Para uma plateia atenta, a historiadora Marly de Almeida Gomes Vianna; o professor João Quartim de Moraes e o doutor e especialista em economia política, Frederico Katz, com a coordenação dos trabalhos do historiador Augusto Buonicore, se revezaram na tarefa de desvendar as nuances do complexo e instigante pensamento marxiano.

Ao abrir o encontro, Buonicore destacou o “certo sabor de vingança” que tem permeado as mesas e outras atividades comemorativas dos 130 anos da morte física de Marx, promovidas pela fundação.

“Isso porque, há 20 anos atrás, o que mais se ouvia nas universidades e nos meios de comunicação é que o marxismo morreu. Esse é o discurso do neoliberalismo vitorioso e em expansão dizendo que o marxismo não tinha mais nada a falar para o mundo atual. Essa não foi a primeira nem a última vez que falaram da morte do marxismo. Quando Marx estava vivo já diziam que o marxismo estava superado”, lembrou.

Segundo ainda o historiador, esse discurso se repete desde a década de 70 do século 19, quando Marx ainda vivia. “No começo do século 20 vários intelectuais, filósofos, como Benedetto Croce, registraram também a falência do marxismo. Mas, o marxismo, teimoso, voltava e às vezes com fúria. Logo depois de Croce afirmar que o marxismo morreu tivemos a Revolução Russa, depois tivemos a Revolução chinesa e um grande movimento de libertação na Ásia, África, em grande parte movimentos inspirados, de alguma forma, pelo pensamento de Marx”.

Nas décadas de 1980/90 a suposta superação e morte do pensar marxiano ainda se mantinha presente nas elucubrações dos que Buonicore define como ‘médicos gabaritados’. “Eles diziam que esse defunto não levantaria mais porque a derrota do Leste europeu, da União Soviética foi muito forte e, dificilmente, aquele cadáver se levantaria para trazer confusões, rebeliões, revoluções no mundo criado pela burguesia, no mundo sob a égide do capital. Mas, só que esse mundo capitalista não precisa de Marx e não precisa dos comunistas para entrar em crise, pois ela faz parte de sua própria essência, como Marx descobriu”, explicou.

Ao encerrar, o historiador lembrou que “cada vez esse mundo burguês entra em crise e os trabalhadores oprimidos se rebelam contra o sistema, de novo Marx adquire centralidade, a leitura de Marx ganha a cena política. Curioso é que, dessa vez, quando começa a crise do capitalismo a própria burguesia começa a mostrar certo interesse na obra de Marx”, disse ele, citando nominalmente os jornais Times (inglês) e New York Times, que anunciaram em suas capas a volta do marxismo.

Conceitos básicos

Em sua palestra, a historiadora Marly Vianna comentou a afirmação de Lênin de que Marx seria herdeiro da filosofia clássica alemã, da economia clássica inglesa e da política do socialismo francês.

“Marx é um homem do seu tempo e como todo grande pensador ele parte do que já se havia feito e, no caso, de melhor em sua ocasião. Mas, quero chamar atenção para o que diz um grande marxista, o historiador espanhol José de Fontana, de que, evidentemente, Marx parte do acúmulo de conhecimento dessas três áreas, mas ele não é um simples continuador da filosofia clássica alemã, nem da economia inglesa, ele parte desse legado, mas parte superando. Marx não é um continuador, mas um superador dessas questões”, defendeu.

Marly Vianna destacou ainda os três pontos que considera fundamentais do marxismo: os conceitos básicos do materialismo, da historia e da práxis. “Em relação ao materialismo, Marx foi o primeiro a tratar cientificamente a relação social historicamente determinada e construiu uma teoria. Na construção dessa teoria nós podemos observar o seu método. Quer dizer, a partir de todo o material empírico de que ele dispunha, ele constroi abstrações conceituais que são modelos que podem ser aplicados a uma situação histórica determinada, partindo de duas grandes premissas: a primeira de que os objetos e as coisas do mundo existem independentes de nós, fora de nós, e de que há uma relação constante entre sujeito e objeto. A meu ver, esse é um aporte de Marx insuperado e insuperável”, afirmou.

Transformar o mundo

O segundo conceito básico presente na obra de Marx destacado pela professora se refere à história. Ela citou textualmente o parágrafo do texto de Marx Introdução à contribuição para a crítica da economia política onde ele explica o fio condutor do seu pensamento.

“‘….O modo de produção condiciona o processo de vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o ser social que determina a sua consciência’. Eu não vejo como essas indicações de Marx possam estar superadas”, afirmou Marly Vianna. Ela contesta a afirmação de que o marxismo seria principalmente economicismo. “Não é verdade, em nenhum momento, nem Marx, nem Engels, colocam que toda a vida humana deriva diretamente da base econômica” afirma, destacando que Marx era, sobretudo, um político revolucionário e não economista. “Tudo o que ele faz é em função da transformação da sociedade”, disse.

Sobre a práxis, ela disse: “O que torna Marx maior do que Hegel e Kant é justamente que ele une o pensamento e a ação. O materialismo histórico pode ser chamado também – e, não por acaso, Gramsci assim o tratou, da filosofia da práxis. Nas Teses sobre Feuerbach (Ludwig), Marx vai dizer que a vida social é essencialmente prática, todos os mistérios que desviam a teoria para o misticismo encontram uma solução racional na prática humana e no compreender desta prática. É quando ele diz que os filósofos não fizeram mais do que interpretar de diversos modos o mundo, mas o que se trata é transformá-lo. Então, na práxis, que é um elemento fundamental do materialismo histórico, está a compreensão do próprio ser humano do homem”. 

Marx, Engels e Darwin

O orador seguinte, Frederico Katz, centrou sua palestra nas reflexões de Marx sobre o capitalismo, destacando que o pensador revolucionário alemão deixou uma marca forte e indelével no século 20. “E no século 21?”, questionou. Ele registrou ainda a contribuição de Engels na construção do pensamento marxista, com destaque para o Manifesto Comunista escrito a quatro mãos em 1848. “O Manifesto Comunista é uma porta de entrada para o marxismo”, ressaltou, citando trecho do documento: “Os proletários não tem mais nada a perder a não ser seus grilhões”. Katz citou ainda a contribuição do filósofo Eric Hobsbawm para a compreensão do marxismo.

O ciclo de palestra terminou com a palestra do professor João Quartim de Moraes. “Marx descobriu em relação à evolução das sociedades humanas algo tão importante quanto Darwin tinha descoberto em relação á evolução das espécies orgânicas”, afirmou Quartim ao iniciar sua apresentação, referindo-se a trecho do discurso de Engels durante o funeral de Marx.

“Essa aproximação de Darwin e Marx, que leva a assinatura de Engels e que para mim vale ouro, merece ser investigada mormente nós estarmos em uma reunião para o progresso da ciência. Qual seria a base, o fundamento objetivo dessa aproximação? Muito simplesmente que, com Darwin, embora nada começa absolutamente com alguém, não há começos absolutos, então Darwin não foi o primeiro evolucionista, não foi o primeiro transformacionista, a ideia de que as espécies se transformam foi uma ideia absolutamente revolucionária em todo o pensamento científico da humanidade”, afirmou.

“Então, a aproximação de Engels tem toda pertinência porque, antes de mais nada, do ponto de vista dos fundamentos de sua reflexão Marx sustenta que as formas econômicas e as formas jurídicas e mentais que decorrem dessas formas econômicas têm uma história, são também resultados de uma evolução”, avaliou.

O evento integrou a programação oficial da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu de 22 a 26 de julho, no Recife (PE), e teve o apoio da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).