Repressão e Direito à Resistência: o exercício da memória contra a barbárie
Leia apresentação do livro Repressão e Direito à Resistência: os comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985)
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O lançamento do livro Repressão e Direito à Resistência: os comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985)”, no Sindicato dos Jornalista de São Paulo, tornou-se uma confraternização e um momento para reviver as causas e sentimentos que moveram tantos camaradas ao confronto com a violenta ditadura militar brasileira. Depoentes que deram sua contribuição ao livro compareceram ao lançamento lotando o pequeno auditório do sindicato, enquanto trocavam dedicatórias entre si nos livros que eram distribuídos.
Com uma plateia tão repleta de depoentes do livro, a emoção e orgulho de poder contar e registrar para a posteridade sua trajetória marcou o evento. Um sentimento de vitória sobre aqueles que oprimiram e, agora, estão escondidos e envergonhados do que fizeram. Com a voz embargada, o presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, lembrou que Dinéas Aguiar contava os dias para o lançamento do livro, para o qual contribuiu de diversas formas, quando faleceu poucos dias antes. Foi dedicado um minuto de silêncio como forma de torná-lo presente.
Como supervisor do projeto, o historiador Augusto Buonicore lembrou que o dirigente João Amazonas recusava contar sua vida, pois considerava que o importante era o partido e a causa. “Mas, ao final da vida, ele reconheceu que a causa e o partido são compostos pela soma das vidas dos comunistas que se dedicaram a eles”, disse o historiador, apontando a importância de uma publicação que contenha a soma de tantos relatos de vida.
A importância da memória histórica para a superação das experiências traumáticas vividas pelo país foi enfatizada por diversas personalidades presentes. Buonicore mencionou as declarações de torturadores que afirmam que a guerra suja ocorria dos dois lados e que, a melhor coisa, é passar uma borracha e esquecer tudo. “Nem a constituição da ditadura permitia tortura e pena de morte”, destacou, revelando o motivo da vergonha e do ostracismo desses agentes da ditadura. “Nada mais justo, neste momento em que a juventude sai às ruas, exigir que toda a verdade seja enunciada, toda a violência seja investigada e todo criminoso seja julgado”, concluiu Buonicore.
Derrotados e vitoriosos
Num discurso muito pessoal, o vice-prefeito Luciano Siqueira falou da experiência de registrar seu depoimento no livro e fazer parte desse coletivo de homens e mulheres corajosos que não aceitaram o arbítrio da ditadura. Segundo ele, vivemos um momento em que o povo brasileiro é instado à reler a sua história recente, e extrair o crucial das lutas. “Entretanto, no momento também se trava uma luta de ideias de quem queira reler a história de maneira distorcida. A luta de ideias também se trava na fragmentação das informações”.
Siqueira surpreendeu ao passar um recado aos jovens que se impressionam com a coragem daquela geração que enfrentou tanta violência apenas por defender uma causa política: “Lutávamos com a cabeça a prêmio, mas éramos felizes”, enfatizou ele, referindo-se à certeza que tinham de estar do lado certo defendendo um futuro para o país em que acreditavam.
Siqueira mencionou um momento sintetizador das trajetórias de todos os depoentes, ao lembrar de uma sessão de interrogatório e tortura em que estava com os olhos vendados mas se impressionou com o discurso do torturador. “Ele disse que sabia que, estrategicamente, nós já tínhamos ganhado aquele combate, mas que taticamente estávamos derrotados, pois não sairíamos vivos de suas mãos”, contou, para acrescentar que ele estava equivocado. “Pensei em todos os companheiros que tombaram na luta pela democracia, e vou me enchendo de coragem para dizer que fomos vitoriosos, porque não estávamos naquilo por uma causa pessoal, mas por uma luta vitoriosa pelas causas mais justas de nosso povo. Pode nos matar, mas nós vencemos”, afirmou.
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, enfatizou a importância da memória coletiva para o avanço civilizatório. “A memória é a melhor arma contra a barbárie”, disse. Para ele, não fosse a memória da escravidão e do machismo, os movimentos negro e feminista não avançariam em suas conquistas.
Abrão ressaltou a importância dos comunistas à época da repressão, como aponta o tema do livro. “Acho importante fazer a reparação a todos aqueles que foram, nada mais, nada menos, que o segmento político que historicamente mais sofreu perseguições, de forma tão sucessiva. Seus algozes tinham a intenção de destruir uma ideia, um pensamento, uma opção política que era a luta pelo socialismo, pelo comunismo, mas eles fracassaram, e temos que resgatar as histórias e a potencialidade dessa ideia-força como elemento estruturante para a formação política da nossa juventude”.
“Nunca foi tão importante debater a memória”, disse. Abrão acredita que esta geração que sai às ruas, hoje, é produto histórico do crescimento econômico e da consolidação da democracia. “Uma combinação de um ambiente de distribuição de renda com liberdade, faz com que essa seja a primeira geração nascida e crescida dentro da plenitude democrática, com consciência crítica e exigente de serviços públicos e qualidade”, analisou.
“Nunca foi tão importante exercitar a memória”, repetiu Abrão, afirmando a principal diferença entre a geração da ditadura e a atual. Para ele, essa geração tem um modo totalmente distinto de lidar com a política. “Enquanto aqueles lutavam por um Brasil que sonhavam para o futuro, essa geração de agora é a do Brasil do presente, que constrói metas para o presente. Para eles, o Brasil do futuro já chegou”.
O evento contou ainda com a presença do presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo; da senadora Vanessa Grazziotin, das deputadas Jandira Feghali e Alice Portugal, do deputado federal, Chico Lopes, do diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Haroldo Lima e da presidenta da União Nacional de Estudantes (UNE), Virgínia Barros, entre outras lideranças e militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, deputado estadual Adriano Diogo (PT) também compareceu.