ENTREVISTA: Dynéas Aguiar e a luta da juventude comunista contra a guerra na Coréia
CDM: Qual foi a repercussão da Guerra da Coréia no mundo?
Dynéas: A guerra da Coréia – que vai de 1950 a 1953 – criou uma situação internacional muito difícil e teve seus reflexos no Brasil. Ela tem antecedentes que vêm do fim da guerra contra os japoneses na região do Pacífico. Logo depois da derrota do Japão houve um avanço significativo da luta revolucionária pela independência nacional na Indonésia, nas Filipinas, no Vietnam e na Coréia. A revolução chinesa também avançou bastante como conseqüência da derrota das tropas japonesas. Então, o movimento revolucionário antiimperialista asiático se juntou ao movimento de libertação nacional que eclodiu na África. Então, criou-se uma situação favorável às forças democráticas e patrióticas no mundo inteiro, inclusive na América Latina.
Nesse momento os Estados Unidos estabeleceu como principal orientação política a contenção do avanço das forças revolucionárias e impedir que elas chegassem ao poder. Para isso eles intervieram militarmente nas Filipinas, na Coréia. A Inglaterra interveio de maneira brutal na Grécia. Era um movimento não só dos Estados Unidos, mas comandados por eles.
Quando começou a guerra da Coréia em junho de 1950, o que fizeram os Estados Unidos? Aprovaram no Conselho de Segurança da ONU uma resolução condenando a Coréia do Norte por ter iniciado a agressão. Isso não era verdade. Imediatamente, começaram arregimentar forças militares do mundo inteiro. Houve uma forte pressão sobre os governos da América Latina para que enviassem tropas.
CDM: E o Brasil?
Dynéas: O Brasil, recém saído da ditadura do Estado Novo, realizou eleições em 1946. Quem assumiu a presidência, contraditoriamente, foi aquele que sustentou o Estado Novo: o Marechal Eurico Gaspar Dutra. Ele não só atuou no sentido da repressão política, usando a violência, como também foi um agente do nazi-fascismo aqui no Brasil, no período anterior a nossa entrada na guerra contra a Alemanha. Então, o governo Dutra era um governo reacionário. O nosso Partido entre 1947 e 1948 passou à ilegalidade e logo depois à clandestinidade. Isto ocorreu durante o governo Dutra.
Naquele período já existia um grande movimento internacional em torno de coleta de assinaturas para o Apelo Estocolmo, que defendia a paz mundial e a proibição das bombas atômicas. O Partido Comunista do Brasil vinha tentando desenvolver ações em defesa dessas bandeiras. Coletando assinaturas, organizando congressos dos movimentos pela paz, manifestações públicas, comícios, passeatas etc. Quando irrompeu a Coréia, foi incorporada a luta contra a invasão do território coreano.
O Marechal Dutra defendia a participação brasileira ao lado dos Estados Unidos. Contudo, no final daquele ano, teve nova eleição presidencial. Getúlio Vargas ganhou e tomou posse em 1951.
Houve alguma mudança substancial na campanha pela paz durante o governo Vargas?
Quando Vargas assumiu já existiam acordos firmados entre Dutra os Estados Unidos visando à participação brasileira na guerra. Além do mais, ele assumiu sob uma forte pressão do imperialismo Ianque, mas ele, como sempre, ficou como um pêndulo. Durante a Segunda Guerra mundial havia balançado entre o apoio à Alemanha e aos Estados Unidos, no fim ficou ao lado dos norte-americanos na guerra.
Diante dessa situação foi preciso organizar um movimento de massas visando impedir a ida de tropas brasileiras para participar da guerra de agressão à Coréia. Bom; então o que é que aconteceu? E aí entra o papel da União da Juventude Comunista. Na ocasião, eu era da base estudantil do Colégio Caetano de Campos, localizado no centro da cidade de São Paulo. Era vinculado ao movimento secundarista. Assim, todas as experiências que vivi no período foram ligadas ao movimento estudantil e à juventude comunista.
CDM: Como foi essa luta que vocês travaram contra o envio de tropas brasileiras à Coréia?
