Em sua fala, Frederico Mazzucchelli afirmou que as crises, que são componentes constitutivos do capitalismo, sempre contêm respostas. A de 1929 suscitou uma série de respostas. A mais afirmativa delas foi a da Alemanha nazista, porque eles quebraram os dogmas liberais, tutelaram o sistema financeiro que estava quebrado e empreenderam uma ação contundente de expansão dos gastos públicos. E converteram o emprego em uma batalha a ser vencida. Resumo da ópera: em quatro anos foi eliminado o desemprego na Alemanha, disse Mazzucchelli. E não foi por causa do rearmamento; foi com construção de estrada, construção de habitação e com a indústria automobilística.

Segundo o expositor, o governo alemão da época na verdade empreendeu um programa de ajuste positivo “megakeynesiano”. A explicação, disse Mazzucchelli, tem a ver com a luta de classes, com a correlação de classes. A situação era tão desesperadora que possibilitou a adoção dessas medidas. O mesmo regime que prendeu e assassinou comunistas e socialdemocratas, adotou medidas para enfrentar a crise. Fechou os sindicatos e ao mesmo tempo fez esse programa ousado, constatou Mazzucchelli. Segundo ele, Mussolini fez a mesma coisa na Itália.

Vergonha da humanidade

Na Suécia, a correlação de classes permitiu a volta aos poder dos socialdemocratas, que empreenderam um programa absolutamente revolucionário. A França tentou algo semelhante, mas a correlação de classes não permitiu a sua continuidade. Nos Estados Unidos, Franklin Delano Rooselvet foi eleito por conta da depressão, afirmou, mas os interesses estabelecidos sempre foram contrários ao presidente. Ele teve que manejar em meio a uma permanente guerrilha conservadora, detalhou.

E, como as respostas remetem sempre à correlação de classes, aconteceu a maior tragédia da história, a maior vergonha da humanidade: a Segunda Guerra Mundial. Após o seu término, forjou-se um consenso, sobretudo diante da expansão da União Soviética e do papel dela na Guerra, e da consequente formação da Guerra Fria, para tentar não repetir o passado. E o Estado foi entronizado como instância não só legítima como necessária para as regulações.

Criou-se o Estado de Bem-Estar Social e domou-se a “fera” financeira, como dissera Luiz Gonzaga Belluzzo, na palestra de abertura do seminário, com as regras para limitar a ação do capital fictício. A “fera” foi domada porque houve a Guerra e a Depressão de 1929, constatou Mazzucchelli. O pós-Guerra foi uma empreitada coletiva destinada a mostrar que o capitalismo seria capaz de sobreviver frente à “ameaça” soviética, uma histeria anticomunista, disse ele, que se tornou mais acentuada depois da Revolução Chinesa de 1949.

Valor “doidão”

Na crise atual, no entanto, a “fera” foi solta novamente, advertiu Mazzucchelli. A besta está louca e está solta, afirmou, para completar que o capital é um valor endoidecido, o valor que quer se multiplicar, o valor “doidão”. E dane-se o resto, enfatizou. Essa crise, a rigor, dado o peso da riqueza financeira e o peso da desvalorização que ocorreu, vitimaria à morte todo o sistema financeiro, analisou. Segundo Mazzucchelli, o Estado não pode apenas intervir; precisar estatizar o sistema. Porque o que se fez foi uma imensa transferência de renda da sociedade para os bancos, por meio do Estado, que simplesmente encaixotaram esses recursos que deveriam ser destinados a ações produtivas.

Mazzucchelli comentou que hoje há uma hegemonia das finanças que impede qualquer ação mais contundente do ponto de vista da administração da crise. Isso é terrível, segundo ele. A taxa de evolução da produção está estagnada e vai permanecer assim, afirmou. Segundo o expositor, o que diferencia a China dos demais países é que lá o Estado tem o controle sobre o crédito. E o crédito é a alma do sistema capitalista. “Lá não tem esse negócio de capital fictício”, destacou. “Não tem essa brincadeira; o crédito é da sociedade através do Estado”, disse ele.

“Fera” domada

Para Mazzucchelli, a regulamentação não seria suficiente, mas é absolutamente necessária. A resposta à crise atual é de natureza distinta daquela que houve em 1929 e no pós-Guerra, afirmou. Hoje, a hegemonia das finanças inibe qualquer tentativa produtiva de se contrapor à crise, que se transforma em estagnação. E a quantidade de gente que está sendo excluída é brutal. Basta ver o desemprego dos jovens na Europa, em especial em países como Portugal, Espanha e Grécia, lembrou.

