diminuir o crescimento econômico dos municípios vizinhos às novas cidades e a reduzir recursos para as regiões metropolitanas.

De acordo com o economista Rogério Boueri, diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea, os municípios do entorno das cidades que se dividiram tendem a crescer anualmente, em média, 0,8 ponto percentual a menos do que as demais cidades do mesmo Estado. “O efeito sobre o crescimento econômico da região é negativo”, diz. Segundo Boueri, isso ocorre porque a cidade que deu origem a um novo município deve receber menos recursos e, por isso, tende a prejudicar o crescimento de cidades vizinhas.

Outro problema apontado pelo pesquisador é o impacto sobre os municípios das regiões metropolitanas. Eles já recebem proporcionalmente menos recursos per capita do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) do que as cidades do interior e com mais cidades veem sua fatia diminuir ainda mais.

O FPM é composto de parte da arrecadação dos impostos de renda e sobre produtos industrializados (IPI) e é repartido de acordo com o tamanho da população. Nos municípios com menos de 10 mil habitantes, há uma cota mínima igual para todos, o que faz com que a criação desse tipo de cidade tire dinheiro dos que terão de repartir o bolo.

Isso provoca uma distorção nos recursos em favor das cidades com até 5 mil habitantes, cuja receita corrente per capita era de R$ 2,9 mil em 2010, acima da obtida por outras prefeituras (veja tabela). É o dobro, por exemplo, da receita de municípios com população entre 20 mil e 100 mil. O problema se agrava ao considerar que 53% das 1,4 mil cidades criadas desde 1989 têm até 5 mil moradores.

Quando há emancipação de um município, a soma das transferências do FPM para as cidades resultantes da divisão é maior do que o FPM recebido pelo município original, segundo o Ipea. Por exemplo, o FPM per capita recebido por uma região originalmente constituída por um município de 10 mil habitantes e que se divide em dois de 5 mil moradores dobrará. Esses recursos adicionais serão compensados por uma redução do FPM dos demais municípios – prejudicando especialmente as cidades da região metropolitana. As capitais têm regras próprias para o FPM.

De acordo com estudo de Gustavo Gomes e Maria Cristina Dowell feito em 2000 para o Ipea, a criação de cidades não causa mais gastos para a União ou aos Estados, mas resulta em uma queda nos investimentos sociais na medida em que os novos municípios retiram dinheiro dos que já existem e usam os recursos para custear a administração pública, como a Câmara de Vereadores e o funcionalismo.

O projeto de lei complementar aprovado na Câmara estabelece regras para a criação e para o desmembramento e fusão de novas cidades. Emenda à Constituição Federal promulgada em 1996 tirou das assembleias legislativas o poder de criar municípios. A proposta precisa passar por votação no Senado e, se aprovada, vai permitir que as regiões separatistas retomem o processo de emancipação para criar, segundo estimativas, cerca de 400 municípios.

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, diz, porém, que esse número “é especulação”. Segundo Ziulkoski, há 814 pedidos de emancipação nas assembleias legislativas, mas menos de 10% atingirão seu objetivo porque será preciso um plebiscito entre toda a população do município – não só da parte que quer se separar – para validar o desmembramento.

“Há uma briga política entre o município mãe e o novo município, e dificilmente a parte menor consegue se emancipar”, diz. Ziulkoski cita o exemplo do Pará, que em 2011 fez um plebiscito para decidir sobre a criação de mais dois Estados, Tapajós e Carajás. O apoio foi grande entre os separatistas, mas o resto do Estado, incluindo a capital, mais populosa, votou contra e derrotou a proposta.

Além da discussão econômica, a eficiência da criação de cidades também é contestada. Boueri, do Ipea, critica o argumento de que é preciso mais cidades para deixar a gestão próxima aos cidadãos. Para o pesquisador, o risco é produzir dezenas de cidades pouco povoadas. “Esse projeto em tramitação no Congresso não tem nenhum critério econômico. Atropelou qualquer planejamento”, critica.

Ziulkoski afirma que a proposta é problemática e que foi usada com interesses eleitorais por políticos que querem ampliar as suas bases. “Essa discussão surge de quatro em quatro anos, com um grupo de parlamentares que usa isto para fazer política eleitoreira, em troca de votos”, diz.

Em meio às críticas à proposta, um dos principais entusiastas do projeto, o deputado José Augusto Maia (PTB-PE) lista as vantagens da criação e fusão de municípios.

Responsável pela articulação do projeto na Câmara, Maia diz que a proposta vai permitir a transformação de distritos independentes economicamente em cidades. “Todo distrito que cresce e se desenvolve tem o direito de se emancipar”, diz. Maia afirma que o projeto impedirá a criação de cidades que não consigam se sustentar ou que tenham uma população muito pequena. Segundo o deputado, 4.593 distritos poderiam se transformar em cidades. Mas, com a nova lei, só 3% conseguiriam se viabilizar. Como exemplo, afirma que desses distritos, apenas 150 teriam condições econômicas e população suficiente para a criação. “O projeto é moralizador. Vai acabar com a farra de criação de cidades.”

O pedido de emancipação é registrado mais nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, afirma o deputado. Nas regiões Sul e Sudeste, a maior demanda é por desmembramento e fusão de regiões, afirma, o que não aumentaria o número de cidades. “Há muitos distritos que estão dentro de uma cidade mas que usam a infraestrutura de outro município. Eles não querem criar uma cidade, mas sim se fundir ao município vizinho, ao qual estão mais ligados”, diz.

A relatora do projeto, deputada Flávia Morais (PDT-GO), afirma que a regulamentação é essencial para o país. “Vamos corrigir distorções. É preciso criar mais cidades para ajudar no desenvolvimento econômico das regiões”, diz.

Publicado em Valor Econômico – 10/06/2013