Dynéas: As pichações e panfletagens eram as formas de divulgar nossa campanha. A repressão era forte, especialmente, no cento da cidade. Para despistá-la nós subíamos nos edifícios, entrávamos no banheiro com os panfletos e os molhávamos e colocávamos ou nas janelas ou nas marquises. Quando o sol vinha secava os panfletos, eles voavam e caiam lá embaixo. Era uma panfletagem, mas não tinha o “panfletador”. A polícia subia, procurava saber quem era e nunca encontrava. Essa era uma das formas que tínhamos para divulgar nossa campanha.
Outra forma de divulgação muito usada aqui em São Paulo era o que depois ficou sendo conhecido como “teatro de rua”. Procurávamos, por exemplo, um lugar que tivesse muita gente. Eram sempre dois ou três jovens. Vinha um e dizia: – o que é que você está chateado, rapaz? O outro respondia: – É que eu vou servir o exército e estou com medo, acho que nós vamos para a Coréia. E, então, passavam discutir a questão da guerra. Devemos ir ou não? Nós fazíamos isso nos bondes, nos ônibus, no trem. A população que estava presente acabava entrando na discussão.
Assim os jovens comunistas colocavam o debate para a sociedade. Porque a imprensa era muito limitada. A televisão não dava coisa nenhuma, os jornais, em geral, defendiam a posição dos norte-americanos. Então aquela era uma forma muito dinâmica de nós difundirmos nossas idéias.
Nas escolas já era diferente, porque ali a gente fazia panfletagem direta. Tinham ainda os jornaizinhos estudantis, a UPES tinha o seu jornal, tinham os panfletos que nós produzíamos. Eram atividades dentro do movimento estudantil. Mas, as atividades externas eram desenvolvidas, principalmente, pela UJC.
Também tinham as manifestações no centro de São Paulo. Em geral, a gente se reunia na Praça da Sé num determinado horário. Um companheiro nosso centralizava as coisas, as companheiras levavam as faixas embrulhadas no corpo. Um chegava e acendia um foguete. Na hora que estourava, nos juntávamos, abríamos as faixas e saíamos em passeata até a Praça do Patriarca, pela Rua Direita. Isso era feito mais ou menos às cinco horas da tarde, com a rua cheia de gente. A polícia tinha dificuldade em reprimir. Eram manifestações que nós fazíamos regularmente, não se marcava com muita antecedência. Isso tinha uma repercussão grande porque muitas vezes os nossos jornais tiravam fotografia e publicava uma matéria. Então isso tinha certa importância. Íamos para as portas das fábricas também como juventude comunista.
O que estou falando aqui é apenas sobre São Paulo, realidade na qual vivi; agora sei que isso aconteceu em várias cidades do interior do estado, no Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais em todos os estados e cidades importantes. Um fato importante aconteceu no sete de setembro de 1950, quando Elisa Branco abriu a faixa “os soldados, nossos filhos não irão para a Coréia” em pleno desfile no Anhangabaú. Por esse ato ela foi presa e depois condenada. Essa ação teve uma repercussão imensa tanto no país como no exterior. Desenvolveram-se muito mais ações. O movimento pela paz ganhou uma dimensão muito grande. Os congressos passaram a ser massivos. Essa questão foi colocada na ordem do dia. Aqui está o mérito fundamental do Partido Comunista do Brasil. Ele foi o partido que sustentou essa luta no país inteirinho.
E nesse período que nós fizemos a coleta de assinaturas do “Apelo de Estocolmo”. Coletamos milhões de assinaturas no Brasil. Como é que nós fazíamos essa coleta? A gente organizava comandos de assinatura. A tardezinha ou então nos sábados e domingos íamos de porta em porta, levávamos o material da campanha, discutíamos e o pessoal assinava. Teve lugar que o resultado foi espetacular. Eu me lembro, nunca esqueço, na Várzea do Carmo tem aquele conjunto do IAPI. Quando entramos naqueles prédios íamos batendo e o pessoal que assinava nos acompanhava até os outros apartamentos. Diziam: vamos lá na casa de fulano, vamos na casa de beltrano. Esse era, principalmente, um trabalho da juventude comunista. Essa parte era nossa, mas, também as mulheres comunistas faziam isso nos bairros.
