O mexicano Mukul expôs a experiência de seu partido com o ambiente de extrema radicalização neoliberal ocorrida desde 1994, quando o México aceitou o acordo comercial com os EUA e o Canadá, por meio do TLCAN (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) ou Nafta, em inglês. Sua descrição do modo como o TLCAN desmonta a economia daquele país e o torna dependente dos EUA revela um beco sem saída que só aprofunda o papel subalterno de uma das maiores economias das Américas. Ele retomou alguns elementos expostos no dia anterior por Saúl Escobar, do mesmo PRD, detalhados neste texto.
O antidesenvolvimentismo dos TLCs
Mukul conta que este processo de neoliberalização já começara com a entrada do México no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês: General Agreement on Tariffs and Trade, GATT) em 1986, aprofundando-se com a assinatura do acordo de livre comércio em 1994. Ele destaca, de imediato, o modo como o tratado ignora as assimetrias entre as econômicas do México e dos EUA, priorizando tarifas alfandegárias, aduaneiras, cotas de importação e exportação e salvaguardas. O modo como a agricultura mexicana vai ser ignorada no tratado é revelada pela imagem que Mukul mostra dos escritórios de agricultura de ambos os países, em que a repartição mexicana praticamente inexiste.
Desde então, o México vive intensamente todos os ajustes fiscais e privatizações, inclusive de serviços públicos, que compõem o receituário neoliberal. A resistência popular evitou a desnacionalização do petróleo e da eletricidade, conta o político. Depois de 19 anos de livre comércio, o crescimento econômico pífio de 2% do PIB anual mostra a dimensão do estrago. “O principal elemento de competitividade mexicana é a mão de obra barata e a precarização do emprego e dos salários”, diz Mukul. Devido a esses elementos de “competitividade” 422 corporações norte-americanas foram beneficiadas nos últimos 30 anos desse modelo econômico, que só fez aumentar a vulnerabilidade internacional, além de mais de 50% população estar abaixo da pobreza e 65% da economia estar na informalidade retratando um dos países mais desiguais do mundo. Mukul conta ainda que, diante da crise cambial, o México continuou nesta ortodoxia neoliberal até 2012, aprofundando sua vulnerabilidade e recessão.
A relação com a América Latina se expressa nos 5,7% do total de comércio com alguns poucos sócios. “O México foi um dos maiores impulsionadores da Alca, ao perder a iniciativa em relação ao continente e se aliando a iniciativas dos EUA”, diz ele sobre acordos de livre comércio para a parte sul do continente, que só beneficiam o país mais rico. O ex-presidente Felipe Calderon foi um dos grandes impulsionadores da Aliança do Pacífico, acordo que pretende fraturar o Mercosul.
Os EUA também se beneficiaram da Iniciativa Mérida de cooperação bilateral, exitosa em prender líderes do crime organizado, com a prioridade de manter a fronteira segura. No entanto, como o tráfico de drogas é muito poderoso no país, e o desemprego e miséria aumenta exponencialmente com os lucros das corporações norte-americanas, mais mexicanos são atraídos para o crime. 
Mukul conclui avaliando que os tratados de livre comércio não são suficientes para detonar o desenvolvimento dos países. Em duas décadas, os resultados são o aumento da pobreza em seu país, com uma economia desestruturada, monopolizada, sendo que 90% das pequenas empresas mexicanas estão fora da economia de exportação e custos sociais incalculáveis. “A ação do crime organizado reduz ainda mais o crescimento”, lamenta.
A volúpia entreguista
A avaliação dramática do mexicano foi a deixa para a análise também pessimista o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que resume a função dos tratados de livre comércio à lógica de que os EUA têm excedente de capitais e produtos e cria esses acordos apenas para derrubar os obstáculos à circulação de sua economia. “Nós, por outro lado, temos excesso de mão de obra e os EUA impedem a livre migração”, compara.
Para ele, a chave para entender o fracasso dos tratados está em que os EUA sabem que suas empresas são mais competitivas que a dos países em desenvolvimento. Empresas com maior avanço tecnológico sempre serão vitoriosas na competição. “Os países desenvolvidos estimulam tratados de livre comércio e organizações multilaterais porque sempre beneficiam-se”, resume ele.
