O evento foi iniciado com uma homenagem a José Bonifácio, o primeiro chanceler do Brasil independente, que inaugurou bases sólidas para a política externa brasileira, caracterizando-a como um instrumento do desenvolvimento nacional e de união regional contra a “recolonização”, pela soberania.

Ronaldo Carmona, pesquisador do IECint, fez uma apresentação do percurso de José Bonifácio e do contexto em que se inseria, marcado pela transição para a independência brasileira. Neste sentido, ressalta, o diplomata foi fundamental na formação do pensamento da política externa brasileira independente e soberana.

De acordo com o professor Sebastião Velasco, da Unicamp, a real “ruptura” ocorreu com a política externa do período neoliberal, subserviente com relação aos Estados Unidos e negligente com a integração regional, na década de 1990, durante os governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.

Naquele contexto, o esforço era dirigido para o realinhamento com as grandes potências, inclusive com a assinatura do Tratado de Não Proliferação (TNP) nuclear, ao qual o Brasil vinha se opondo por interpretá-lo como uma forma de congelar o poder mundial a favor das potências.

À exceção do período neoliberal, “os princípios norteadores da política externa brasileira, em geral, foram de autonomia, independência e construção nacional”, disse o professor Velasco.
Soberania e autonomia

Já no período do governo Lula, deixou-se de ceder. Exemplos citados pelo professor foram os posicionamentos do governo brasileiro com relação à crise na Venezuela, assim como à invasão do Iraque, ambos os casos respondidos com uma postura crítica.

Entretanto, a postura de autonomia brasileira na política internacional não significou uma postura de confronto com os Estados Unidos, como criticam alguns partidários do período neoliberal. Mesmo assim, o Brasil teve posturas importantes e resolutas nas negociações da Organização Mundial do Comércio e contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca), retomando o seu “autonomismo soberano” contra as imposições dos EUA, diz o professor.

“Essa não foi só uma mudança externa; coincidiu com um período econômico positivo (em comparação com o fim da década de 1980, de vulnerabilidade, inflação a quase 80%, depois do cume da crise da dívida, com ‘soluções à direita’). O Brasil desacreditou e desencantou-se com o neoliberalismo”, resume Velasco.

Além disso, o professor Manoel Domingos , da Universidade Federal Fluminense, também ressaltou o papel das Forças Armadas e da política de Defesa, atualmente sob debate no Brasil. “A capacidade militar é ponto chave da política externa de Estado, e não [política externa] de sociedade”, disse, referindo-se ao pouco conhecimento existente sobre a instituição militar no país e à superioridade do conceito de “força” nas relações internacionais, segundo o professor.

O professor André Martin, da Universidade de São Paulo, ressaltou uma “oscilação” na política externa brasileira, que sinaliza mais autonomia, embora “o país ainda precise de uma bússola geopolítica”.

O período militar pautou-se por um projeto nacionalista, que buscava inserir o Brasil entre as quatro potências mundiais, mas o período neoliberal retrocedeu no projeto, caracterizado até mesmo por um “anti-nacionalismo”. Agora, a partir do governo Lula, para o professor, é necessário aprofundar um ajuste da política externa com a política econômica, investir em maior intervenção Estatal e definir melhor a política externa brasileira, assumindo a orientação ao sul e a soberania.

Integração regional

O professor Tullo Vigevani, da Unesp e do programa Santiago Dantas, abordou a política externa brasileira para a América Latina, partindo das dificuldades enfrentadas pelo país nesta relação.
Na América Latina, o conceito de autonomia, a partir da década de 1970, é pensado em termos de libertação da dependência, mas o próprio conceito tem raízes mais profundas em grande parte dos países da região, como o Brasil e o México.

Neste sentido, o professor ressaltou o papel da integração e reaproximação entre o Brasil e a Argentina, tanto contra as interferências europeias e estadunidenses quanto, mais recentemente, pela integração sul-americana, com base no desenvolvimentismo.

“A burocracia institucional do Brasil foi empregada ativamente na política de integração com a Argentina (e foi uma política de Estado, não de governos), impulsionada pelas negociações sobre as águas do rio Prata e pela necessidade de se resolver o nó energético”, explica.

Além disso, a articulação regional fortalece a posição na relação com as potências, ressalta o professor, que exemplifica o período em que Celso Amorim foi o ministro das Relações Exteriores do Brasil.

Entretanto, é importante ressaltar o caráter universalista da política externa brasileira, que não foi diminuído pelo investimento na integração regional, lembra Vigevani, embora afirme que não há, ainda, uma estrutura suficiente para essa integração.

Um exemplo das dificuldades estruturais, nesse sentido, é que “um Mercosul mais institucionalizado parece não atender aos interesses das elites”, diz o professor. A característica empregada por Lula e, atualmente, pelo governo Dilma para essa instituição é um esforço pelo reconhecimento e pela redução das assimetrias regionais, com papel menos comercial e mais social, para o qual o Mercosul ainda não tem mecanismos potentes o suficientes.

No mesmo sentido, a importância do Conselho de Defesa do Sul (CDS), criado em 2008 no âmbito da União de Nações Sul-americanas (Unasul), também é fundamental, afirma o professor, como “contraponto [à presença] dos EUA na América do Sul” e em prol da cooperação: “os países da região não tinham a tradição de cooperar em matéria de defesa e segurança”, ressalta.

O CDS, assim, reflete também princípios fundamentais da política externa brasileira, que são a busca pela manutenção da estabilidade democrática e da paz na região, e fortalece a sua legitimidade, por exemplo, com a participação em missões de observação de períodos eleitorais na região.

Para o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Ricardo Alemão Abreu, é preciso pensar que, atualmente, “assistimos a uma grande e grave crise estrutural do capitalismo, que só não é maior devido à intervenção do Estado, resgatando o capital com recurso público, dos trabalhadores”.

Por isso, é importante o combate às assimetrias e a promoção da solidariedade real para a integração regional. “A paz, a soberania e o desenvolvimento (contra as restrições à autonomia de cada país) são as grandes bandeiras dos últimos 10 anos e serão as dos próximos”, com a continuidade.

Importância do balanço e das perspectivas

Rubens Diniz, diretor-executivo do IECInt, afirmou que “uma das áreas mais relevantes dos dois governos do presidente Lula e dos dois anos de Dilma destacou-se pelo aspecto progressista; sem dúvida, neste ciclo de 10 anos, o Brasil conseguiu encontrar uma nova posição no cenário internacional, fruto de um conjunto de políticas internas que alteraram significativamente o bem-estar da população e uma política de valorização, de instrumento do desenvolvimento nacional”.

Ricardo Alemão fala da importância da realização do seminário para o balanço e com a participação de diversos acadêmicos, movimentos sociais, e partidos. “Essa atividade foi uma bela estreia do IECint”.

O seminário foi pensado como uma introdução à Conferência Nacional “Uma Nova Política Externa (2003-2013)”, também organizada pelo IECint, em parceria com a Universidade Federal do ABC, que será realizada entre os dias 15 e 18 de julho, com a participação do ex-presidente Lula, do ex-chanceler Celso Amorim (atual ministro da Defesa), o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, diversos professores, movimentos sociais e partidos políticos.

Publicado no portal Vermelho