Mazzucchelli disse que não está vendo saída sem que a “fera” volte a ser domada, o que implica uma ação política contundente. A “fera” solta quer dizer que os interesses das finanças predominam sobre os interesses das nações, analisou. E com isso o capitalismo perde vigor. Isso está no DNA do capitalismo, segundo ele. Só que eles conseguiram uma força política que ninguém consegue domar. Na Europa, entra governo, sai governo, e os países ficam prisioneiros do sistema financeiro, constatou.

Países emergentes

As respostas mais positivas foram as dos países emergentes, disse Mazzucchelli. O Brasil foi exemplar, segundo ele. Primeiro porque não havia um sistema financeiro tão debilitado como estava o sistema mundial. Segundo porque a resposta foi por meio dos bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. A mídia ataca esses bancos porque o sistema financeiro que pôr a mão no dinheiro público, denunciou.

Mazzucchelli concluiu o raciocínio dizendo que a presidenta Dilma Rousseff demorou para deslanchar um programa contundente de infra-estrutura, demorou para fazer o gasto público avançar. E está demorando para melhorar a qualidade do gasto em saúde, em educação, segurança… Isso dá vazão manifestações de descontentamento, alertou.

Questões teóricas

Sérgio Barroso analisou a crise com ênfase nas questões teóricas. Segundo ele, para se entender o problema é preciso compreender a produção e a circulação, o conceito de capital fictício e a financeirização. Para Barroso, uma questão-chave é o chamado salto mortal da mercadoria, relacionado à determinação do valor que se completa na circulação.

“A gente sempre tem analisado mais o processo da produção. Da super-produção, da super-acumulação. Mas é preciso que as mercadorias se convertam em dinheiro, representante do trabalho social, expressão das relações sociais desse regime de produção, para que os trabalhos nelas contidos sejam analisados socialmente. O salto mortal é essa passagem para o dinheiro. A troca faz com que ela despareça, mas ela volta, fazendo o salto da mercadoria para fora da circulação”, detalhou.

A partir dessa questão, Barroso desenvolveu a ideia de que o capital fictício está na essência da atual crise do capitalismo. Segundo ele, o capital fictício está na base das crises financeiras. E o capital fictício, em Marx, se compreende a partir da desconexão entre a produção e a circulação de mercadorias. Essa desconexão se dá no sentido da compreensão da relação entre dinheiro, valor e mais-valia, sintetizou.

Diversos mecanismos

Renildo Souza disse que o ponto de partida para a compreensão dessa crise é a abordagem de Marx de totalidade da economia capitalista. Não é possível analisar a questão sem a busca de um padrão do processo de crise, sem a explicitação de várias causalidades. Ele também se deteve na explicação do salto mortal da mercadoria e da desconexão entre a esfera da produção e a esfera da circulação.

Quando Marx tratou das formas mais concretas da produção global do capitalismo, afirmou Renildo Souza, ele introduziu os elementos de concorrência, taxa média de lucro e capital fictício. E fez uma discussão muito importante sobre acumulação monetária e acumulação real. No processo de crise, pode-se ter diversos mecanismos, como uma crise comercial de realização, os produtos não são vendidos, constatou. Pode-se ter uma crise bancária, com a importância do sistema de crédito.

Profundidade da crise

A visão de Marx sobre o sistema de crédito, disse ele, se refere aos mercados financeiros em geral. Inclusive enfatizando a importância das bolsas de valores para o financiamento da produção em grande escala. “Marx dizia que se não fosse a centralização de somas de dinheiro através das bolsas para as sociedades anônimas, estaríamos andando de carruagem, não teríamos as ferrovias”, lembrou. O sistema de crédito que Marx falava, segundo Renildo Souza, não era somente o bancário, era muito mais amplo.

A crise atual, disse ele, não é somente bancária; é uma crise geral do capitalismo, com diversas facetas — crise comercial, bancária, e falência de grandes instituições financeiras. O tamanho do resgate do banco central dos Estados Unidos para salvar os bancos revela a faceta de uma crise mais ampla, avaliou. “Esses mercados financeiros mais amplos, as bolsas e os fundos especulativos, estavam envolvidos nesse processo de grande especulação o financeira”, detalhou. Segundo ele, a crise transbordou para a produção, transformando-se em uma crise industrial, e se manifesta também na esfera institucional, com crises políticas sucessivas, especialmente na Europa — termômetro que revela a sua profundidade.