Uma prova disso, segundo Guimarães, é que acordos com a União Europeia têm alcance limitado, porque a Europa protege sua agricultura pouco competitiva, por exemplo. “Eles podem ser o que sejam, mas não são estúpidos os europeus”, diz ele, mostrando como os países em desenvolvimento estão vulneráveis à “volúpia entreguista” de suas elites e mídia.
Sua análise aponta uma luz no fim do túnel ao mostrar que a estratégia americana na América Latina se confronta diretamente com os objetivos do Mercosul, que são frontalmente contrários. O pessimismo do embaixador está no fato do Mercosul enfrentar uma correlação de forças interna e externa muito desfavorável. “A maioria dos países já aceitou as regras de livre comércio dos EUA; resta enfrentar o avanço do Mercosul”, diz ele.
Guimarães conta que o México tem 44 acordos de livre comércio com outros países. Ou seja, obedece regras que impedem políticas de desenvolvimento. “Uma política de proteção à economia são as alfândegas, algo que não existe mais ali”.
“Vou dizer francamente que a situação é muito difícil para os países que não assinaram acordos com os EUA”, diz ele, apontando isso como um enorme desafio para os partidos de esquerda do Foro de São Paulo. O México sequer pode denunciar o assalto que representam esses acordos, pois mais de 400 corporações poderosas se beneficiam e lucram enormemente com eles, e formam uma oposição interna no México em conluio com a elite.
“Não se divulga o que aconteceu com os países que assinaram os acordos”, diz Guimarães. Ele lembrou que as corporações de mídia na América Latina relatam como “uma maravilha” da globalização os efeitos desses acordos. “A imprensa brasileira é amplamente favorável a qualquer acordo com os Estados Unidos, não importa qual, qualquer um. A volúpia da entrega é uma coisa extraordinária”, diz ele, causando risos nervosos.
“Temos um capitalismo atrasado, em que as elites vislumbram algum nível de sobrevivência nesse processo. Em última instância, vendem suas empresas e sobrevivem, acreditam”, diz ele, embora a experiência do México revelou uma carnificina de empresários com o avanço das corporações americanas e com as importações chinesas no país. “Os capitalistas são a absoluta minoria nesses países, mas controlam a informação”.
Para ele, os acordos criam enormes obstáculos para a cooperação e a integração entre os países em desenvolvimento. “Não é uma visão otimista. Eu poderia fazer a retórica linda da integração e suas perspectivas utópicas, mas é a análise da realidade que vai nos levar a entender em que estamos metidos”.
Integração solidária
Mais uma vez, o pessimismo do expositor, que vê poucas chances de reação à esquerda contra o avanço do imperialismo estadunidense, foi a deixa para o comunista Ricardo Alemão Abreu partir e um ponto de vista mais otimista. “Lula nos legou uma doutrina da integração que avança e que devemos defender em nossos governos pela América Latina”, diz ele, ressaltando a tradição histórica do continente em direção a uma integração solidária.
Alemão lembrou que, embora tenha uma participação menor nos ideais de integração latino-americana que marcam a história do território hispânico, o Brasil sempre teve uma diplomacia atenta e cooperativa a isso. O Brasil estava no Panamá, há duzentos anos, quando se propôs uma confederação de países, com assembleia parlamentar supranacional, numa iniciativa que precede o próprio processo de integração europeu, considerado o mais avançado do mundo.
Darcy Ribeiro, um latinoamericanista brasileiro, dizia que a América Latina tem características comuns e antagonismos comuns: a colonização ibérica com unidade linguística e homogeneidade cultural são tão imanentes, aqui, a todos esses países, como o antagonismo com o imperialismo estadunidense.
“O Foro de São Paulo tenta enfrentar a falta de conhecimento sobre a América Latina, principalmente dos políticos”, diz Alemão. Ele cita brasileiros como José Bonifácio, arquiteto da independência brasileira, que propôs uma integração do Cone Sul para acabar com conflitos. Citou Abreu e Lima, que torna-se general do exército de Bolívar e foi o primeiro pensador socialista das Américas. “Hugo Chávez destacou Abreu Lima como uma figura histórica importante, mais que os próprios brasileiros”, diz o comunista, revelando o desinteresse da elite brasileira pelo tema da integração. Alemão citou ainda embaixadores e intelectuais como Manoel Bonfim, San Thiago Dantas e Araújo Castro, além de Darcy Ribeiro, como pensadores brasileiros sobre a Nuestra America.
