Quixadá (CE)

A palavra é seca. A figura imediatamente formada no imaginário coletivo a partir desse simples vocábulo é literária, cinematográfica, jornalística até. É a desoladora imagem de sertanejos em fuga e carcaças de animais grudadas à terra dura e cálida.

Mas em tempos de Bolsa Família e outras políticas sociais – distribuição de cisternas, sementes e ração para animais, perfuração de poços e construção de barragens e açudes – para amenizar a vida de milhões de pobres brasileiros, o efeito de uma das piores temporadas de estiagem no Nordeste em mais de 50 anos é, ao menos socialmente, diferente dos dramas narrados nas obras de Josué de Castro, Graciliano Ramos e Gláuber Rocha.

A migração de populações inteiras de zonas rurais para centros urbanos é menos intensa, uma situação que ajuda as famílias e reduz a evasão escolar.

Segundo Nohemy Rezende Ibanez, coordenadora de Desenvolvimento da Escola e da Aprendizagem da Secretaria Estadual de Educação do Ceará, escolas estaduais localizadas em regiões do Semiárido recebem abordagem diferente das políticas governamentais, como o recebimento de verba para comprar cisternas ou encomendar carros-pipa.

“Começamos no ano passado, pela primeira vez, a destinar recursos da educação para o enfrentamento da seca diretamente nas escolas. Geralmente esse é um assunto da Secretaria de Desenvolvimento Agrário e da Defesa Civil”, relata. Pedagogicamente, explica Nohemy, professores usam estiagem como de aulas e de trabalhos feitos na própria comunidade. É uma maneira de os alunos vivenciarem e reagirem à realidade.”

Atualmente, os sertanejos continuam sofrendo no embate com a seca, mas têm mais chances de vencê-la. João Lopes, de 67 anos, vive perto da Fazenda Muxió, nos arredores de Quixadá, cidade de 80 mil habitantes, famosa pelas formações rochosas que destoam da paisagem do Sertão. “Vim de Canindé [a 120 km de Fortaleza] há 30 anos, cheguei feliz. Nem água tinha para beber, agora a gente compra.”

A casa em que vive com a mulher, dois filhos, dois netos e um “índiozinho que apareceu lá” é a mesma, isolada no meio de um campo seco e feita de taipa e madeira. A única diferença é uma enorme cisterna recém-pintada de branco, que abastece toda a família. “Secura brava como a de hoje não vejo faz mais de 20 anos”, diz Lopes. Ele e o filho Claudierlândio trabalham na roça, mas o sustento da família vem principalmente de transferências de renda do governo. “A vida não é fácil, mas nunca pensei em sair daqui”, revela o agricultor, que mostra o entorno, andando descalço e sem camisa.

Quem toma conta da casa e dos pais é a filha Cláudia Maria, de 34 anos. A princípio, ela estranha a visita inesperada e se afasta, mas depois conta sua história e a da família, timidamente. Diz que o nome do “indiozinho” adotado é João Vitor. “Apareceu um dia por aqui, estamos vendo como fazer para colocar ele na escola.” Ela faz supletivo e conta que vai a cidade pelo menos três vezes por semana de carona no ônibus escolar que leva o filho de cinco anos, Caio, e a sobrinha, de 12. “O ônibus vem todo dia, 5h, 5h30, eles têm que estar prontos. Eu vou junto, porque não ando de moto de jeito nenhum”, relata Cláudia Maria, avessa aos mototaxistas da cidade, chamados pelo telefone celular.

Ela reclama da Escola Municipal Padre Gonçalves Albuquerque, que “parece um presídio” por causa das grades. Também não está satisfeita com a violência em Quixadá. “Tem muita briga por aí, de noite.” Após terminar o atual programa supletivo do ensino médio na cidade, continua ela, planeja fazer um curso de informática e aprender o ofício de secretária.

“O que pobre tem de bom na vida é o estudo”, afirma Cláudia Maria, com o olhar pesaroso. Em seguida revela que sente falta da irmã, morta em abril. Foi suicídio. Veneno de rato. Não deixou bilhete. “Queria mesmo é pegar meu filho e ir embora daqui, mas como vou fazer para deixar esse casal de velhos para trás.”

Publicado no Valor Econômico – 12/06/2013