CDM: Fale um pouco da ação da juventude comunista contra os Diários Associados de propriedade de Assis Chateaubriand.
Dynéas: O outro lado não ficava parado. O Assis Chateaubriand e os Diários Associados abriram nas suas páginas para o que chamaram de “voluntariado para Coréia”. Nelas apareciam jovens de classes altas afirmando: temos que ir lá para defender a liberdade. Começou-se a fazer essa campanha e botar na primeira página dos jornais da rede Chateaubriand, a maior na época. Ela era muito forte, tinha jornais e rádios em todas as capitais. Aqui em São Paulo tinha a rádio Tupi, tinha ainda outra que não me lembro o nome. As televisões em São Paulo começaram a fazer essa campanha.
A UJC resolveu fazer uma ação contra o voluntariado do Chateaubriand e a guerra da Coréia. Foi dentro do saguão do prédio onde ficava os “Diários Associados”, na Rua 7 de Abril, que fizemos uma manifestação que teve uma repercussão muito grande. Uma notícia saiu publicada no jornal paulista Hoje.
Nós fazíamos coquetéis molotov de piche: a gente pegava a lâmpada, serrava, enchia de piche, tampava e jogava na parede. Usamos isso naquele dia. Levamos também um boneco de Chateaubriand que nós botamos fogo enquanto eu discursava. Daí veio a repressão e nós saímos correndo pela rua 7 de Abril. Um companheiro nosso, Alfredo Obisner, que era da UPES, foi preso. Ele ficou no presídio de Barro Branco, creio, por um mês. O fato concreto é que passado uns dias desapareceu dos jornais o voluntariado. Às vezes a luta é pacífica outras nem tanto. Usávamos a mesma tática contra os cinemas também que passavam filmes reacionários.
CDM: Existiram outras fatos interessantes dessa campanha em São Paulo?
Dynéas: Também nesse período foi feita muita agitação nos quartéis, entre os recrutas. O Partido tinha uma estrutura militar muito forte e editava jornais para os que serviam no exército, marinha e aeronáutica. Todos esses jornais publicavam matérias contra o envio de tropas para a Coréia, denúncias sobre essa possibilidade, os acordos que o governo brasileiro estava fazendo. Criou-se, então, dentro dos quartéis um ambiente de resistência muito forte contra o envio de tropas para a Coréia.
Tudo indica que em 1952 o Getúlio teria concordado com o envio de tropas para a Coréia. Como existia toda essa campanha, resolveu-se fazer uma coisa meio camuflada. A operação ia ser secreta, fariam uma manobra de encerramento do período dos recrutas, deslocando tropas do norte para o sul, do sul para o norte. O que planejavam é que, num desses deslocamentos acabavam enviando as tropas para a Coréia.
Essa manobra foi denunciada pelo nosso jornal Hoje, que foi imediatamente empastelado. Inclusive, tem uma matéria publicada na Voz Operária que descreve o que é houve. Esse também foi um fato importante que acabou fazendo o governo brasileiro recuar. Eu estava servindo ao Exército exatamente nesse período. Éramos para dar baixa no mês de março acabamos dando baixa mais cedo e, também, o Brasil acabou não enviando tropas para a Coréia. Em 1953 foi assinado o armistício. Da América do Sul, o único país que mandou tropas foi a Colômbia.
Então foi isso que aconteceu. Acho que essa campanha foi a expressão da solidariedade internacional e do internacionalismo defendidos pelo Partido Comunista do Brasil. Lembremos que este foi um período difícil na vida do partido, que tinha passado para clandestinidade, após três anos de vida legal, e teve sua bancada federal cassada. Mesmo no Estado |Novo a repressão não foi tão violenta. As prisões de comunistas foram massivas, dezenas de camaradas foram assassinados pela polícia no governo Dutra. Contudo, o Partido sustentou a luta pela paz.