Avançando para mais recentemente, Alem ão aponta os avanços sensíveis de Celso Amorim em dupla com Samuel Pinheiro Guimarães, no Ministério das Relações Exteriores, que, com o presidente Lula, na Cúpula da Bahia, reuniram pela primeira vez na história, com participação de Cuba e sem participação dos EUA, Canadá ou Europa. A Celac (Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos) nasce com uma proposta de integração econômica, social e política.
Alemão destaca como um dos momentos reveladores da doutrina de integração brasileira a crise no Paraguai, com o golpe das elites para derrubar o governo progressista de Fernando Lugo. “Dilma, corajosamente, suspende o Paraguai e incorpora a Venezuela ao Mercosul. O Paraguai bloqueava a entrada da Venezuela, e, com esse gesto, houve uma perda enorme de quem estimulou o golpe”, diz ele, sugerindo a participação dos EUA.
O dirigente comunista aponta o papel dos partidos como fundamental na contraofensiva a riscos de desestabilização e ameaças às democracias latino-americanas. O Foro de São Paulo é um personagem de bastidor importante nesse processo. Sua elaboração permanente do processo de integração tem fortalecido a articulação dos governos de esquerda. “A Unasul realiza o pensamento de 200 anos de integração”, define Alemão.
O comunista admite que a integração é inerentemente capitalista, hoje, mas com objetivos de longo prazo que direcionam para um conceito de integração solidária. “A primeira ideia é conjugar soberania nacional continental contra o imperialismo dos EUA”, aponta Alemão. Este é um dos fatores permanentes da sobrevivência da doutrina de integração das Américas. Ele também aponta o modelo europeu como exemplo do que não fazer, agora em profunda crise devido à desregulamentação financeira e às assimetrias mal resolvidas dos países mediterrâneos. “O Brasil não pode copiar a Alemanha, exercendo um capitalismo imperialista de monopólios com politica neoliberal e anti-trabalhistas contra os países endividados”.
Desta forma, Alemão apontou para os conceitos que devem nortear a integração, como o combate às assimetrias, a complementaridade econômica e a cooperação para o desenvolvimento econômico, social e ambiental. Ele destacou o papel do Estado brasileiro no controle das transnacionais brasileiras que podem impor uma presença danosa nos países vizinhos. “É preciso estimular investimentos produtivos intrarregionais”, afirmou, notando que tendo claro essa doutrina a orientação socialista para a integração continental é viável.
Garantir a unidade pela política
Numa exposição equilibrada entre a retórica da integração e os limites da correlação de forças, o ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Roberto Conde, defendeu um ponto de vista (partidário e não governamental), de que o desafio da integração latino-americana é político e não econômica.
Conde resgata a conjuntura dos anos 1960, em que os EUA propôs uma “aliança para o progresso”, mas não conseguiu avançar no controle econômico da América Latina, devido à guerra fria que havia se intensificado. “A alternativa foi derrotar a América Latina por meio de ditaduras em todo o continente. Temos que aprender com essa derrota que acabou favorecendo o período conhecido como a década perdida do neoliberalismo, nos anos 1980”.
“Não se pode perder a perspectiva de que a batalha segue sendo política e não econômica”, diz o embaixador, enfatizando que o desenvolvimento dos países da América está sempre limitado pela capacidade de resolver suas questões de poder (e não de economia). “Só podemos construir poder com integração no mundo global. Se fracassarmos na integração continuaremos sendo países subordinados.”
Ele também é adepto da interpretação das zonas de livre comércio como estratégias privilegiadas para promover concentração de capital. “O simples livre comércio é mais concentração de capital é mais dominação das potências que controlam esse capital.”
“Nos opomos ao livre comércio pela ilusão do desenvolvimento que criam, gerando, em vez disso, crescimento concentrado de capital e fenomenal desigualdade, fragmentando as sociedades e impedindo o crescimento. Temos que ter estratégia diferente e alternativa”, diz ele. No entanto, Conde diz que nem todos aceitam essa concepção na América Latina. Há quem creia que a abertura completa do comércio vai levar ao desenvolvimento, como o Chile, que embora mais avançado em termos de acordos comerciais, continua com fortes contradições internas.
Durante muito tempo a América do Sul esteve “fraturada pela Cordilheira dos Andes”, olhando para o Atlântico e para o Pacífico, em vez de olhar para si mesma. “Apesar disso, avançamos com a Unasul, que precisa ser consolidada e aprofundada, embora não haja essa mesma concepção clara sobre o desenvolvimento em seus membros”, afirma, citando o esforço do Chile para levar o Paraguai ao Tratado do Pacífico com os EUA.
A Alba e o Mercosul são propostas diferentes daquelas representadas pelos TLCs predatórios dos EUA. O Mercosul transformou-se num ator protagônico da ordem mundial com seus 280 milhões de pessoas e recursos estratégicos extraordinários. “Tornou-se um ator importante para a defesa de nossas soberanias e multipolaridade. Agora, o Mercosul pode fazer isso, ou não! Ter riquezas não significa nada. Tínhamos todo o ouro do mundo e fomos escravizados durante 300 anos”, comparou ele.
Conde aponta a fragilidade das burguesias latino-americanas, muito ligadas ao agronegócio, frente aos conglomerados internacionais. Das 500 maiores empresas do mundo que controlam fluxos de bens e serviços e capitais, 139 são controladas nos EUA, 71 no Japão, 39 na França, 37 na Alemanha e 29 no Reino Unido. São cinco países controlando um conjunto muito grande de blocos corporativos. Numa atitude deliberada e acelerada, a China subiu de 20 para 46 empresas dentro deste ranking, e dentre os Brics, a Índia tem 8, o Brasil 7 e a Rússia 6 conglomerados. Esse é o mapa das assimetrias que condenam os tratados de livre comércio a serem portais de massacre às economias dos países em desenvolvimento.
“O Brasil tem responsabilidade de conduzir o processo de integração no Mercosul”, aponta Conde, salientando o tamanho da economia brasileira frente aos demais países do continente. “Não queremos a Merkel governando o Brasil, mas o Brasil não é a Alemanha”, disse ele, sobre o efeito recessivo da Alemanha sobre os países para quem emprestou recursos e que estão em bancarrota.
Conde termina com uma perspectiva sombria de reflexão. À pergunta sobre se temos derrotado efetivamente o neoliberalismo, ele lamenta ter uma “resposta terrível” para o Foro de São Paulo. “Não creio”. Ele acredita estar superado o poder dominante dos EUA como condutor do neoliberalismo no mundo. Mas o sistema capitalismo em que temos que garantir nosso desenvolvimento continua dominado pela lógica neoliberal. “O neoliberalismo está jogando cartas ofensivas e triunfando. Em minha opinião a Aliança do Pacífico é uma ofensiva vitoriosa no coração da Unasul, que perfura, penetra e debilita o bloco.”
Outro indício desta perenidade neoliberal é o reajuste brutal na Europa imposto pela ortodoxia neoliberal da integração europeia.
“Por mais que demos voltas no pensamento, nossa resposta possível é a integração”, diz ele, ressaltando que este processo não pode cair nas mãos da burguesia dominante e das corporações econômicas. Para ele, falta pensamento estratégico para Brasil e Argentina avançaram na integração. Ele se ressente de uma estratégia para o Paraguai, por exemplo, que sofre uma operação internacional para se desprender do Mercosul.
“São quatro anos sem discussão estratégica no Mercosul. Discute-se conflitos comerciais, apenas”, diz ele, como negociador interno do bloco. Ele aponta a criação do Focem (Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul) como algo extraordinário, mas insuficiente como estratégia. “Temos que instalar um fundo para o desenvolvimento da cadeia produtiva”, diz ele, citando a proposta do Brasil nas áreas de química, petroquímica e naval. “Mas, se depender de recursos privados não vai avançar. Tem que haver fundos públicos”.
Conde critica também a visão de que desenvolvimento em inovação é vista apenas como cooperação entre universidades. “Isto é uma leviandade! Não podemos depender de cooperação universitária em acordos internacionais. Tem recurso de sobra para financiamento permanente de ciência e tecnologia como estratégia”, diz ele, aponta a fuga de cérebros latino-americanos para países desenvolvidos como uma perda de oportunidade do Mercosul.